O fim da Greve dos Garis

A greve terminou após Audiência de Conciliação entre Sindicato e Comlurb, com a mediação do Ministério Público do Trabalho, realizada no TRT. O prefeito ignorou as reivindicações, oferecendo propostas insignificantes e tratou os trabalhadores como "marginais".

Ato no centro do Rio no dia 1 de abril durante a Greve dos Garis — Foto: Rafael Daguerre/1508

No final da tarde do dia 7 de abril, os trabalhadores e as trabalhadoras da Comlurb – Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro encerraram a greve, após 11 dias de luta por melhores condições de trabalho. A categoria enfrentou novamente perseguições e ataques ao direito de greve por parte do Prefeito Eduardo Paes (PSD).

A greve terminou após Audiência de Conciliação entre Sindicato e Comlurb, com a mediação do Ministério Público do Trabalho, realizada no TRT. A manteve a proposta original de reajuste salarial (6%), mas avançou no percentual de reajuste do tíquete alimentação, que passou de 3% para 6% a partir de março.

Uma das estratégias usadas por Paes foi buscar vencer a categoria pelo cansaço. O prefeito ignorou as reivindicações, oferecendo propostas insignificantes e tratou os trabalhadores como “marginais”.

A greve

No dia 28 de março a categoria paralisou suas atividades.

O comitê de greve passou a madrugada pelas gerências da empresa fazendo piquetes e ganhando mais adesões ao movimento.

O diretor-presidente da Comlurb, Flávio Lopes, e o prefeito do Rio tentaram impedir a greve de diversas formas: mandaram as gerências coagir os trabalhadores; recorreram à Guarda Municipal (GM) e à Polícia Militar (PM) para intimidar o movimento; caminhões da eram escoltados pela GM para garantir os fura-greves.

No dia 30 de março, os trabalhadores e as trabalhadoras da limpeza urbana do Rio estavam em frente ao Tribunal Regional do Trabalho (TRT), no centro da cidade. Naquele dia, uma comissão eleita pelos trabalhadores em frente ao TRT subiu para negociar com a prefeitura. Não houve acordo. A proposta inicial da e da prefeitura era de 2,34% de reajuste salarial; o que representa apenas R$ 35,00 de aumento.

Veja aqui o vídeo da Assembleia de 23 de março, que aprovou a paralisação dos garis, caso não tivessem resposta da e da Prefeitura. A Assembleia aconteceu no Country Clube, em Guadalupe, Zona Norte do Rio de Janeiro.

A categoria pedia 35% de reajuste salarial, no ticket alimentação e melhores condições de trabalho. Nova licitação para um plano de que atenda a categoria e renovação e implementação de todas as cláusulas do acordo coletivo de forma linear.

Em março deste ano, a inflação dos itens da cesta básica no Brasil chegou a 21% no acumulado dos últimos 12 meses. O preço da soja subiu 130%, do trigo 100%, do feijão 52% e o arroz 41%; há notícia de alguma categoria da classe trabalhadora com aumentos salariais nesses níveis?

Os trabalhadores contaram que não tinham EPI’s (Equipamento de Proteção Individual) e a taxa de insalubridade no valor de R$ 525,00 é insuficiente para cobrir todos os riscos causados pelo trabalho.

Em outra denúncia, um trabalhador disse que sequer tinha luvas e botas para trabalhar. Contou que na sua gerência havia quarenta pedidos de botas – significa que quarenta trabalhadores naquele local não possuíam botas de segurança para trabalhar.

O vídeo abaixo é uma entrevista que realizamos em frente ao Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Rio com Tânia Cristina, trabalhadora da Comlurb, no cargo de Agente do Preparo de Alimento (APA).

“Estamos aqui reivindicando direitos”, diz Tânia. Assista:

O sindicato

A categoria denunciou manobras do sindicato para desmobilizar e acabar com o movimento de greve.

Segundo os grevistas, o sindicato mudou o local da Assembleia do dia 31 de março, que foi votada para acontecer na Cinelândia, centro do Rio, para o Clube dos Aliados, em Campo Grande. A alteração em cima da hora foi vista como uma manobra para desmobilizar os trabalhadores e levar poucas pessoas para a Assembleia. Em outro momento, os dirigentes passaram por cima da Assembleia da categoria – que votou a continuidade da greve – e divulgou na sexta-feira, dia 1 de abril, que “a greve foi suspensa” por causa das fortes chuvas na cidade. A medida do sindicato aconteceu sem realizar uma Assembleia com os trabalhadores para determinar ou não a suspensão da greve.

“A categoria decidiu em assembleia pela continuidade da greve, eles querem passar por cima da assembleia. Favor denunciar, divulgar essa manobra”, escreveu um trabalhador da Comlurb.

Parte da mensagem do sindicato: “O Sindicato dos trabalhadores, em solidariedade à população que sofre com as consequências da forte chuva que se abateu sobre a cidade na noite de ontem, ESTÁ SUSPENDENDO a greve dos trabalhadores da até a zero hora de 2ª feira, dia 4/4.”

