“Julgaram e executaram os meus filhos”, diz mãe de dois jovens assassinados em chacina no Morro do Fallet

A chacina, que ocorreu no último dia 8/02, foi a maior realizada durante uma operação da corporação em 12 anos, com 15 pessoas executadas.

Mãe mostra documentos dos filhos assassinados pela polícia — Foto: Rafael Daguerre/1508

Moradores dos morros do Fallet, Fogueteiro e Prazeres formalizaram nesta terça-feira (12) a denúncia contra o recente massacre promovido pela Militar, nas três favelas, que ficam na região central do Rio. A chacina, que ocorreu no último dia 8/02, foi a maior realizada durante uma operação da corporação em 12 anos, com 15 pessoas executadas.

Durante a reunião, que contou com a presença de ativistas de e da Defensoria Pública, foram relatadas diversas atrocidades cometidas por policiais. Os registros permitiram traçar um cenário mais claro do ocorrido. Apenas no Fallet foram 11 execuções: 9 em uma casa e outras 2 em outra residência. No Fogueteiro, a ação resultou em uma morte. Completa-se o quadro com mais três assassinados no Morro dos Prazeres, sendo que uma das pessoas foi levada para o hospital ainda na sexta-feira (8) e duas foram encontradas pelos moradores no sábado (9).

O encontro reuniu mais de 100 pessoas. Muitos moradores foram lá para apoiar as famílias dos rapazes assassinados.

Foram vários relatos de violência policial, inclusive de outros assassinatos. Um dos casos lembrados foi o de Jackson Lessa Santos, de 19 anos, executado pela PM em 2012. O jovem deixou três filhas. A irmã de Jackson conta que o policial que o matou, conhecido pelo apelido de “cara de espinha”, está envolvido na última chacina.

Moradores realizam reunião no morro do Fallet, no Rio de Janeiro — Foto: Rafael Daguerre

Diversos presentes relataram também uma outra prática macabra da PM. Os agentes costumam ficar em um ponto alto nas imediações da atirando em direção aos moradores. Uma mulher denunciou que no mês passado um jovem estava sentado comendo um sanduíche quando foi alvejado. Outro morador disse que estava saindo pra trabalhar às 7 horas da manhã e de repente começou a ser alvejado pelos policiais. “Um tiro pegou numa parede do meu lado, corri pra casa e não fui trabalhar. Como a gente pode viver assim?”, perguntou, indignado.

Os irmãos Maikon e David Vicente da Silva, de 16 e 22 anos, foram mortos dentro da casa onde viviam com a mãe, uma vendedora ambulante, na localidade da Biquinha, no alto da do Fallet. Vizinhos e parentes dos irmãos contaram que os jovens foram torturados por 40 minutos antes de serem assassinados pelos PMs, do Batalhão de Choque.

A mãe dos dois, que preferiu não se identificar, nos contou que os agentes não pouparam nem mesmo o irmão mais novo, de apenas 16 anos, que chegou a receber uma facada. Assista:

“Os PMs entraram no beco por volta das 8 horas da manhã. Bateram nas portas das casas e deram ordem para que entrássemos e não saíssemos mais. Depois bateram na casa onde os meninos estavam. Eles abriram e os PMs entraram. Não dá nem para falar que houve tiroteio. Eles ficaram 40 minutos lá dentro. Os meninos apanharam muito, deu para ouvir eles gritando e chorando. Depois, mataram e levaram os corpos”, disse uma vizinha.

Segundo a PM, “15 pessoas ficaram feridas e foram socorridos no Hospital Municipal Souza Aguiar. Entre os feridos, 13 vieram a óbito e dois estão internados”. A versão, no entanto, é desmentida pela Secretaria Municipal de Saúde, que informou que treze das vítimas – as outras duas foram encontrados somente no dia seguinte pelos moradores – deram entrada no Hospital Souza Aguiar já mortos.

A Defensoria Pública visitou a casa no Morro do Fallet onde aconteceu a maior parte das execuções. Os defensores entrevistaram os moradores da residência, localizada na Rua Eliseu Visconti, principal acesso à favela, e vizinhos. No local, mora uma família com uma senhora idosa e uma criança.  Foi lá que os irmãos Vitor e Roger dos Santos Silva, de 16 e 18 anos, foram assassinados, junto com outros sete jovens.

Em depoimento à Mídia1508 (vídeo capa), a mãe e familiares dos irmãos Santos Silva afirmaram que os adolescentes foram torturados e mortos à facadas. A certidão de óbito confirma a veracidade do relato, apontado perfurações no tórax, hemorragia e lesões na cabeça.

“Perfurações no tórax, muitas perfurações, eles tiveram hemorragia, lesões na cabeça, como se fosse pauladas na cabeça. Tipo, eles foram mesmo muito mal tratados”, diz a prima, que cresceu junto com os rapazes.

Felipe Guilherme Antunes, de 21 anos, também tinha marcas de facadas no corpo, segundo o testemunho de seus parentes. Em seu atestado de óbito de Felipe consta que a causa da morte foi por “lesão polivisceral, ferimento transfixante no crânio, tronco e membros”, com “ação perfuro contundente”. Descrição parecida com as das certidões de Vitor e Roger, nas quais  também consta “lesão polivisceral”, além de “ferimento transfixante do tórax” e “ação pérfuro contundente”.

“Eles [os policiais] mataram de faca. Eles são covardes. Eles não mereciam fazer isso. Eles não pegaram os meninos com nada. Não tinha um tiro. Não teve trocação de tiro nenhum”, disse um dos familiares de Felipe.

“O que eles fizeram foi covardia. Eles se entregaram e eles mataram. Os garotos têm marcas de facadas no corpo. A maioria tudo garoto. Foi covardia. Eles [o governo] deram liberdade pra eles [policiais] matarem e eles matam”, se revolta.

A que mais mata no mundo

As forças policiais do são as que mais matam no mundo. É o que mostra um novo relatório da Anistia Internacional, divulgado segunda-feira (7). Em geral, são homicídios de pessoas já rendidas, que já foram feridas ou alvejadas sem qualquer aviso prévio. Os números corroboram uma letalidade já denunciada anteriormente pela própria Anistia e pela Human Rights Watch (HRW).

No ano passado, 15,6% dos homicídios registrados no tinham como autor um policial. Dois anos antes, em 2012, foram 56 mil os homicídios cometidos por agentes de segurança. Os números são maiores do que de guerras espalhadas pelo mundo.

Apenas no Rio de Janeiro, 99,5% das pessoas assassinadas por policiais entre 2010 e eram homens, dos quais 80% negros e 75% tinham idades entre 15 e 29 anos. Segundo o relatório, que conta com 220 investigações envolvendo homicídios cometidos por policiais no país desde 2011, a maioria dos autores dos disparos nunca foi punida.

Cerca de 83% das investigações não tinham sequer sido concluídas até a publicação do relatório.

Rafael Daguerre

Fotógrafo, Repórter, Editor e Documentarista

Um dos fundadores da Mídia1508. "Ficar de joelhos não é racional. É renunciar a ser livre. Mesmo os escravos por vocação devem ser obrigados a ser livres, quando as algemas forem quebradas" ― Carlos Marighella.

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