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Villarruel, o espectro de Milei

Respaldada por militares do país, vice corre pelas bordas no governo de terra arrasada argentino.

Por André Queiroz

O governo ultrarreacionário de Javier Milei e Victoria segue sua tarefa de demolição em todos os setores da economia argentina.

Sua tática poderia ser descrita como uma espécie de Blietzkrieg burocrático-midiática. Por um lado, há a deflagração de ataques cotidianos, contínuos, sob a canetada ultrarrápida de decretos de alcova e protocolos hiper-repressivos. Ao mesmo tempo, são engatilhadas uma série de intervenções que ganham amplo respaldo no oligopólio de comunicação do país, a despeito da franja de ilegalidade e inconstitucionalidade que carregam.

O que se pretende com isso: provocar níveis cada vez mais profundos de exaustão nos setores organizados e mobilizados do campo nacional-popular. Como se fosse conformando uma espécie de sufocamento e paralisia, seguida de medo e niilismo.

Em minha estadia de seis meses nesta Argentina convulsa, me tem sido imensamente comum rastrear tais efeitos somáticos em companheiros com longa militância nos mais variados agrupamentos. Muitos são os que me solicitam relatos acerca do que passamos quando da devastação bolsonarista. Entretanto, minha fala lhes apavora. Sobretudo, quando postulo incompatibilidades entre ambas experiências ( e Milei), em que pesem as semelhanças de superfície. Explico:

durante quase trinta anos desempenhou a função de “sindicalista” dos interesses da caserna nas hostes parlamentares. Era o tipo que os representava, a sua voz (des)fardada. Simultaneamente, agenciava um paramilitarismo que se expandia sob o trinômio de segurança pública/empresas privadas/marginalidade social e a onipresença do tema nas bandas da imprensa corporativa.

Javier Milei é recentíssimo. Espécie de títere sem materialidade concreta, sem a larga inscrição setorial a que atendia a Bolsonaro. Digamos que o tipo acumulou inumeráveis horas de estúdio televisivo. Boa parte dos que votaram nele foram imantados pelo burlesco de seu personagem.

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Outro ponto de diferença: a ubiquidade das igrejas neopentecostais, assenhorando-se das demandas as mais básicas e concretas das massas precarizadas nas periferias das grandes cidades. A falência da “social-democracia” de meia pataca dos governos petistas (a despeito do seu fortíssimo investimento publicitário nos seus programas de desenvolvimento e ações assistenciais), tudo isto atravessado pela desestabilização destas gestões por guinadas nos interesses imperialistas e seus sócios locais, pavimentou o terreno para o avanço do projeto de domesticação e subjetivação minuciosamente construído pelas corporações neoevangélicas.

Na Argentina de Milei/ não há tal correlato. Os neopentecostais ainda são residuais. Os rebatimentos públicos das chamadas pautas de costumes também não são parelhos com os que vivemos no Brasil. Não que a ressignificação woke das lutas por emancipação das minorias – que se tornou arco principal de certo progressismo brasileiro – não encontre eco por aqui. No entanto, ainda não se mostra imensamente distanciada das lutas sociais que se pautam nos direitos fundamentais, tais como o trabalho, a saúde, a moradia, a educação e a alimentação.

e o bolsonarismo nadaram em águas plácidas, explorando uma contradição crassa que se aprofundava em medida diretamente proporcional a que avançavam os sintomas do individualismo pequeno burguês como consequência principal da cooptação da pelo social liberalismo.

Em síntese: soube construir uma base que falta a Milei. E, em certo sentido, tal diferença exige distintas medidas táticas.

Diria que o trabalho de aposta a uma larga duração. O bolsonarismo é viva expressão deste trabalho.

Milei não será o condutor de qualquer milei(nismo). Palavra até difícil de ser pronunciada.

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Todavia, se lhe opera às costas, a mão tecnocrática de Maurício Macri por um lado. E por outro, a perspicácia de Victoria Villarruel – essa sim, a que promove continuamente, e há tempos, espécie de religare dos militares argentinos – figuras recorrentes na história política local durante a maior parte do século XX.

Defenestrados do espaço público nos últimos quarenta anos, estes atores estão sendo reinseridos na contratualidade burguesa por meio do aparato jurídico, ao mesmo tempo em que são contemplados com maiores investimentos para a modernização do seu arsenal. Tudo com a pronta (re) legitimação da imprensa patronal.

Sabemos a que servem as Forças Armadas latino-americanas quando se trata de aprofundar a pilhagem das riquezas nacionais de nosso continente. E outra vez, operam distintos os casos de Argentina e Brasil.

No caso brasileiro, o dever de casa nunca feito com relação aos genocidas era campo fértil ao avanço de um fenômeno de massas como o bolsonarismo. O espetáculo odioso (mas mobilizado e organizado) das vigílias a frente dos quartéis, e da ocupação das ruas por hordas violentíssimas de seu séquito afugentou com incrível facilidade a de corte liberal. Como se a festa lhes fosse tomada em assalto de hora a outra, com o assédio institucional e parainstitucional do Estado aparelhado.

Já na Argentina, as ruas continuam sob a ocupação da esquerda. E o contraponto disso é o avanço da violência institucional, por ora, sob a alçada de Patrícia Bullrich, em conluio com os Macris. Até quando não se sabe.

Enquanto isso, corre pelas beiradas. E não tanto assim pelas beiradas. Há pouco, interrogada pelo Financial Times se ela se sentia preparada para a eventualidade de uma queda de Javier Milei, ela respondeu sem hesitação: “Sim, senhor, estou pronta!”.

Parecia bater continência a um superior como quando se está às bordas de um teatro de operações (de saqueio e terra arrasada).

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André Queiroz é cineasta e ensaísta.
Professor Titular no GEC-IACS-UFF.

Mídia1508

A 1508 é um coletivo de jornalismo independente anticapitalista, dedicado a expor as injustiças sociais brasileiras e a noticiar as mobilizações populares no Brasil e no mundo.

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