Golpistas invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto — Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Os perigos do uso do termo ‘terrorismo’ para classificar ataque em Brasília

Terrorismo não é um adjetivo, é uma classificação política. Para cientista política, mobilizar palavras como ‘terrorista’ coloca em jogo mais do que a tipificação penal e faz perder de vista o que se combate: o golpismo de orientação fascista.

Por Fhoutine Marie

Desde o ano passado, jornalistas, analistas políticos, militantes e políticos de partidos de têm insistido em classificar como terroristas os atos de depredação de golpistas vestidos de verde e amarelo ocorridos na noite da diplomação do presidente eleito. Eu prefiro chamar de golpistas, já que me parecem termos mais acurados para descrever o que eles são e o que fazem. Nos Estados Unidos as pessoas que invadiram o Capitólio são chamadas de insurrecionistas, algo parecido com termo usado por Vladimir Safatle, que chamou o acontecimento de insurreição fascista

São alternativas menos problemáticas. Em que pese muito do que se viu ano passado e na tentativa de ocorrida no domingo (8) em se enquadrar na Lei 13.260 – mais conhecida como Lei Antiterrorista, sancionada por Dilma Rousseff já no ocaso de seu governo, em 16 de março de 2016 – trata-se de um termo que deveria ser usado com cautela. 

Não por razões antipunitivistas, mas para evitar desbloquear um instrumento que historicamente tem sido usado contra as mesmas pessoas que hoje pedem punição severa e exemplar “para os terroristas”. Com o argumento de que, por muito menos, outras manifestações foram reprimidas com brutalidade policial, dá-se a impressão de que aquilo que as autoridades tendem a chamar de “excessos” possuem alguma justificação plausível e que são, além disso, desejáveis. 

Com isso corre-se o risco de dar continuidade a uma narrativa que reforça o autoritarismo praticado pela esquerda. O ato falho de Lula em seu pronunciamento ontem ao dizer stalinistas quando pretendia dizer fascistas diz muito sobre isso. A Polícia Militar comandada por governadores de partidos de esquerda – ou por pessoas que não estavam em partidos de esquerda, mas hoje compõem o atual governo – em um passado não tão distante não se fez de rogada na hora de exercer o monopólio legítimo da força, em processos de reintegração de posse ou em protestos de professores e estudantes.

Terrorismo não é um adjetivo

Terrorismo e terrorista são palavras derivadas do período do Terror da Revolução Francesa, no qual foram executados pelo Estado não apenas nobres, mas muitas pessoas da recém-nascida consideradas inimigas da Revolução. O conceito de inimigo é muito importante para compreendermos o que essa classificação mobiliza: a aniquilação de um inimigo a quem não cabem as garantias constitucionais reservadas ao cidadão. 

‘O conceito de inimigo é muito importante para compreendermos o que essa classificação mobiliza: a aniquilação’

Autores clássicos como Hobbes, Maquiavel e Beccaria já falavam sobre o inimigo como alguém que não age dentro das regras do jogo e cuja punição, por este motivo, não deve ser a mesma destinada ao cidadão comum. Isso ajuda a compreender como a palavra câncer costuma aparecer na retórica relacionada ao terrorismo. Trata-se de algo que precisa ser extirpado, que requer um regime especial de tratamento. O problema que se coloca quando comparamos qualquer coisa ao câncer é que o tratamento para a doença costuma ser cortar fora, queimar ou envenenar o paciente para matar células cancerígenas na esperança que o corpo sobreviva. 

Terrorismo não é um adjetivo, é uma classificação política. E costuma ser apenas o começo, já que, como num câncer, sabemos apenas o início do tratamento, que pode se prolongar, se somar a outros protocolos tão ou mais destrutivos que a abordagem inicial, repletos de sequelas, de partes saudáveis atingidas ou removidas e efeitos prolongados de toxicidade. Um corpo permanentemente monitorado. Esse corpo, no caso, é o corpo social. 

O clamor e que no futuro pode levar a criminalizar qualquer um que se manifeste contra decisões de governo, equiparando aos golpistas trabalhadores, estudantes, indígenas, pessoas em situação de rua ou condições precárias de moradia, moradores de periferias, enfim, todos aqueles cuja imagem da e militar ainda é fresca em nossa memória. 

Historicamente, todas as vezes em que se declarou guerra ao terror, uma caçada a terroristas ou algo que o valha, foi a população que sofreu as consequências. Foram os e cidadãos politicamente engajados – ou às vezes nem isso – que tiveram suas liberdades e corpos violados em nome do combate a um inimigo “sem rosto”. Certas trilhas não têm caminho de volta.


Texto publicado originalmente aqui.
Foto de capa: Marcelo Camargo/Agência


Fhoutine Marie é colunista da Interesse Nacional. Jornalista e cientista política, participa como co-autora dos livros “Tem Saída – Ensaios Críticos Sobre o Brasil” (Zouk/2017) e “Neoliberalismo, feminismo e contracondutas” (Entremeios/2019). Seu trabalho tem como foco temas como gênero, raça, terrorismo, neoconservadorismo e política numa perspectiva não-institucional.

Mídia1508

A 1508 é um coletivo de jornalismo independente anticapitalista, dedicado a expor as injustiças sociais brasileiras e a noticiar as mobilizações populares no Brasil e no mundo.

3 Comentários

  1. Não concordo, pois em nenhum momento da história, forças que abusaram de autoridade que agiram com violência e truculência foram taxadas de TERRORISTAS mesmo que tenham ferido com golpes de cassetete, bombas e balas de borracha, agiram dessa forma contra professores, estudantes e trabalhadores durante manifestações pacificas, sofrerem agressões mas não foram taxados de TERRORISTAS. Já no caso do Distrito Federal houve violência, invasão das casas dos 3 poderes e destruição total, qual era a reivindicação? NADA, qual era a pauta? TENTATIVA DE ATENTADO A BOMBA, GOLPE, TOMADA DE DE PODER, DESTITUIÇÃO DO STF, GOLPE MILITAR, DERRUBADA DO GOVERNO ELEITO através da força, isso é TERRORISMO.

    • Nossa, que resposta mal articulada. Quem não foi tachado de terrorista? A polícia que reprimiu ou o manifestante reprimido? Se for o primeiro caso, o texto mesmo dá exemplo do período de terror na Revolução Francesa. Se for o segundo caso, parece piada, pois o terrorismo passa a ser tipificado criminalmente justamente visando criminalizar protestos. E fica pior quando você fala de “protestos pacíficos”, pois é justamente esse discurso que criminaliza protestos e os transforma em terrorismo. A maioria dos ganhos de direito dos quais gozamos veio através do sangue de quem protestou. Pacífico é oceano. A única coisa que protesto “pacífico” consegue é mostrar ao poder vigente que o povo não lhe ameaça. Todos os grandes movimentos de direitos civis ou independência que você deve conhecer historicamente como “pacíficos” só foram considerados como tal muito depois de terem acontecido, pois durante os movimentos, eles eram encarados por governo e imprensa como o caos na terra.

  2. Você está enganado. Nos atos entre 2012 e 2014 as companheiras e companheiros presos foram chamados de terroristas e a lei sancionada pela Dilma foi citada no processos dos 23.

Deixe seu comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado.

Últimas Notícias