Texto por Anti-Metrópole
A 25 de Abril de 1974, as forças armadas portuguesas, impregnadas do espírito da Revolução, encetam um golpe de estado que põe fim à mais duradoura ditadura da Europa. Os militares colocam cravos nas espingardas como símbolo de paz, e o apoio que o país presta à sublevação é tanto, que este “dia inicial inteiro e limpo” é conseguido sem sangue, sem mortos, numa grande lufada de Liberdade e de Poder Popular.
Estes desvarios infantis passam por História e por Memória na ideologia da Terceira República Portuguesa. Não passam de propaganda burguesa que visa apagar os verdadeiros responsáveis pelo fim do fascismo em Portugal. O regime português que sai do colapso do processo revolucionário preferiu ir em frente e esquecer, em vez de reconhecer a coragem e o sangue com que foi comprado o derrube do fascismo em Portugal.
Duas coisas motivaram o Movimento das Forças Armadas a fazer o 25 de Abril. A primeira era a “incapacidade de resolver a guerra em África pela via militar”, que era o eufemismo covarde com que se explicava que o exército português há anos que levava descomunal surra dos exércitos de libertação Africanos, por mais armas, dinheiro e soldados que enviasse. A segunda, que foi a que levou diretamente à constituição formal do MOFA (“Movimento de Oficiais das Forças Armadas”), foi o decreto-lei 353/73, que permitia a ascensão a altas patentes por parte de quadros milicianos, passando por cima dos oficiais do quadro permanente.
Humilhação militar em África, e ressentimentos sobre patentes! Que é feito do nobre exército, decidido a trazer Liberdade ao povo pequeno português? Longe de o 25 de Abril ter como vítimas singulares os quatro mártires baleados em frente à sede da PIDE, longe duma “revolução sem sangue”, Portugal deve a revolução, deve a sua liberdade, à coragem e ao sangue sem fim derramado das centenas de milhares de heróis e heroínas Africanos que lutaram pela libertação das suas pátrias do jugo colonial europeu.
A revolução “dos Cravos” ganha uma silhueta bem diferente quando percebemos que o que a despoletou: o pavor tétrico que o exército sentia dos movimentos de libertação, que fazia com que, para os oficiais, a descolonização fosse o prioridade fundamental. Descolonização em termos favoráveis se possível, a todo o custo se necessário. O Movimento das Forças Armadas (MFA), que sai à rua e advoga uma posição de descolonização imediata (que era uma das prioridades duma das facções do exército) juntamente com a democratização do regime, acaba rapidamente desautorizado pela Junta de Salvação Nacional presidida por Spínola, que insistia, na declaração de 26 de Abril, que a revolução teria como prioridade “garantir a sobrevivência da nação como Pátria soberana no seu todo pluricontinental.”
“Seu todo pluricontinental”. Por isto se fez Abril. Acabar com o fascismo nunca foi um fim em si. A democracia foi um instrumento arquitectado por baluartes do regime fascista como António Spínola para acabar com a Guerra Colonial: já que Marcelo Caetano era demasiado intransigente para ceder às vontades dos militares e pôr um fim à chacina, era preciso depor Marcelo, e a esperança é que um modelo democrático, pelo desgaste sofrido pela população, estivesse mais disposto a tentar formas alternativas de resolver o conflito. Mas teríamos tido o exército na rua se Marcelo não tivesse sido um péssimo estratega, e tivesse tido a capacidade de admitir que a guerra estava perdida? Se Marcelo – como o instavam Spínola e outros – tivesse aceitado uma solução política que montasse uma federação lusófona, uma Commonwealth à tuga, não teria havido cravos na rua.
A conclusão que podemos tirar daqui é que a festa do 25 de Abril como festa da liberdade é uma falsificação histórica grotesca das forças materiais que levaram à sua eclosão. É verdade que, antes da Revolução, havia quem lutasse em Portugal contra o fascismo e mesmo contra o colonialismo, e que fosse perseguido por isso (sem grande sucesso, é preciso dizê-lo, por muito que louvemos a sua determinação férrea e as suas convicções). É também verdade que imediatamente a partir de 25 de Abril desabrocharam movimentos que, nas suas várias contradições, em muito extravasaram o ímpeto que os soltara.
Mas isso veio depois. Antes dos cravos, antes do Processo Revolucionário em Curso, bem antes, ouviam-se rugindo de África as centenas de milhares de mártires e de heróis, tanto civis assassinados brutalmente pelas forças do invasor europeu, quanto militares caídos em defesa da liberdade nacional e na luta pelo comunismo. Correu o sangue de milhares de outros torturados, chacinados, mutilados pelo regime colonial português em nome dos lucros da exploração imperialista e do capital português e internacional.
Mas junto com esse sangue correu também o de milhares de soldados portugueses que, por mais almas que o regime capital-fascista de Lisboa estivesse disposto a sacrificar, mais tombavam. Por fim os seus companheiros e oficiais, pasmados com a mortandade e com a resistência indomável dos povos Africanos, decidiram desistir.
Sobre estas vítimas imoladas fez-se o 25 de Abril. O regime esqueceu. Fala-se de “Revolução sem sangue”, fala-se do “gesto puro duma manhã de Abril”. Mais um exemplo, repugnante na sua previsibilidade, de como a Europa vive à custa dos seus impérios, não só no trabalho compelido de incontáveis Africanos e Africanas, mas também à custa de esquecer quanto a sua “Democracia” e a sua “Liberdade” são quotidianamente compradas com o sangue e sofrimento, e resistência e invencibilidade, do grandioso continente Africano.
Hoje, a 25 de Abril, celebramos África, suas filhas e filhos. Colocamos diante dos olhos, com gratidão, as suas glórias e a sua coragem. Lembramos as dádivas infinitas de “sangue, lágrimas, suor” que verteu pelos séculos fora, e que o Ocidente usou para se elevar mas que desde então insiste em não pagar; mas pagará.
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