Cacique Wajãpi teve olhos perfurados e genital decepado

Segundo os relatos, o ancião foi esfaqueado, teve os olhos perfurados e o genital decepado. “Mataram e jogaram no rio. Eles assassinaram covardemente nossa liderança Wajãpi na aldeia Mariry”, relata o líder comunitário Jawarawa Waiãpi.

Emyra Wajãpi / Foto: Reprodução

Indígenas Wajãpi estão assustados com a brutalidade que cercou o assassinato de um dos caciques de sua reserva, que fica no oeste do Amapá. Emyra Wajãpi, de cerca de 69 anos, foi encontrado morto no último dia 23. Segundo os relatos, o ancião foi esfaqueado, teve os olhos perfurados e o genital decepado. “Mataram e jogaram no rio. Eles assassinaram covardemente nossa liderança Wajãpi na aldeia Mariry”, relata o líder comunitário Jawarawa Waiãpi.

“No corpo dele estavam aparecendo muitas perfurações de faca. Perfuraram a cabeça e a barriga dele. E também furaram os olhos e amarraram o pescoço antes de jogar no rio. Por isso que a família pensava que ele caiu e se afogou. Mas quem descobriu as perfurações foi o filho dele.”

De acordo com uma nota pelo divulgada pelo Conselho das Aldeias Wajãpi, não houve testemunhas, mas parentes examinaram o local e “encontraram rastros e outros sinais de que a morte teria sido causada por pessoas não indígenas”. O mesmo documento destaca ainda que um grupo de homens armados entrou poucos dias depois na aldeia Yvytotõ, ocupou uma casa e ameaçou os moradores, que fugiram para uma aldeia vizinha.

As denúncias, no entanto, têm sido abafadas pelas autoridades brasileiras. Agentes da Polícia Federal que foram à região alegam não ter encontrado nenhum vestígio de invasores. Segundo os Wajãpi, os policiais federais ignoraram indícios de pegadas e de uma trilha aberta na mata. Também não foram utilizados drones para colher imagens aéreas.

Ao comentar a morte, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) chegou até mesmo a insinuar que não teria havido o homicídio: “Não tem nenhum indício forte que esse índio foi assassinado lá. Chegaram várias possibilidades, a PF está lá, quem nós pudermos mandar nós já mandamos.”, afirmou, ao deixar o Palácio da Alvorada na manhã da último dia 29.

Além de colocar em dúvida o assassinato, Bolsonaro também reiterou que sua intenção é regulamentar o garimpo e autorizar a exploração de minérios dentro de reservas indígenas:

“É intenção minha regulamentar garimpo, legalizar o garimpo. Inclusive para índio, que tem que ter o direito de explorar o garimpo na sua propriedade. Terra indígena é como se fosse propriedade dele. Lógico, ONGs de outros países não querem, querem que o índio continue preso num zoológico animal, como se fosse um ser humano pré-histórico”, disse o líder de extrema direita, ignorando que a mineração, em caráter artesanal, já é permitida por lei aos Wajãpi, que se opõem à presença de mineradoras em suas terras.

Contradizendo-se em sua retórica nacionalista, o presidente voltou a defender seu plano de franquear a exploração da Amazônia ao capital estrangeiro: “Estou procurando o primeiro mundo para explorar essas áreas em parceria e agregando valor. Por isso, a minha aproximação com os Estados Unidos”.

Apesar do caráter excepcional na sua cultura, os familiares de Emyra concordaram com a exumação, para ajudar nas investigações. O procedimento foi realizado no início de tarde desta sexta-feira (2) e, na sequência, os médicos legistas fizera a necropsia dentro da própria aldeia indígena – procedimento concluído em torno das 18h. Em razão do estado de deterioração do corpo, os peritos optaram por realizar o exame no local e cancelaram a transferência para o Instituto Médico Legal de Macapá, como chegou a ser cogitado inicialmente. O corpo já foi enterrado. O resultado dos exames ainda não foi divulgado pelos especialistas.

Jawarawa Waiãpi criticou falta de empenho em investigação da morte / Foto: Reprodução

História de resistência

Descendentes dos Guaiapi, os Wajãpi saíram do baixo rio Xingu, no norte do Pará, no século 18 rumo ao território hoje ocupado pelo e pela Guiana Francesa, ao qual chegaram após uma épica travessia do rio Amazonas.

O primeiro contato com a Fundação Nacional do Índio (Funai) foi em 1973, quando a rodovia Perimetral Norte BR-210 começou a ser construída. A estrada facilitou a chegada de caçadores, garimpeiros e, mais recentemente, empresas de mineração, que demonstraram interesse em explorar na região jazidas de ouro, cassiterita, manganês e tântalo.

A aproximação dos não indígenas quase provocou a extinção da etnia. “Prometiam trazer mercadorias e conseguiram apoio dos índios, que os abasteciam com caça, lenha e alimentos. Na verdade, depois de cerca de um ano de convivência conturbada, fugiram e deixaram a população de cinco aldeias da região infectadas com sarampo”, explica a antropóloga da Universidade de São Paulo (USP) Dominique Gallois.

Segundo Gallois, mais de 80 adultos e crianças morreram, “abandonados pelos que se diziam seus amigos”. No ano seguinte à chegada da Funai, eram apenas sete dezenas deles, conforme relatou um ex-chefe do posto local da Fundação ao Jornal do em 1993.

Pouco a pouco, os Wajãpi encontraram estratégias para se defender e logo que sabiam da presença de invasores, os procuravam, amarravam e levavam à Funai para que fossem entregues à Polícia Federal.

Indígenas Wajãpi / Foto: Fiona Watson/Survival International

Em 1994, eles criaram o Conselho das Aldeias Wajãpi para reivindicar direitos e passaram a denunciar de forma mais organizada e sistemática as sucessivas tentativas de ingresso. Em 1996, veio a homologação pelo Estado brasileiro do seu território, que se estende por 607 mil hectares, entre os municípios amapaenses de Pedra Branca do Amapari e Laranjal do Jari.

Hoje, no Brasil, existem aproximadamente 900 indígenas desse povo, vivendo em 49 aldeias. Na Guiana Francesa, no alto rio Oiapoque, vivem outros 1.100. O próprio nome do rio que marca o limite do litoral norte brasileiro deriva de “oiap-oca”, “casa dos guerreiros” no idioma Wajãpi.

Sobrevivem da caça e da agricultura e tentam defender sua terra como podem – com arcos, flechas, lanças e até armas de fogo, estas registradas e autorizadas pela PF, que em 2018 supervisionou junto com o Ministério Público Federal, testes de tiro, avaliação psicológica e comportamental para os indígenas detentores de porte.

De acordo com Gallois, os recentes ataques tem revivido traumas do passado para os Wajãpi, que já não passavam por situações assim desde a década de 90:

“Ninguém esperava que, tantos anos depois, surgisse novamente o pesadelo das invasões de garimpeiros. Voltou à tona o medo das violências e da contaminação por doenças”, afirma.

Mídia1508

A 1508 é um coletivo de jornalismo independente anticapitalista, dedicado a expor as injustiças sociais brasileiras e a noticiar as mobilizações populares no Brasil e no mundo.

Deixe seu comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado.

Últimas Notícias