Em um dia como hoje, 15 de agosto de 1969, um destacamento de doze guerrilheiros da Ação Libertadora Nacional (ALN), invadiu uma estação transmissora da Rádio Nacional, na grande São Paulo.
O objetivo era driblar a censura imposta pela ditadura militar, difundindo uma mensagem de oposição ao regime pelo rádio, meio de comunicação mais popular na época.
“Atenção, muita atenção! Senhoras e senhores: tomamos esta emissora para transmitir a todo o povo uma mensagem de Carlos Marighella”.
Com essa abertura, os ouvintes da emissora, afiliada da Rede Globo, foram alertados sobre o conteúdo que seria transmitido a seguir, por volta das 08h30 daquela sexta-feira, cujo sinal alcançaria o raio de 600 km nesse horário.
O comunicado começava desmentindo às acusações que eram feitas pelo discurso oficial contra os guerrilheiros: “Da cidade da guerra revolucionária, nela estamos empenhados com todas as nossas forças no Brasil. A polícia nos acusa de terroristas e assaltantes mas, não somos outra coisa que não revolucionários que lutam a mão armada contra a atual ditadura militar brasileira e o imperialismo norte-americano.”
Em seguida, eram listadas as prioridades da organização contidas no manifesto Ao Povo Brasileiro: derrubar a ditadura militar e anular todos os seus atos desde 1964, formar um governo do povo, expulsar do país os norte-americanos, expropriar firmas, bens e propriedades deles e dos que com eles colaboram, acabar com o latifúndio, transformar e melhorar as condições de vida dos operários, dos camponeses e das classes médias, entre outros. Ao todo, foram 138 linhas transcritas pelo serviço secreto do Exército.
“Esse é o governo mais odioso que o Brasil já teve em sua história. Os militares pensam que podem enganar o povo e agora andam pregando cartazes na rua pedindo ao povo que denuncie os revolucionários que lutam contra o terror da ditadura e a miséria a que o povo está submetido. É justo, porém, que os patriotas e revolucionários combatam a ditadura e que o povo colabore com os revolucionários.” afirmava um trecho da gravação.
Escute parte da gravação:
A voz que ecoava nas ondas do rádio não carregava o sotaque baiano de Marighella, apesar de o texto ser de sua autoria. O mítico comandante da ALN até quis participar da ação, mas seus companheiros o impediram. Acabou que quem emprestou voz ao manifesto foi o estudante paulista da Escola Politécnica da USP, Gilberto Luciano Belloque, que elaborou a estratégia junto ao companheiro José Carlos Lessa Sabbag e apresentou aos dirigentes da ALN, Marighella e Joaquim Câmara Ferreira.
Em abril daquele ano, Marighella começara a gravar com Iara Xavier, filha da também guerrilheira Zilda Xavier, uma série de fitas intituladas “Rádio Libertadora”. Com o sucesso da ação na Rádio Nacional, ele seguiu com o propósito de divulgar os manifestos em praças públicas, o que nunca aconteceu.
“Atenção: as gravações em fita das transmissões da Rádio Libertadora devem ser ligadas aos sistemas de alto-falantes dos bairros e subúrbios e irradiadas para o povo, mesmo que para isso tenhamos que empregar a mão armada”, anuncia uma das mensagens.
A gravação do manifesto foi providenciada em um estúdio para produção de jingles de um amigo de Sabbag, na capital paulista. Para a sessão de gravação do texto, estiveram presentes apenas Belloque, Sabbag e o dono do estúdio.
Para realizar a ação, que contou com a participação de cerca de 12 pessoas distribuídas em um fusca e um Aero Wyllis, os guerrilheiros não ocuparam o estúdio da rádio, localizado na região central da capital paulista, mas os transmissores que ficavam a 27km dali, em Piraporinha, hoje divisa entre o município de Diadema e São Bernardo do Campo. Metade entrou no prédio onde ficavam os transmissores e metade ficou do lado de fora,esperando. A ideia partiu do próprio Belloque, que já havia trabalhado em rádio, no município de Monte Aprazível.
A mensagem transmitida pela Ação Libertadora Nacional não ficou restrita aos ouvintes da rádio graças à atuação de Joaquim Câmara Ferreira, que entrou em contato com Hermínio Sacchetta, seu antigo companheiro de PCB (Partido Comunista Brasileiro). Apesar das divergências políticas e caminhos diferentes trilhados por ambos após a saída do partidão, Sacchetta prontamente se colocou à disposição para colaborar na ação. Como diretor de redação do Diário da Noite, já com o manifesto que seria transmitido em mãos, o militante pediu à repórter que acompanhava o noticiário das rádios para ficar atenta à Rádio Nacional. Mostrou surpresa ao ser avisado da mensagem inusitada transmitida na frequência da emissora e publicou na íntegra o texto de Marighella.
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O jornal foi apreendido das bancas, mas a maioria dos exemplares já havia sido vendida. Nem o título em tom crítico (”terroristas”…), para disfarçar, conseguiu livrar Sacchetta de duas semanas de prisão, da demissão do ”Diário da Noite” e de cinco anos sem emprego, barrado em todos os veículos de imprensa. Apesar das consequências, o jornalista, que discordava da guerrilha como instrumento de luta contra o regime, jamais se arrependeu da ajuda que deu à ALN.
Destino mais cruel teve o jovem José Carlos Lessa Sabbag: acabou sendo morto dezoito dias depois pela repressão, enquanto tentava comprar um gravador com cheques roubados para dar continuidade às ações de comunicação da ALN.
A invasão da Rádio Nacional é descrita em detalhes no livro “Marighella: O Guerrilheiro que Incendiou o Mundo”, de Mário Magalhães. Também serviu como inspiração para um belo clipe dos Racionais MCs, ”Mil faces de um homem leal”, dirigido Daniel Grinspum.