Com mais de 66 mil mortes apenas em março, ser contra o lockdown é fazer coro com negacionistas

Novo recorde macabro brasileiro foi de 3.950 pessoas mortas pela Covid-19 em 24 horas. Foram 66.868 mortes em março.

Foto: Rafael Daguerre/Mídia1508

A cada 27 segundos morre uma pessoa por Covid-19 no Brasil.

Parte da esquerda brasileira é – mais uma vez – confusa e contraditória ao promover discurso contra o lockdown, uma ação que deveria ter ocorrido há 1 ano atrás para conter a pandemia no Brasil. O que ocorre no momento não é um lockdown, na prática, são algumas medidas de isolamento mais restritivas, mas longe do necessário para o país que mata milhares de pessoas por dia pela Covid-19. O negacionismo brasileiro é tão forte que os governantes falam em “super feriado” para não usar a palavra lockdown.

No último dia de março, dia 31, o novo recorde macabro brasileiro foi de 3.950 pessoas mortas pela Covid-19 em 24 horas. Foram 66.868 mortes em março.

Se o estado de fosse um país, estaria em 11º lugar no ranking mundial de mais óbitos pelo novo coronavírus. As mortes em março de 2021 foram mais que o dobro do total vivido em julho de 2020 – que era, até então, o mês com mais vidas perdidas no país para a Covid-19.

A grande questão para parte da esquerda é: ou faz lockdown com auxílio emergencial de no mínimo 600 reais ou não faz. Impondo às questões uma oposição inconciliável. Lutar pelo auxílio emergencial e pela saúde pública não exclui a necessidade óbvia de um lockdown contra a pandemia, que vem matando mais de 2 mil pessoas por dia no Brasil.

A média atual é de mais de 2.900 pessoas mortas por dia.

O Rio de Janeiro, por exemplo, é o município que mais mata pela Covid-19 no país e ainda há um setor da esquerda da capital fluminense que consegue ser contra o lockdown na cidade. A situação é gravíssima, não há leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) no Brasil, não somente para casos do novo coronavírus, mas para qualquer tipo de doença e emergência.

São quase 48 milhões (22,7% da população) de brasileiros vivendo em locais que não há sequer um leito de UTI. Dos 5.570 municípios do Brasil, apenas 536 (9,6%) têm leitos de UTI, 2.269 (40,7%) contam com respiradores e apenas 855 (15,3%) têm tomógrafos. A maioria é no Norte e Nordeste do país.

Os dados acima são resultado do trabalho de sete pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em 2020. O levantamento tomou como base o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, onde constam as informações de todas as unidades de saúde públicas e privadas da federação. “Tem lugares do que se a pessoa, principalmente no Norte, ficar grave de coronavírus ou qualquer outra doença, não tem para onde ir porque simplesmente é zero. Não tem uma unidade de saúde. Não tem nada, não tem nem o básico”, afirmou a pesquisadora Margareth Portela, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, em entrevista no ano passado.   

A luta para que a classe trabalhadora não passe fome não deve contrapor a evidente necessidade de lockdown – não devem ser questões excludentes. Sem medidas restritivas rigorosas e com trabalho quem mais morre é justamente o povo que essa esquerda diz defender. Com lockdown ou sem lockdown, quem mais sofre e morre neste país é a população pobre e preta. O lockdown, se acontecer, será uma vitória para que as mortes sistemáticas pelo novo coronavírus diminuam, contra um verdadeiro em curso. Isso não restringe a luta constante – que deve ser nas ruas e não na internet ou no WhatsApp – pelo auxílio emergencial.

O neurocientista Miguel Nicolelis afirma: “Ou o país entra num lockdown nacional imediatamente, ou não daremos conta de enterrar os nossos mortos em 2021”. Professor da Universidade Duke, nos Estados Unidos, Nicolelis foi um dos criadores do Projeto Mandacaru, grupo formado por voluntários das mais diversas áreas que dá orientação e consultoria sobre o enfrentamento da pandemia de coronavírus aos nove Estados que compõem a região Nordeste.

Outdoor com texto em apoio ao presidente é coberto de tinta vermelha e pichado com a palavra “GENOCIDA” em Carpina (PE), a 45 km de Recife / Foto: Leo Malafaia/AFP

Política de morte

A história mais genocida da saúde pública brasileira produzida pelo Governo de  na gestão da pandemia de Covid-19 é destaque em uma pesquisa do Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (CEPEDISA) da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP) e a Conectas Direitos Humanos, uma das mais respeitadas organizações de da América Latina. Os pesquisadores dedicaram-se a investigar e coletar as normas federais e estaduais relativas ao novo coronavírus, produzindo um boletim chamado Direitos na Pandemia – Mapeamento e Análise das Normas Jurídicas de Resposta à Covid-19 no . No dia 21 de janeiro lançaram uma edição especial na qual fazem uma afirmação contundente:

“Nossa pesquisa revelou a existência de uma estratégia institucional de propagação do vírus, promovida pelo Governo brasileiro sob a liderança da Presidência da República”.

