SLAM MANGUINHOS: Poesia favelada abrindo seus caminhos!

Nas favelas de Manguinhos, no Rio de Janeiro, a arte se respira em cada beco. São muitos e muitas artistas e produtores culturais que enfrentam com criatividade e responsa as violências do sistema racista e genocida que empobrece, criminaliza e mata os moradores das favelas e periferias no Brasil.

Entre estas iniciativas, em 2019, o Slam começa a integrar a Rede de SlamRJ oferecendo mensalmente um palco de encontro para abrir mentes e corações e trocar muitas ideias por meio das artes urbanas e a cultura de favela.

O que é o Slam Manguinhos?

O Slam vem acontecendo há 3 anos na favela de Manguinhos,  como um espaço para compartilhar poesias e produções de artistas e em apoio às lutas das favelas, das juventudes de periferias e das mulheres negras. Cada edição do Slam inclui a batalha de poesia e apresentações de artistas que admiramos e são nossas referências.

Slam Manguinhos #3. 23 Ago 2019 / Foto: Franciele Campos

Somos 5 mulheres (Franciele Campos, Sergiele Oliveira, Thais Nunes, Rayane Oliveira e Valentina Carranza) e (Magoo Campos)   e organizamos cada edição do Slam Manguinhos. Nossos eventos são autogestivos, abertos e gratuitos e se realizam mensalmente num local próximo à Estação de Trem , na Av. Leopoldo Bulhões, Cidade de Rio de Janeiro. Qualquer pessoa que goste da arte produzida nas favelas, que respeite às diversidades e seja antirracista.

O dia 4 de Outubro a partir das 19 horas acontecerá a Final do Slam . Quem sair vencedor/a representará nosso slam na Final Estadual do SlamRJ. Os/as poetas que vão batalhar são: Sabrina Azevedo, Yan Pereira, O Deivison Bhusk, 2D, Xandy MC, Poeta Valentine e Nunes. Esperamos vocês!

“Nos encontros do Slam a gente pensa em outras formas de viver, para além da dor… encarar a luta de outras maneiras que superem aquilo que nos machuca”

Magoo Campos
Selo Dagba, organizador Slam

Nossa história

O primeiro Slam foi organizado em 2016 , em atividades do FAVELARTE e em apoio às lutas por ressignificação e re-ocupação dos espaços onde jovens moradores de foram assassinados pela militarização e a violência de Estado. Esta luta já tem longa data sendo as Mães de Manguinhos as protagonistas principais pela memória, verdade e justiça dos seus filhos assassinados pelo Estado genocida. Assim, o Slam Manguinhos surge como uma iniciativa de artistas engajados com as lutas das pessoas reais das favelas, como uma estratégia para enfrentar a dor pelo viés da arte e sua força transformadora.

Este relato de nosso Slam, é em homenagem a todos e todas as vítimas do Estado racista e genocida, como recentemente a Agatha Félix; como há  6 anos, nosso amigo e parceiro Paulo Roberto Pinho de Menezes que sua vida permanece em nossas histórias para sempre.

“A arte que a gente produz e a voz das mães vítimas falam da mesma coisa. É a mesma luta só que de diferentes formas. Porque existem muitas formas de falar da mesma coisa e os nossos símbolos, de dor e resistência, se re-significam constantemente, nos unindo na luta pela vida.”

Franciele Campos
Fotógrafa, diretora de arte, produtora cultural Slam Manguinhos e Coletivo Mulheres do Vento

Slam Manguinhos e Mães de Manguinhos. Maio 2019 / Foto: Rafael Daguerre

Os inícios do Slam Manguinhos também se relacionam às amizades e parcerias construídas nas ocupações secundaristas de 2016 nos Colégios Estaduais Clóvis Monteiro e Luiz Carlos da Vila, ambos localizados em Manguinhos. Foi nas ocupações que nos encontramos e com base nessa experiência fomos criando outros caminhos para nossa arte e trabalho cultural. Assim constituímos coletivos de artistas as Mulheres do Vento e o Selo Dagba. A aliança desses dois coletivos nos permitiu em 2019 integrar o Slam Manguinhos à rede SlamRJ.