Em vídeo, o vice-presidente do Sindicato, Gilberto Alencar, reafirma a orientação aos trabalhadores.

Manoel Meireles, o presidente da entidade, também foi denunciado pelos trabalhadores pela sua relação com o prefeito Eduardo Paes. Meireles se candidatou a vereador em 2012 com o apoio do atual prefeito do Rio.

O término do movimento de greve aconteceu após reunião de conciliação no TRT. Além de dirigentes do sindicato, pessoas escolhidas pela categoria também participaram da reunião. Ao descerem para informar às centenas de trabalhadores que aguardavam uma resposta positiva, os integrantes da reunião de conciliação demonstraram que nada havia avançado, o que irritou a categoria logo no início das primeiras falas.

A revolta tomou conta com gritos de “a greve continua”. Em seguida, dirigentes do sindicato promoveram falas que ajudaram numa mudança de rumo. Em uma delas, um diretor do sindicato afirma que “levar a greve para um dissídio é loucura” e sugere que a categoria poderia perder tudo o que conseguiu até aquele momento (reajuste de apenas 6% no salário e no ticket alimentação). E conclui que a greve deveria ser suspensa.

Em outro momento, uma trabalhadora que esteve na reunião afirmou que “a estava irredutível”, não estava disposta a negociar, mas que não haveria retaliação coletiva aos grevistas; entretanto, ressaltou que teria de forma individual, em uma evidente prática de perseguição aos trabalhadores, aceita pelo sindicato.

Na “proposta final” da Comlurb, um dos pontos se destaca:

“Quanto aos dias parados na greve, 5 dias serão compensados e os demais, descontados, um dia a cada mês (3 dias descontados para quem seguiu a orientação do Sindicato e retornou ao trabalho durante as chuvas ou 6 dias para quem permaneceu em greve direto)”.

Portanto, o próprio sindicato realiza uma espécie de retaliação aos trabalhadores que não suspenderam a greve durante o período de 1 a 4 de abril, denunciado pelos garis como uma manobra da própria entidade, com uma decisão sem Assembleia da categoria.

Após 11 dias de um verdadeiro conflito, mais uma vez, como em 2014, enfrentando a Comlurb, a Prefeitura e seu próprio Sindicato, os garis decidiram encerrar a greve. Eles sofreram perseguição, repressão e intransigência de Eduardo Paes (PSD) e Flávio Lopes.

O sindicato da categoria informou que o acordo apresentado pela Comlurb perante o judiciário seria o seguinte:

Proposta final

  • A proposta final da Comlurb, aceita pela categoria, inclui:
  • Reajuste salarial de 6% a partir de março;
  • Mais 2% nos salários em agosto;
  • Novo reajuste residual em novembro, correspondente à diferença do que for dado de reajuste pela Prefeitura aos servidores municipais;
  • Reajuste de 6% no tíquete alimentação;
  • Adicional de insalubridade de 20% para as APAs;
  • Conclusão da implantação do PCCS, retroativo a janeiro;
  • Quanto aos dias parados na greve, 5 dias serão compensados e os demais, descontados, um dia a cada mês (3 dias descontados para quem seguiu a orientação do Sindicato e retornou ao trabalho durante as chuvas ou 6 dias para quem permaneceu em greve direto);
  • Com este acordo aprovado, o dissídio aberto na Justiça será encerrado por perda de objeto;
  • A Comlurb se compromete a não retaliar os grevistas, ressalvados os excessos individuais cometidos durante o movimento.

Comlurb e os altos salários

Os trabalhadores divulgaram em grupos de WhatsApp o alto salário de funcionários da Comlurb. Salários que chegam a valores astronômicos se comparado ao que os garis recebem.

A Superintendência Regional Norte é um belo exemplo desse absurdo: o Superintendente Mauricio Sacramento, com honorários e gratificações, recebe R$ 33.854,30. O salário representa mais de 10 vezes o valor que um trabalhador gari ganha, aquele que faz a limpeza urbana todos os dias nas ruas e corre inúmeros riscos à saúde.

Segundo informações dos próprios trabalhadores, o diretor-presidente da Comlurb, Flávio Lopes, tem um salário estimado no valor de R$ 57 mil e foi contratado pelo Prefeito Eduardo Paes no início de 2021.

Além do altíssimo salário, a categoria critica o fato de ser uma indicação política e não um profissional da área.

Em seu perfil profissional na rede social Linkedin é fácil perceber que Lopes não tem qualquer experiência com limpeza urbana e serviço público, com “mais de 20 anos em posição de liderança em empresas de grande porte como AmBev, Contax, Coca-Cola, entre outras.”

Não há nada sobre limpeza urbana e pública. “Capacidade para resolver problemas complexos com soluções simples, liderança pelo exemplo e forte espírito de dono”, conclui o texto do perfil.

Flávio Lopes, diretor-presidente da Comlurb — Foto: Reprodução/Facebook

Mídia1508

A 1508 é um coletivo de jornalismo independente anticapitalista, dedicado a expor as injustiças sociais brasileiras e a noticiar as mobilizações populares no Brasil e no mundo.

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