A política de morte do governo aparece também na estratégia de combate ao coronavírus defendida pelo presidente Jair Bolsonaro, o chamado “kit covid” ou “tratamento precoce”. Diretores de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) de hospitais de referência disseram em entrevista que o tal “tratamento” contribui para aumentar o número de mortes de pacientes graves.

O Observatório Covid-19 da FIOCRUZ aponta como o maior colapso sanitário e hospitalar da história do Brasil. O Boletim mostra que, em 16 de março, das 27 unidades federativas, 24 estados e o Distrito Federal estavam com taxas de ocupação de leitos de UTI para adultos no Sistema Único de Saúde (SUS) iguais ou superiores a 80%, sendo 15 com taxas iguais ou superiores a 90%.

É indispensável evitar que as pessoas adoeçam, que morram em números jamais visto na história do em um período tão curto. O debate sobre as medidas de distanciamento social não devem ser se é necessário ou não, mas sim quais medidas serão adotadas, como serão adotadas e por quanto tempo.

Ser contra o lockdown no país que mais mata diariamente pela Covid-19, beira o negacionismo que enfrentamos com o governo Bolsonaro.

Vacinação e as novas variantes

Segundo cientistas, o ritmo atual de vacinação no país nos levará a imunização da população acima dos 18 anos apenas em 2023. A recusa do governo federal de milhões de doses ainda em 2020, também nos indica o caráter fascista da política de morte de Bolsonaro. Mas pedirmos vacina para todas as pessoas não basta, ainda que seja fundamental e importante manter uma campanha de denúncia do descaso com a única forma de imunizar a população.

Não basta porque, primeiro, não há vacina para todas as pessoas no mundo. Segundo, a luta contra a pandemia não é somente pela vacinação, mas também pela manutenção do isolamento social, pelo uso diário de máscara (mesmo após a 1° dose da vacina) e o uso constante de álcool em gel – comportamento que vai perdurar por todo o ano de 2021 e 2022.

As novas variantes que surgem pelo mundo fazem com que as vacinas não sejam 100% eficazes; a vacina AstraZeneca, por exemplo, usada no Brasil, não tem resultado contra a nova variante da África do Sul – e talvez não tenha contra a cepa criada em Manaus.

Segundo o Professor titular de bioquímica da Universidade de São Paulo, Fernando Reinach, as novas variantes se espalham mais rápido. As principais são a inglesa, a sul-africana e a brasileira, surgida em Manaus. Sabe-se que a variante inglesa é mais letal que a variante original, afirma o cientista. E lembra que as milhões de vacinas que existem foram criadas para a variante original e que ainda é necessário testes para saber a sua eficácia contra as novas variantes; por isso, também, o isolamento ainda é extremamente importante para conter o avanço do vírus.

Protestos contra a gestão da pandemia e por auxílio

Na manhã dos dias 23 e 24 de março, manifestantes bloquearam estradas e rodovias com barricadas de pneus incendiados na capital paulista e na região metropolitana do Rio de Janeiro.

Entregadores de aplicativo e militantes de movimentos sociais fecharam a avenida João Dias e a Marginal Tietê, nas zonas sul e norte de São Paulo, respectivamente. Os atos foram um protesto contra a gestão genocida da pandemia no país, o aumento no preço dos combustíveis e por um auxílio emergencial de no mínimo 600 reais. Palavras de ordem contra o presidente da República Jair Bolsonaro, o governador João Dória e o prefeito Bruno Covas também foram expostas pelos trabalhadores.

Bloqueios semelhantes também foram registrados na rodovia Fernão Dias, altura do município de Guarulhos (Grande São Paulo) e na RJ-104, no trecho que liga os municípios de Niterói e São Gonçalo, no estado do Rio.

Rafael Daguerre

Fotógrafo, Repórter, Editor e Documentarista

Um dos fundadores da Mídia1508. "Ficar de joelhos não é racional. É renunciar a ser livre. Mesmo os escravos por vocação devem ser obrigados a ser livres, quando as algemas forem quebradas" ― Carlos Marighella.

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