“Todas as narrativas e expressões artísticas que estão em volta do Slam Manguinhos vêm de relações que não surgiram agora, são relações que estão sendo construídas há muito tempo.”

Franciele Campos

Muitos amigos e parceiros acompanham nossas ações e contribuem para que o Slam Manguinhos brilhe muito e seja reconhecido como uns dos slam mais importantes das favelas da cidade. Nosso agradecimento às Mães de Manguinhos, à artista graffiteira Gagi Silva, ao coletivo Pac’stão, e a todos e todas as poetas, artistas e aficionados que prestigiam e contribuem com cada iniciativa. Sem vocês o Slam Manguinhos não seria esse espaço que nos permite estar juntos e superar as diversas dimensões  do que é sobreviver em meio ao genocídio do estado por meio da arte e a construção de nossas próprias histórias. Como fala o rapper, dj, operador de som e produtor musical do Slam Manguinhos, fazer o slam vem sendo “a metade de nossas vidas”.

O trabalho de organizar um Slam na favela

Em cada edição, conseguimos sair das rotinas e encontrar amigos, trocar ideias e nos expressar a partir do que cada um se sente confortável, sabe e gosta fazer. Assim o Slam Manguinhos nos movimenta e tentamos que esse movimento seja contagiado e construído com nosso público, colegas e amizades. Mas organizar um slam não é uma coisa simples. Implica planejamento e muito trabalho em diversas áreas (comunicação, gerenciamento de mídias digitais, produção de eventos, registro audiovisual e fotográfico, som, design, relações públicas, administração, direção de arte, iluminação, dentre outras). Este trabalho qualificado, infelizmente, não retorna economicamente para nossos bolsos. Fazemos o slam por amor à arte, à cultura e às lutas das favelas. Sendo artistas experientes e formados em diversos saberes,e gostaríamos de poder viver de eventos, oficinas, produções e demais atividades culturais. Mas ainda é difícil ter ganhos econômicos que permitam o 100% de nossa dedicação para a produção artística.

Apesar dos empecilhos burocráticos e simbólicos que os artistas das favelas sofremos, não desistimos e continuamos em ação. Trabalhar de forma coletiva tem ajudado muito pois permitiu melhorar a organização dividindo as tarefas, que não são poucas. Agora fica mais leve, eficaz e prazeroso.  Aliás, o trabalho coletivo é próprio do povo de favela; não vem de agora… ele esteve sempre na nossa história e formas de resistência.

“Nosso público também é favelado e isso é muito legal porque toda e qualquer movimentação que é feita ao redor do Slam é feita a partir da mobilização coletiva… a partir do encontro e a troca de ideias com outros artistas e outras pessoas das favelas. E que a gente faz coisas coletivas desde sempre, está na nossa forma de entender a ação artística, cultural… tudo o que a gente faz, no final das contas é coletivo.”

Franciele Campos

A estética própria

Como orienta Magoo Campos, a arte “é a forma de expressar aquilo que se vive e se sente… não só coisas ruins mas também coisas boas e coisas mais ou menos”. No Slam Manguinhos tentamos a partir da junção de diversas expressões artísticas produzir algo maior, que possa ser vivido de forma única e irrepetível. Assim o Slam Manguinhos como um todo tem sua própria estética que se forma com as diferentes linguagens que encontram palco em cada edição (poesia, dança, rap, teatro, etc.). Inclusive, cuidamos da iluminação, do registro fotográfico e audiovisual, de nossas roupas e penteados, da arte dos cartazes, da música ambiente e de tudo aquilo que possa oferecer ao público uma experiência com os sentimentos e as vivências de Manguinhos.

