Maior chacina da história

Com pelo menos 132 mortos, chacina cometida pela polícia do Rio supera letalidade de Massacre do Carandiru, em 1992.

Corpos encontrados por moradores e colocados na praça São Lucas, na Penha, em 29.10.2025 — Foto: Reprodução

Nesta quarta-feira (29), um dia após a maior chacina policial da história do Rio de Janeiro protagonizada pelo governo Cláudio Castro (PL), moradores da Penha, na Zona Norte da cidade, levaram mais 64 corpos para a Praça São Lucas, uma das principais da região. Com isso, sobe para pelo menos 132 o número de pessoas mortas pela polícia.

A marca supera a do emblemático Massacre do Carandiru, de 1992, quando a polícia militar de São Paulo assassinou 111 presos, segundo os números oficiais.

Os cadáveres foram encontrados com sinais de tortura e execução, como mãos amarradas, facadas e tiro na boca. Alguns estavam com o rosto desfigurado e um foi decapitado.

São 132 mortes sem qualquer informação ou perícia. Corpos sem nome, condenados de antemão como “criminosos” pelo Estado e pela imprensa e executadas e, por isso, não merecedoras nem mesmo dos direitos mais básicos.

Raull Santiago, ativista pelos direitos humanos e morador do Alemão, ajudou a retirar os corpos da mata. “Em 36 anos de favela, passando por várias operações e chacinas, eu nunca vi nada parecido com o que estou vendo hoje. É algo novo. Brutal e violento num nível desconhecido”, disse o ativista.

Moradores disseram que o objetivo de recuperar os corpos e levá-los até a praça era facilitar o reconhecimento por parentes. Confirmaram que deixaram as vítimas sem camisa para facilitar o reconhecimento, a fim de deixar visível tatuagens, cicatrizes e marcas de nascença.

Imagem de drone mostra os corpos levados por moradores para a Praça São Lucas, na Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro, no dia 29 de outubro de 2025 — Foto: Ricardo Moraes/Reuters

‘Megaoperação’

A população pobre do Rio de Janeiro viveu um dos dias mais violentos de sua história recente com a megaoperação policial que mobilizou 2.500 agentes, 32 blindados terrestres, 2 helicópteros, 12 veículos de demolição e Drones. Todo esse aparato militar contou com o apoio do MPRJ para “conter as ações do grupo armado Comando Vermelho (CV)” no estado nas regiões da Penha e do Alemão, na zona norte da cidade. O número de mortos oficiais até ontem, dia 28, era de 64 pessoas, mas na manhã desta quarta-feira (29), moradores da Penha contabilizaram mais 72 corpos em uma área de mata no alto do morro.

Os 72 corpos foram carregados pelos próprios moradores.

Analistas são unânimes em afirmar que a operação é uma chacina e evidencia a limitação do estado em lidar com a segurança pública, atuando em operações ostensivas ineficazes. Em entrevista ao jornal Brasil de Fato, a diretora-executiva da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial (IDMJ Racial), Giselle Florentino, fala sobre o impacto das operações nas favelas, a violência da polícia civil e de sua inexpressiva resolução de crimes.

“[…] A política do Estado do Cláudio Castro é muito mais escancarada e fortalece muito a polícia civil. São operações que mobilizam um enorme contingente de policiais, de armamento, de alta tecnologia. E ainda existe um mito de que a polícia civil seja uma polícia de inteligência, uma polícia investigativa e uma polícia que faz grandes prisões. A gente não consegue abrir grandes inquéritos ou investigação, pelo contrário. Hoje, no Rio de Janeiro, apenas 4% dos crimes são elucidados pela polícia civil. Ela tem um orçamento menor do que a polícia militar, mas hoje ela é muito mais ostensiva e letal do que apenas o patrulhamento cotidiano”, explica.

Florentino aponta a falta de controle sobre a atividade policial e a escolha política de massacrar favelas e periferias. “A gente precisa pensar numa política de segurança pública que possa elucidar casos, que possa investigar crimes, que possa enfrentar o debate de circulação, distribuição de drogas e de armas, e principalmente enfrentar o que é a expansão das milícias no Rio de Janeiro hoje. Esse massacre e essas operações cada vez mais letais são de responsabilidade do Estado. É uma opção política desse Estado em massacrar a favela e periferia e achar que fazer policiamento é fazer policiamento ostensivo e criar rios de sangue nas favelas.”

Os números da fracassada “megaoperação”

Entre tantos números hediondos e por vezes desencontrados, o que se sabe é o seguinte: nenhum dos mortos estava entre os 100 nomes que tinham contra si mandados de prisão que justificaram a ação. Nenhum. Quanto aos presos, 113, apenas 20 deles tinham os mandados que deram origem à operação. Metade dos mortos tinha ao menos um mandado de prisão e 54 homens que morreram não tinham sequer um mandado de prisão. De prisão, não de execução.

A polícia do Rio admitiu que 17 de suas vítimas fatais não tinham nenhum histórico criminal, mas usou dados de redes sociais para estabelecer vínculos entre algumas dessas vítimas e o Comando Vermelho. Num dos casos, de Thiago Neves Reis, uma bandeira vermelha triangular em forma de emoji foi apontada como indício de pertencer à facção. O rapaz de 26 anos não tinha mandado de prisão, não era investigado e não possuía antecedentes criminais. Em outro caso de Kauã de Souza Rodrigues da Silva, de 18 anos, a polícia disse que suas redes sociais não exibiam postagens desde 2022, o que indicaria eliminação de possíveis provas de participação no tráfico. Ele também não tinha antecedentes criminais.


Atualizado dia 10.11.2025

Mídia1508

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