Eu vejo um museu de grandes novidades – ecologia social anticapitalista é o único caminho

Uma mudança radical é urgente e ela perpassa, necessariamente, por um retorno às ecologias ancestrais.

Por Hannah Cavalcanti

Em uma madrugada de 2017 eu tive um sonho estranho: estava em uma casa muito simples, de bambu e palha tipo palafita no meio de uma mata fechada. Cheguei em uma das saídas da casa, e por entre a mata vinha um exército marchando em nossa direção. Corri para o outro lado, e outro exército vinha marchando imponente, cego, como se fossem robôs. Me aterrorizei e em alguns segundos os tiros começaram, uma criança indígena morreu em meus braços. Seu semblante era muito nítido, ensanguentada. Acordei assustada pensando ter sido o sonho uma conexão com alguma situação do passado que eu já havia vivido, em outras vidas.

Mal sabia eu que ele me anunciava um futuro próximo.

Naquele momento, não passava pela minha cabeça um retorno dos militares ao poder executivo. era visto como um extremista caricato, incômodo e talvez algo perigoso, mas nunca como um possível presidente da república. Sim, a república que começou com os militares. A república racista, sexista, genocida instalada no há alguns séculos que ao que parece, está longe de ser superada.

Essa república é defendida com unhas e dentes por direitas e esquerdas…

A brutalidade sempre foi cotidiana nessa república. A se “universalizou” muito recentemente – e uma quantidade expressiva da população não chega a finalizar o ensino médio, e quando finaliza, vai direto para subempregos. Isso não explica tudo, mas indica muita coisa.

Chegando ao ponto principal da história, há algumas décadas os grandes líderes capitalistas sabem que estamos nos conduzindo a uma autodestruição iminente. Bem, a espécie humana é apenas uma dentre as milhares que já habitaram o planeta e foram extintas por motivos diversos. Por autodestruição, eu creio que seja a única. Fato é que muita gente está disposta a contribuir para que a história da humanidade tome um outro curso, mas muita gente também está empenhada no contrário, e de fato, nessa guerra não haverá vencidos ou vencedores.

Porém é claro que os mais pobres sofrerão mais até o fim, milhões morrerão sem saber nem porquê. Os filmes de ficção científica estão próximos, tão próximos quanto a possibilidade de agir e transformar a realidade. Nós queremos nos esforçar por isso? Ou vamos apenas nos desesperar quando a onda chegar cada vez mais perto?

Uma mudança radical é urgente e ela perpassa, necessariamente, por um retorno às ecologias ancestrais. Novas tecnologias nascem todos os dias a partir desses saberes milenares que felizmente, carregamos em nossas memórias. As cosmovisões dos povos originários estão nos conduzindo a essa reconstrução planetária.

No Rio de Janeiro e em tantas outros lugares, nós vemos o avanço do ambiental. Aqueles que construíram essa civilização inviável, esse sistema político econômico predatório, cada vez mais privatizam o acesso à água de qualidade, à natureza enfim. Resorts, condomínios, áreas privativas, projetos de prédios com vista para a Baía de Guanabara podre e insalubre.

Como bem disse Daniel Munduruku, os povos indígenas – e eu acrescentaria quilombolas – são os únicos “comunistas” de verdade. Eles seguem nos trazendo o exemplo primordial dos povos originários, as sabedorias profundas de quem viveu no mundo milênios em harmonia com os outros seres vivos em contraste com quem conseguiu ameaçar a existência humana em alguns séculos.  É claro que parte desse processo não é reversível – não se trata de defender um retorno idealista ao mundo pré-colonização; mas de defender sim, mudanças radicais que perpassam do micro ao macro.

O título desse texto é quase mentiroso – a ecologia social anticapitalista não é o único caminho possível – é apenas o único caminho que impedirá a extinção precoce da espécie humana. Milhares de pessoas em todo o mundo estão atendendo a esse chamado – e a forma de começar é muito mais simples do que imaginamos. Mas quanto mais adentramos, mais complexo vai ficando, mais sacrifícios nos são exigidos por esse objetivo – por isso o autocuidado e o apoio mútuo tem sido tão falados – já que o inimigo utiliza de violências diversas, inclusive emocionais.

É preciso mais do que vontade e convicção, é necessário um misto de ousadia com humildade e muita sabedoria.

Mas todo movimento contra o atual sistema cedo ou tarde se conecta à grande teia da vida que luta pela verdadeira igualdade. Comece pela sua casa, estenda-se à sua rua e ao seu bairro.  A potência é maior que imagina, porque as forças da natureza estão sempre dispostas a corresponder.  

Mas não se iluda: isso não será suficiente. A luta contra o exigirá mais, o enfrentamento direto contra as grandes corporações, as mega empresas transnacionais, e para isso cada vida militante importa. Isso só será possível em coletividade, e entendendo a necessidade de nos prepararmos no mínimo para uma autodefesa. No momento, para continuar travando essa batalha, temos que nos desvencilhar ao máximo da dependência em que eles nos colocaram: buscar um mínimo de soberania alimentar e energética. Uma nova geração consciente e cada vez mais empoderada deve ser gestada, para quem sabe, de nossas sementes, parir um novo mundo.

Recentemente o movimento Zapatista do México, um dos grandes exemplos de e autogoverno do mundo fez um chamado internacional: chegou a hora de uma grande integração entre os povos anticapitalistas pois o sistema ameaça nosso presente e futuro. Como sempre mas mais do que nunca, nossa vida está em jogo.

Hannah Cavalcanti

Professora de história e escritora. Colunista da Mídia1508.

2 Comentários

  1. Excelente o texto. Vai na mesma direção do ‘Bem Viver’ de origem kíchwa. Um desafio multitudinário a esse sistema com exploração e desigualdades seculares que nos conduz ao suicídio coletivo, fundado nas falsas promessas do capital. Parabéns pela publicação. Um alento ao mesmo tempo, um desafio.

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