Cartazes e Arte Slam Manguinhos 2019. Design Thais Nunes e Franciele Campos

Os registros (fotográficos e audiovisuais) e a estética geral do Slam Manguinhos está na arte produzida pelo coletivo Mulheres do Vento formado por uma equipe 100% feminina que articulam diversos saberes (fotografia, direção de arte, design, comunicação e iluminação) para criar representações únicas sobre os/as artistas e o público do Slam Manguinhos. Em cada registro se expressa a escolha política e estética de um grupo de mulheres de favela  e os seus olhares, seus registros para criar contra-representações. O foco está em construir uma visão positiva e bela sobre nossos corpos e lugares.

“A estética do Slam Manguinhos tem por objetivo representar as pessoas das favelas de maneira linda, bonita. Isto é uma escolha, um movimento político para re-significar aquele olhar que nos retrata constantemente como um lugar feio, um lugar violento… As imagens que a gente faz circular são outras… Somos mulheres de favela tecnicamente formadas no campo da imagem olhando para as pessoas do nosso redor e tentando contar suas histórias em imagens. É que agora temos uma arma muito poderosa: uma câmera na mão”.

Franciele Campos

Slam como encontro da cultura de Manguinhos para a troca de ideias

É uma grande honra que o Slam Manguinhos seja o palco dos diversos artistas das favelas cariocas e fluminenses, principalmente das favelas Manguinhos e das que ficam próximas (Jacarezinho, Maré, Complexo do Alemão). Os shows e apresentações que acontecem em cada edição do Slam Manguinhos são momentos muito importantes porque estamos com artistas, parecidos com a gente .. são nossas referências, admiração e inspiração. E assim construir nossas próprias referências na arte, na cultura e  em nossos próprios corpos é algo relativamente novo e fundamental para nossa força e resistência.

“Tem uma coisa que é nova para nós e que tem a ver com se transformar em referência para outros e outras artistas. Historicamente a gente sempre foi referência da violência, de tudo que era feio e de tudo que não era legal. Mas agora quando eu vejo uma garota chegar para a Rayane [Rayane Oliveira, Slam Master do Slam Manguinhos] e falar que o cabelo da Ray é referência para o cabelo da garota, isso é muito lindo, muito legal.”

Franciele Campos

A tropa do Coletivo Pac’stão. Slam Manguinhos #4. 23 Ago 2019 / Foto: Thais Nunes

A batalha de poesias, sendo a atração principal do slam, representa outro momento emblemático. As performances poéticas permitem não só o prazer gerado pela arte de qualidade, senão também refletir e trocar ideias entre artistas e o público que participa no slam.

Poetas e organizadoras da Edição Slam Manguinhos #4. 23 Ago 2019 / Foto: Franciele Campo

Como lembra Magoo Campos umas das melhores coisas do Slam Manguinhos é que ele se transforma em um ponto de encontro onde a gente pode trocar ideias entre poetas, grafiteiros, dançarinos, músicos, entre trabalhadores da produção cultural, da produção musical de rap. É uma oportunidade para a gente se encontrar e juntar o que já acontecia por toda a favela; agora temos esse local específico para a gente se encontrar”.

O Slam Manguinhos “É importante porque não só reúne poetas, senão também reúne grande parte da cultura jovem de Manguinhos”

Magoo Campos
Selo Dagba, organizador Slam Manguinhos

Slam como plataforma para a arte de favela

Como artistas de favela sabemos que nosso trabalho está em constante crescimento e transformação. O desafio atual consiste em conseguir enfrentar as barreiras colocadas pelo mercado e a sociedade para que a arte de favela seja valorizada e se torne uma fonte de vida material e simbólica para os próprios artistas e suas comunidades. Para isso, é necessário que o investimento em qualificação e equipamentos seja voltado para os próprios produtores e circuitos artístico-culturais das favelas. De fato, a criatividade e o trabalho cultural dos artistas de favela já está em pleno desenvolvimento e para atingir novas metas também precisa combater preconceitos, violências e silenciamentos exercidos pela sociedade e principalmente pelo Estado.

