Polícia Militar faz cerco a acampamento camponês em Rondônia

O acampamento foi erguido em agosto do ano passado, quando mais de 150 famílias decidiram ocupar 3,5 mil hectares da Fazenda Nossa Senhora Aparecida (antiga Santa Elina).

Foto: Reprodução/LCP

rurais do acampamento Manoel Ribeiro, no município rondoniense de Chupinguaia, denunciam estar sendo alvo de um cerco por parte da Militar. Segundo os relatos,  aproximadamente 70 policiais equipados com viaturas e helicópteros têm realizado uma série de incursões ao local. Em uma delas, na noite da última quarta-feira (31/3), os agentes atacaram os camponeses com gás lacrimogêneo e balas de borracha. Uma criança foi atingida e dois moradores espancados e presos, sendo conduzidos em seguida para um centro de detenção em Vilhena (RO). Em decorrência da operação, foi suspenso o atendimento médico à comunidade, impossibilitando a sua vacinação contra o coronavírus no pior momento da pandemia.

O acampamento foi erguido em agosto do ano passado, quando mais de 150 famílias decidiram ocupar 3,5 mil hectares da Fazenda Nossa Senhora Aparecida (antiga Santa Elina). O latifúndio é o mesmo que foi palco, em 1995, da chacina que ficou conhecida mundialmente como “Massacre de Corumbiara”. Na ocasião, pelo menos 12 camponeses (inclusive, uma menina de 6 anos) foram assassinados por policiais. Dentre os envolvidos, estava o então tenente José Hélio Cysneiros Pachá, que hoje é o Secretario de Segurança do Estado de Rondônia.

A repressão da última semana foi um desdobramento da concessão no dia 30/3 de uma liminar de reintegração de posse a favor do ruralista Antônio Borges Afonso, dono da Nossa Senhora Aparecida. Na mesma data, o governador de Rondônia, o bolsonarista e coronel da PM Marcos Paulo (PSL), já havia dado uma coletiva de imprensa garantindo que faria tudo a seu alcance para retirar as famílias camponesas da terra.

Apesar da ordem de despejo, a Associação Brasileira de Advogados do Povo Gabriel Pimenta (Abrapo), responsável pela defesa dos acampados, alerta para a ilegalidade do cerco policial que vem sendo realizado. A entidade atenta para o fato de a própria decisão judicial dar como prazo para a desocupação o dia 29 de junho de 2021 e, ainda assim, apenas se houver até lá uma redução significativa no número de casos de Covid-19, representando uma inflexão na curva de contágio.

Essas condicionantes, no entanto, têm sido solenemente ignoradas pelo Secretário de Segurança. Em entrevista ao portal “Folha do Sul”, o hoje coronel Pachá chegou até a mesmo até anunciar que pretende realizar a evacuação “antes do prazo determinado pelo magistrado”.

No sábado (3/3), Pachá voltou a abordar o assunto, em um vídeo divulgado por Marcos Rocha em suas redes sociais. Acompanhado do comandante e do sub-comandante da PM e com dezenas de agentes da corporação ao fundo, o Secretário promete “devolver ao seu legítimo dono a terra e iniciar uma nova história na condução das reintegrações de posse no Estado”.

Registro feito por apoiadores mostram as cápsulas deflagradas queimadas pelos pistoleiros antes da busca e apreensão / Foto: Reprodução

Para a Abrapo, “o que resta claro é que o Estado, ao invés de cumprir seu papel constitucional de “efetivar as políticas agrárias e fundiárias” e promoções de acesso a terra, substituiu o trabalho velado de pistolagem pela ação estatal oficial em favor de latifundiários grileiros de terras”.

Os advogados fazem referência à recente operação, capitaneada pelo Ministério Público estadual, que resultou na prisão em 23 de março de três policiais militares, que atuavam em uma milícia particular a soldo da fazenda.

Segundo a investigação, que indicava a medida de busca e apreensão para quatro policiais militares e dois civis, o latifúndio havia contratado um sargento do 3º Batalhão de Vilhena para gerenciar a organização criminosa. O militar atuava recrutando outros jagunços e distribuindo os pagamentos pelos “serviços”. O valor da diária paga a cada membro do bando era de R$ 900.

Foram apreendidos armamentos de fogo não registrados, 60 munições de diversos calibres, dez aparelhos celulares e pelo menos dois automóveis. O material era apenas parte do arsenal usado contra os camponeses. A outra parte, como roupas camufladas e capsulas deflagradas, foi queimada antes da cumprimento do mandados, pois os pistoleiros foram avisados por comparsas.

Registro feito por apoiadores mostram as cápsulas deflagradas queimadas pelos pistoleiros antes da busca e apreensão / Foto: Reprodução

De acordo com os acampados do Manoel Ribeiro, a milícia, em conluio com a polícia, empreendeu diversas tentativas de intimidação contra os moradores. Em uma das investidas, realizada em 29 de janeiro, os pistoleiros invadiram casas de para arrancar bandeiras da Liga dos Camponeses Pobres (LCP), movimento ao qual o acampamento é ligado.

Ainda segundo os pequenos agricultores, no dia seguinte às prisões, seis viaturas foram avistadas na sede da Nossa Senhora. Na tarde do dia 24/03, mais 11 carros das polícias civil e militar estiveram na região. E, em 25/03, quatro veículos da polícia, sendo um deles uma caminhonete preta descaracterizada, circularam pelas áreas Zé Bentão, Maranatã I e II e Renato Nathan, também coordenadas pela LCP. 

Neste período, ocorreram também blitzes arbitrárias nas cercanias dos acampamentos. Na manhã do dia 26/03, foram avistadas cerca de 30 caminhonetes grandes, tipicamente usadas por latifundiários, escoltadas por duas viaturas da PM. Os veículos se deslocaram do centro da cidade de Chupinguaia em direção à sede da propriedade rural, o que evidencia uma provável articulação entre fazendeiros e autoridades policiais.

Na avaliação da Abrapo, as violações denunciadas configuram  “verdadeira tortura e terrorismo de Estado”: “O que fazem é tortura psicológica contra que almejam apenas uma terra para plantar e sobreviver” pontua a associação. “Numa prática desumana, pois mais que despejar e prender, a intenção da e o recado que mandam é da tortura minuto a minuto, sem trégua e qualquer descanso, é tentar vencê-los pelo cansaço.”

Mídia1508

A 1508 é um coletivo de jornalismo independente anticapitalista, dedicado a expor as injustiças sociais brasileiras e a noticiar as mobilizações populares no Brasil e no mundo.

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