Brumadinho: não foi acidente!

Foto: Isis Medeiros

A barragem Mina do Feijão, administrada pela mineradora Vale, rompeu no início da tarde desta sexta-feira (25/1), em Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte, cobrindo o município de lama tóxica e contaminando o Rio Paraopeba com rejeitos de minério. O já deixou pelo menos 34 mortos e estima-se em cerca de 300 os desaparecidos. Números que poderiam ser menores se a sirene de emergência tivesse sido acionada no momento da enxurrada, alertando trabalhadores e moradores do risco que corriam.

É o segundo em pouco mais de três anos a ter como cenário e a Vale como responsável – em novembro de 2015, o rompimento de outra barragem da empresa em Mariana fez 19 mortos, além de causar um incalculável prejuízo para a região e seus habitantes.

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) sobrevoou neste sábado (26/1) a região afetada, segundo ele próprio, para avaliar a situação e “tomar as medidas cabíveis para minorar o sofrimento de possíveis vitimas, bem como a questão ambiental”. Ironicamente, o caso acontece pouco tempo depois de ter tentado vender o Brasil como “o país que mais preserva o meio ambiente no mundo” em seu discurso no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça.

“Nossa missão agora é avançar na compatibilização entre a preservação do meio ambiente e da biodiversidade com o necessário desenvolvimento econômico, lembrando que são interdependentes e indissociáveis”, afirmou na ocasião. Pura propaganda enganosa. Quem acompanha a trajetória do político de extrema direita conhece o desdém com que sempre tratou o assunto, tendo chegado, inclusive, a defender a extinção do Ministério do Meio Ambiente. Cumprindo compromisso eleitoral assumido com a bancada ruralista, seu governo tem se mostrado favorável à flexibilização do licenciamento ambiental e à ampliação da privatização dos recursos naturais.

A aldeia indígena Naô Xohã, que fica em São Joaquim de Bicas (MG), foi uma das comunidades impactadas pelo rompimento da Mina do Feijão. As 25 famílias tiveram de ser evacuadas, indo para uma parte mais alta do município. A liderança Eni Carajá acompanha com preocupação o desenrolar dos recentes acontecimentos: “Nossa aldeia fica na margem do rio. Tiramos nossa subsistência dele” explica.

Há anos, ambientalistas e líderes comunitários da região já denunciam os problemas da barragem, construída com a técnica mais barata e considerada a menos segura, segundo os especialistas.

“Se a lei proibisse a construção de barragens à montante (feita com os próprios rejeitos) acima de comunidades humanas, como fazem muitos países, teríamos menos desastres”, afirma Guilherme Meneghin, promotor responsável pelo caso do crime de Mariana.

A catástrofe tem uma relação direta com o aceleramento do processo de licenças ambientais em Minas – um movimento puxado pela alta dos preços dos minérios em 2018. Na ânsia de aumentar o lucro, várias empresas do ramo – entre elas, a Vale – passaram a pressionar o governo estadual, no apagar das luzes da gestão do petista Fernando Pimentel, para obter rapidamente as autorizações necessárias para expandir suas atividades.

Foto: Isis Medeiros

Em 11 de dezembro de 2018, o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), órgão ligado ao governo mineiro, aprovou a ampliação de duas minas, em e Sarzedo, a despeito da resistência dos movimentos sociais. “Não importa o que a gente traga de elementos e provas de que os processos não estão devidamente instruídos, que há informações inverídicas. Eles votam e aprovam”, relatou a ambientalista Maria Tereza Viana, integrante do conselho.

Os pedidos são aprovados a toque de caixa. Para Brumadinho, a Vale conseguiu ampliar as operações da Mina do Córrego do Feijão, uma lavra a céu aberto de minério de ferro. Em uma mesma reunião, foram concedidas as Licenças Prévia, de Instalação e de Operação.

Para Thiago Alves, do Movimento de Atingidos Pelas Barragens (MAB):

“A impunidade do crime de Mariana permitiu mais uma tragédia anunciada” . “A forma com que as empresas atuam, especialmente a Vale, no contexto do crime de Mariana, e como a brasileira atua do lado das empresas, cria espaços e oportunidades para mais uma tragédia” avalia.

Três anos depois do desastre de Mariana, ninguém foi preso. A ação criminal, envolvendo executivos da Samarco (controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton), tramita na Vara Federal de Ponte Nova, ainda sem data para julgamento. Das 68 multas aplicadas por órgãos ambientais, apenas uma está sendo paga (em 59 parcelas).

O impacto ambiental permanece, com a contaminação do Rio Doce. Amostras coletadas da água comprovaram a presença de metais pesados, como chumbo, alumínio e mercúrio, afetando não só a vida local mas toda organização do ecossistema, podendo ter gerado consequências muito maiores à população, como o recente surto de febre amarela no país, conforme apontaram diversos biólogos.

Foto: Isis Medeiros

Calcula-se que 11 milhões de peixes tenham sido envenenados, comprometendo diretamente as condições de sobrevivência de uma série de comunidades ribeirinhas, quilombolas e indígenas. Apesar de não terem recebido qualquer indenização, algumas delas ainda passaram a sofrer multas do Ibama, por continuarem a praticar a pesca artesanal em locais que passaram a ser interditados. Um estudo realizado pela Universidade Federal de em abril de 2018 indicou que mais de 80% das crianças, adolescentes e jovens que presenciaram o desastre estão com sinais de transtorno de estresse pós-traumático. Nos adultos, 12% dos atingidos tiveram esse diagnóstico. O risco de suicídio também aumentou, chegando a 16,4% (mais do que o dobro da média nacional).

Maior mineradora do mundo em 1997, ano em que foi privatizada pelo governo FHC, a Vale ocupa atualmente a quarta posição dentre as indústrias do setor. Em 2017, distribuiu aos seus acionistas R$ 17, 627 bilhões em dividendos. A empresa também tem se mostrado bastante “generosa” com políticos que defendem os seus interesses. Um levantamento feito pela entidade Transparência Brasil a aponta como a terceira maior financiadora das campanhas no país em 2014, atrás apenas das empreiteiras JBS e Odebrecht. Naquele ano, a Vale fez um aporte de R$ 46,5 milhões para comitês, partidos e candidatos.

O que tudo isso mostra é que Mariana e não são acidentes. Esses crimes são produto da privatização do meio ambiente e da ausência de fiscalização da atividade mineradora, políticas patrocinadas pela Vale e sustentadas tanto pelo atual governo quanto por aqueles que o antecederam.

A irracionalidade do capitalismo, que explora povos e terra ao seu bel-prazer em nome de lucros bilionários, segue custando milhares de vidas. Um preço que é cobrado sempre apenas dos de baixo.

 

 

 

Mídia1508

A 1508 é um coletivo de jornalismo independente anticapitalista, dedicado a expor as injustiças sociais brasileiras e a noticiar as mobilizações populares no Brasil e no mundo.

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