A miséria da política brasileira e o colonialismo que nunca acabou

A única saída da esquerda para a ascensão de um fascismo à brasileira é a volta dos que não foram, ou seja, novas alianças com a direita tradicional.

Encontro dos ex-presidentes, que ocorreu no dia 12 de maio de 2021, no apartamento do ex-ministro do STF e ex-ministro da Justiça e da Defesa, Nelson Jobim — Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

As últimas semanas da política brasileira nos colocaram novamente a constatação de uma miséria da política – ou política da miséria – absoluta. A única saída da esquerda para a ascensão de um fascismo à brasileira é a volta dos que não foram, ou seja, novas alianças com a direita tradicional, que podemos apelidar de “alto clero” – que agora soam ainda menos dignas depois do golpe de 2016. Ninguém mais finge acreditar que existam limites para essas alianças – ou para o leilão dos próprios princípios.

Nesse sinistro teatro de zumbis, temos que engolir o povo nas ruas no Chile, Venezuela, Colômbia, Peru, México, Estados Unidos, Mianmar, e sabe-se lá mais onde, mas nós sempre somos reduzidos à nossa impotência.

O é o “diferentão” do continente.

Nem vou me ater às questões históricas e sociais que levam à isso, já que são muitas e tão complexas, que uma coleção de livros não daria conta. Mas parece impossível não reconhecer que existe um esforço cada vez mais escancarado para não fomentar a organização popular no e colocar todas as fichas em mais um acordão nacional. Já não se tratam das numerosas e antigas denúncias feitas por trabalhadores de diversas categorias relatando o boicote a greves em sindicatos aparelhados por partidos de esquerda.

Trata-se de dizer que o povo que organizou quilombos desde o século XVI e greves desde o século XIX não pode fazer mais nada. A miséria da política triunfou. Estamos nas mãos dos escravocratas e do neocolonialismo mais do que nunca (ou como sempre?), porque a lógica do pragmatismo chegou a níveis alarmantes.

Aliás, para isso serve o fascismo: como força auxiliar da chamada “direita tradicional”. O e as milícias que defendem fizeram nada mais do que defendê-la, e defender interesses externos ao Brasil. Agora, que qualquer rastro de esquerda foi expurgado do plano nacional, apresenta-se a única solução: substituir a extrema direita pela direita.

Sim, é preciso admitir que foi um teste para percebermos o quanto ainda falta de consciência política e de memória política na sociedade brasileira. O quanto ainda estamos atrelados à 64, e é claro que não podemos jogar toda a culpa em pouco mais de uma década de governo progressista. Avançar sem boa parte da população apoiar de fato as transformações da agenda de esquerda é claramente inviável: mas não mudaremos isso pegando um atalho. 

Mesmo que alguém argumente ser uma estratégia de negociação e conflito, em que posição de força estamos em ambos os casos?

Tudo isso me faz sempre e sempre perguntar quem realmente ainda acredita que esse caminho é um meio que justifica os fins e quem já está afundado e comprometido com o sistema a tal ponto, que vive de mentir aos outros e a si mesmo (a).

Um acordo de Associação entre Mercosul e  está para ser ratificado trazendo – como sempre – enormes prejuízos aos países latino-americanos, e colocando ainda mais a Amazônia em risco. Estamos sendo envenenados pelos agrotóxicos crescentes em nossa comida e importando toneladas de lixo tóxico dos “civilizados” e politicamente corretos países europeus.

É preciso, sobretudo, que paremos de defender essa república genocida e uma “civilização” doente.

Qual a lição que tudo isso nos dá? Se olhássemos para os lados (e para dentro, e para trás), se tirássemos os olhos por um minuto de nossa subserviência desesperada, poderíamos começar a nos descolonizar de verdade, impedindo o de extinguir a humanidade – se ainda tivermos tempo de fazê-lo.

Hannah Cavalcanti

Professora de história e escritora. Colunista da Mídia1508.

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