“Acabou o amor, isso aqui vai virar Palmares”

Aos gritos de "acabou o amor, isso aqui vai virar Palmares" e "o Carrefour é assassino", manifestantes incendiaram uma barricada.

Foto: Diego Vara/Reuters

Centenas de pessoas participaram nesta segunda-feira (23/11), em Porto Alegre, de um novo por conta do brutal assassinato de João Alberto Silveira Freitas, homem negro de 40 anos espancado até a morte por seguranças do supermercado Carrefour. Foi o quarto dia consecutivo de manifestações na cidades desde o crime, ocorrido na última quinta-feira (19/11), véspera do feriado da Consciência Negra.

O ato aconteceu em frente a uma unidade da rede de supermercados localizada na zona leste da capital gaúcha, no bairro Partenon. Aos gritos de  “acabou o amor, isso aqui vai virar Palmares” e “o é assassino”, manifestantes incendiaram uma barricada, bloqueando as duas faixas da Bento Gonçalves, uma das avenidas mais movimentadas da região. Em seguida, destruíram parte das grades de proteção e atiraram rojões contra o pátio do estabelecimento, que também foi alvo de pixações. Motociclistas buzinavam em apoio.

Professor de teatro, Luno Pires dos Santos, de 21 anos, diz que as imagens de João Alberto sendo morto lhe trouxeram sentimento de raiva e ódio.

“A primeira coisa que penso é que poderia ser eu ou meu pai. E dá muita raiva e ódio porque o já paga um salário de miséria para os pretos e agora mata um de nós.”

Luno esteve presente em dois protestos – o desta segunda e o de sexta, 20 – e era um dos que puxavam os cantos durante a caminhada.

Foto: Maia Rubin

Cárcere Privado e Repressão

Segundo a página Repórter Popular, funcionários do denunciaram ter sido submetidos a cárcere privado pela empresa, sendo mantido presos contra a sua vontade no estabelecimento desde as 16h, quando fechou as portas, mesmo a manifestação estando marcada para 18h. “Mandaram nós ficar escondidos”, contou uma trabalhadora. De acordo com relatos, pessoas passaram mal, e mesmo a gerência tendo evacuado o prédio de clientes, mantiveram os funcionários presos até às 22h.

A exemplo do que já havia acontecido em outros manifestações, mais uma vez, a Brigada Militar atuou como segurança particular da multinacional, reprimindo com balas de borracha, bombas de efeito moral os manifestantes, que reagiram, atirando pedras e paus.

Um casal que não participava da manifestação passava pelo local quando foi agredido com cassetetes e atropelado por policiais cavalaria. João da Roza Zeferino foi levado para o Hospital Cristo Redentor com um ferimento nas costas e ainda não se sabe seu estado de saúde.

Foto: Reprodução

Na dispersão, a população correu em direção ao Morro da Cruz e foi perseguida pela polícia, que seguiu atirando e disparando bombas, chegando, inclusive, a invadir as casas de moradores atrás de manifestantes. Até o momento, não há notícia de prisões, mas muitas pessoas foram detidas e após a apresentação de documentos foram liberadas conforme seu bairro de origem.

“Depois que eles olharam os documentos de cada um de nós e perguntaram nossos bairros, eles disseram para irmos pra rua da ou pra rua da direita. Provavelmente essa divisão significa diferença de abordagem. Pois quem era da vila Santa Isabel foi pra esquerda (e tinha traços mais negros mesmo)” relatou um manifestante, ao Repórter Popular.

Violência racial do é recorrente

A publicitária Regina Ritzel, de 37 anos, mora em frente à loja onde aconteceu o desta segunda-feira. Ela conta que, ao saber da morte de João Alberto, viu reprisar uma cena que ela mesmo presenciou em 2018. “Eu fui acusada nesse de ter roubado o mercado, fui levada para uma salinha com as minhas duas filhas e obrigada a ficar seminua na frente delas, dos funcionários e de clientes.”

Na época, as filhas de Regina tinham 7 e 17 anos, e Regina só foi liberada 42 minutos depois, quando ouviu no rádio dos seguranças a afirmação “não é essa negra”. Ela processou a rede e até hoje espera uma resposta da Justiça.

De acordo com Regina, ver Beto ser assassinado gerou nela os sentimentos de “revolta” e “impotência”. “Vi mais um negro assassinado e virando estatística. Agora a gente quer que vire Palmares.”

Mídia1508

A 1508 é um coletivo de jornalismo independente anticapitalista, dedicado a expor as injustiças sociais brasileiras e a noticiar as mobilizações populares no Brasil e no mundo.

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