Sabrina Azevedo e MC Martina . Slam Manguinhos #5. 14 Set 2019 / Filmagem Franciele Campos
Cantora Maya Alves, Brenda Lima e Império Serrano e Helen Nzinga Slam Manguinhos #3. 25 Jul 2019 / Fotos: Franciele Campos, Thais Nunes, Sergiele Oliveira
O Preconceito, Deivison. Slam Manguinhos #1. 24 Jun 2019 / Produção Marte Filmes
Bhusk, Celeste Estrela e 4k. Artistas de Manguinhos. Fotos: Franciele Campos, Thais Nunes, Sergiele Oliveira

Autonomia, liberdade e recursos para que a arte de favela continue crescendo e ressignificando a história! Slam Manguinhos representa um movimento que envolve a vida!

Janina Félix e Noah no Slam Manguinhos #5. 14 set 2019 / Foto: Franciele Campos

A cena Slam no Brasil

Nos últimos anos os slams de poesias (poetry slams) tem se multiplicado por todo o Brasil. Da praia à floresta, de norte a sul, diferentes coletivos, principalmente de jovens, se organizam para criar cenas – públicas e gratuitas – onde poetas, em 3 minutos, apresentam seus versos autorais em formato de competição. Nesses encontros, os/as slammers “batalham” e compartilham sua arte; vozes e corpos em movimento. “Passam a visão” recriando suas realidades a partir da ação poética. Quem define quem são “os/as ganhadores/as” de cada slam é um grupo de 5 jurados/as escolhidos/as entre o público presente que avalia as poesias e as performances apresentadas. Quem dirige os tempos e a dinâmica de cada encontro são os/as slams masters, verdadeiros/as mestres das cerimônias poéticas. Os/as slams masters geralmente compõem os coletivos organizadores de slams, formados por artistas e produtores culturais do universo das artes urbanas e a poesia. Eles/as entendem que a arte só é possível no seu engajamento político, como meio e linguagem para denunciar desigualdades e violências, combater injustiças, ressignificar identidades e ir construindo outros horizontes de futuro. Neste sentido, organizar slams é uma prática ativista que articula política, arte e cultura a partir de ações concretas e engajadas em diferentes espaços urbanos e comunitários.

No Rio de Janeiro, a Rede de Slam RJ está formada por 19 slams que ocupam diferentes lugares tanto da cidade capital como de outras localidades. Cada slam da rede, deve organizar 5 encontros mais uma final da qual sai o representante para a final estadual. Esta fase de classificação logo se articula com a final nacional que reúne os ganhadores das edições estaduais para competirem pela vaga do Brasil no encontro Internacional Grand Poetry Slam organizado anualmente em París, França. Importante lembrar que existem outros slams que atuam por fora dos circuitos de competição, recriando espaços de encontros artísticos em diversos locais do país. No Estado do se estima que atualmente são aproximadamente 30 os slams em atividade.

Poetas Rejane Barcelos e MotoTai com o produtor Magoo Campos. Maio 2019 / Foto: Franciele Campos

Artistas, pessoas e coletivos que nos acompanharam em 2019

Foto: arquivo Slam

[column size=one_third position=first ]Mães de Manguinhos
Coletivo Pac’stão
Poeta Rejane Barcelos
Os Imperadores da Dança
Marte Filmes
Transforma Manguinhos
Favela Cineclube
4k
Jhonas Magalhães
Leonício MC[/column]

[column size=one_third position=first ]Cantora Maya Alves e banda
Bia Virgínia e Companhia Usina
Teatral
Helen Nzinga
Mano Teko
Brenda Lima e Império Serrano
Ldolla
2D
Uns Neguin que nao C kala
Canastra Suja[/column]

[column size=one_third position=first ]Amapoa argolas personalizadas
Poeta Celeste Estrela
Artista Graffiteira Gagui Silva
Seu Bezerra
Ana Paula Bonatto
Tia Sandra
Marina
Valéria Carvalho
Jéssica Castro[/column]

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