Garimpeiros armados atacam terra Yanomami e são mortos pelos indígenas

Não é o primeiro conflito na região do Palimiú. No dia 27 do mesmo mês ocorreu uma troca de tiros entre um grupo de Yanomami e oito garimpeiros.

Foto: Reprodução

Três garimpeiros ilegais foram mortos e quatro ficaram feridos durante ataque à comunidade indígena Yanomami de Palimiu, na manhã desta segunda-feira (11), às margens do rio Uraricoera, em Roraima. A informação é do presidente do Conselho de Indígena Yanomami e Ye’kwana (Condisi-YY), Junior Hekurari Yanomami.

Ao site Amazônia Real, Hekurari contou que três garimpeiros morreram, cinco foram baleados e um Yanomami ficou ferido. “Os da comunidade me confirmaram que morreram três e esses corpos os próprios garimpeiros levaram para o acampamento deles”, relatou.

Este não é o primeiro conflito na região do Palimiú. Um ofício enviado em 30 de abril pela Hutukara relata que no dia 27 do mesmo mês ocorreu uma troca de tiros entre um grupo de Yanomami e oito garimpeiros, após os interceptarem uma carga de 990 litros de combustível. Não houve feridos.

“As lideranças estão indignadas com a continuidade da invasão garimpeira em suas terras e com a violência e ameaça praticada pelos invasores”, relatou, em ofício, a  Hutukara Associação Yanomami (HAY).

De acordo com a associação, há hoje cerca de 20 mil garimpeiros ilegais na Terra Indígena Yanomami. Em alguns locais, há pequenas cidades, com pistas de pouso clandestinas, comércio, prostíbulos e internet.

Trata-se de um problema antigo que vem aumentando em meio a promessas de legalização pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e em decorrência do aumento do preço do ouro.

O relatório Cicatrizes da Floresta, divulgado no último dia 25 de março, pela Hutukara e pela Associação Wanasseduume Ye’kwana (Seduume), mostra que, apenas em 2020, os garimpos destruíram 500 hectares da terra indígena, aumento de 30% em relação ao ano anterior. A área total devastada pelo garimpo é de 2.400 hectares – equivalente a 500 campos de futebol, conforme o documento.

A atuação dos garimpeiros tem contaminado os rios de mercúrio, além de propagar doenças. Pelo menos 10 crianças Yanomami já morreram em decorrência da Covid-19 e a contaminação – subnotificada – está espalhada pelo território. Os  sofrem também com a malária e a desnutrição infantil crônica.

Além do garimpo em terra firme, que deixa para trás uma terra arrasada, o ouro também é extraído do leito do rio por meio de balsas. Pesquisa da Fiocruz de 2019 feita em duas aldeias mostrou que 56% dos moradores apresentaram concentrações de mercúrio acima do limite estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

O rio Uraricoera concentra 52% da área degradada pelo garimpo. Os da região relatam intensa movimentação de embarcações no rio para abastecimento dos garimpeiros, circulação grande de aviões e helicópteros, cobrança de pedágio por garimpeiros para atravessar trechos do rio e contaminação e assoreamento do Uraricoera, berço do mito de Makunaima.

“Você vê a água suja ,o rio amarelado, tudo esburacado. Homem garimpeiro é como um porco de criação da cidade, faz muito buraco procurando pedras preciosas com o ouro e diamante. Realmente, retornou. Há vinte anos conseguimos mandar embora esses invasores e eles retornaram. Estão entrando como animais com fome, à procura da riqueza da nossa terra. Está avançando muito rápido. Está chegando no meio da Terra Yanomami. O garimpo já está chegando na minha casa” afirma Davi Kopenawa, liderança espiritual do povo Yanomami e presidente da Hutukara.

Áudios relacionam ataques a PCC

Algumas horas após o ataque de segunda-feira, começaram a circular áudios em grupos de WhatsApp (ouça aqui). Em um deles, um homem, que não se identifica, fala sobre a presença do Primeiro Comando da Capital (PCC), organização criminosa de que domina o tráfico de drogas em Roraima e já está operando em garimpos ilegais de ouro dentro do território indígena. Ele fala que “uma canoa da facção estava descendo com mais de 20 homens armados com metralhadoras e fuzis” para “pegar o pessoal que roubou combustível”.

Um vídeo, também encaminhado ao Amazônia Real, mostra uma embarcação se aproximando e realizando disparos na direção da aldeia. Os moradores ainda levam alguns segundos até se darem conta de que eram tiros.

As imagens mostram Yanomami com bebês e crianças correndo para se proteger do ataque, enquanto outras embarcações passam no rio fazendo vários disparos. Assista:

Na comunidade, foram recolhidas dezenas de cápsulas. Conforme o relato de Hekurari, “eram balas de fuzil, metralhadora, pistola 40, calibre 28, calibre 12, tudo misturado. É uma facção verdadeira que entrou na Terra Yanomami”. Outra gravação, realizada pelo presidente do Condisi mostra um garimpeiro que foi detido pelos da comunidade Palimiú. Ele foi trazido a Boa Vista pela entidade, que o entregou à Funai e depois à Polícia Federal.

Garimpo ilegal é apoiado por Bolsonaro

O conflito ocorre poucas semanas após o presidente reiterar seu apoio aos garimpeiros. Em sua live semanal de 29 de abril, o político de extrema direita anunciou a intenção de visitar pelotões de fronteira do na região Norte do Brasil e ir a um garimpo nas próximas semanas. “Não vamos prender ninguém. Não vai ser uma operação para ir atrás. Eu quero conversar com o pessoal, como eles vivem lá, para começar a ter uma noção de quanto sai de ouro”, antecipou.

Desde a campanha presidencial, Bolsonaro já revelava interesse em apoiar a atividade garimpeira em terras protegidas, sobretudo as indígenas. Na live, que durou 1h06, o presidente estava acompanhado do presidente da Funai, Marcelo Xavier, que não esboçou reação alguma em defesa dos indígenas.

“Qual a minha ideia? Logicamente tem que legalizar a extração, o garimpo de ouro, tem que legalizar. Uma vez legalizando, gostaria de ter junto a pelotões de fronteira, um posto ali da Caixa Econômica Federal para a gente comprar ouro. Com valor justo”, afirmou Bolsonaro.

A mesma linha é seguida pelo vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB). Em janeiro deste ano, o general, que preside o Conselho da Amazônia, chegou a se reunir com o líder garimpeiro José Altino Machado, apontado como um dos responsáveis pela invasão por mais de 40 mil mineradores ilegais ao território Yanomami nos anos 80.

Acobertada pelo então presidente da Funai, Romero Jucá, a empreitada provocou um verdadeiro genocídio, com mais de 1.500 Yanomamis mortos. Ex-senador e ex-ministro dos governos Lula e Temer, Jucá é também  o principal idealizador da legalização do garimpo em terras indígenas, atualmente defendida por Bolsonaro.

A “proposta” mereceu o repúdio da Hutukara, que em nota divulgada em 6 de maio rechaçou a visita presidencial. “Não queremos que Jair Bolsonaro venha conversar dentro do território, nem venha visitar o garimpo. Nós, lideranças tradicionais, não estamos interessados em discutir sobre garimpo ilegal, não queremos negociação de legalização de garimpo”, informou o texto.

Mídia1508

A 1508 é um coletivo de jornalismo independente anticapitalista, dedicado a expor as injustiças sociais brasileiras e a noticiar as mobilizações populares no Brasil e no mundo.

1 Comentário

Deixe seu comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado.

Últimas Notícias