Nesta terça-feira (24/1) completou um ano do brutal assassinato de Moïse Kabagambe, jovem congolês de 24 anos, morto em um quiosque na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Familiares, amigos e movimentos sociais realizaram um ato por justiça e em homenagem à Moïse.
A mãe de Moïse esteve pela primeira vez no quiosque onde seu filho foi assassinado. Revoltado, Djodjo Baraka Kabagambe, irmão de Moïse, fez questão de mostrar aos jornalistas fotos de como ele ficou após ser espancado até a morte. Djodjo fez questão de lembrar também que ninguém ajudou seu irmão: “se fosse uma outra pessoa, com outra cor, seria a mesma coisa? Se fosse um francês seria a mesma coisa?”, disse em entrevista a dezenas de jornalistas.
Djodjo lamenta a falta de informações sobre o caso: “A gente não tem notícia nenhuma, nenhum resultado. A gente está há um ano sem notícia do processo. Parece que não está andando nada”, disse. “Bateram nele até o último minuto, bateram três vezes nele no chão mesmo assim continuaram batendo nele e os caras falam que não foi com intenção de matar. Um ano e só tem três pessoas presas. E os outros?” Mais três pessoas respondem em liberdade pela acusação de omissão de socorro.
Na época, testemunhas disseram que Moïse apanhou de cinco homens e confirmaram que os agressores usaram pedaços de madeira e um taco de beisebol.
O processo segue na 1ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Um ano depois, os três acusados pelo crime, Fábio Pirineus da Silva, Brendon Alexander Luz da Silva e Alesson Cristiano de Oliveira Fonseca, permanecem presos, denunciados pelo Ministério Público e réus desde 22 de fevereiro de 2022.
O pai de Moïse, Claude Kabagambe Magbo e os irmãos, Djodjo Baraka Kabagambe, e Maurice Magbo Mugenyi trabalham no quiosque doado à família pela Prefeitura, no Parque Madureira, na Zona Norte. No entanto, segundo Djodjo, o ‘Quiosque Moïse’ está trazendo “mais problemas do que coisas boas”.
A família espera o julgamento e dada a sentença, provavelmente deixarão o Brasil. Moïse nasceu no Congo, na África, e para fugir da guerra e da fome em seu país, veio para o Brasil em 2014 e morava com os pais e os irmãos.
O brutal assassinato
Moïse Kabagambe trabalhava por comissões nos quiosques Tropicália e Biruta. O congolês foi vítima de um espancamento e recebeu mais de 30 pauladas e golpes de taco de beisebol, após cobrar direitos trabalhistas, por dois dias de pagamentos atrasados. Parte das agressões ocorreram quando ele já estava imobilizado. O corpo dele foi encontrado amarrado em uma escada no local, sem vida.
A cena brutal se deu em plena luz do dia, enquanto clientes compravam refrigerantes. Uma testemunha afirma que os agressores disseram para “não olhar”.
Ainda segundo relatos, os criminosos afirmaram que o congolês estava “assaltando as pessoas” e queriam “dar um corretivo” nele. Guardas municipais foram chamados, mas nada fizeram. Pessoas presentes no momento contam ainda que os assassinos mentiram para os socorristas, dizendo que já teriam encontrado a vítima morta no local.
Três agressores flagrados pelas imagens de uma câmera de segurança do próprio quiosque foram presos pelo crime e indiciados, a princípio, por homicídio duplamente qualificado. No vídeo, é possível ver um funcionário trabalhando, pegando bebida em um freezer amarelo, enquanto Moïse está imobilizado e linchado no chão.
Quiosque funcionava de maneira irregular
O caso levantou questionamentos sobre a gestão dos quiosques da praia da Barra da Tijuca – sob os quais paira a suspeita de que sejam controlados por grupos milicianos. Investigações revelaram que o Biruta estava ocupado de maneira irregular por um policial militar.
Em um documento enviado em abril de 2015 a um deputado estadual, a Orla Rio, concessionária da Prefeitura responsável pela supervisão dos mais de 300 quiosques na orla carioca, relatou que o Biruta apresentava problemas como “a péssima manipulação de alimentos e a cessão do espaço a uma terceira pessoa não autorizada e não capacitada para tanto”. Ainda assim, um mês depois, renovou o contrato com o mesmo empresário que atuava no local, Celso Carnaval.
Em 2018, terminou o prazo do último contrato, mas o quiosque continuou em funcionamento. A Orla Rio disse ter enviado desde então oito notificações extrajudiciais para Carnaval.
Na prática, quem vinha tocando a gestão do Biruta nos últimos tempos era Viviane de Mattos Faria, irmã do cabo da Polícia Militar Alauir de Mattos Faria. Dois dos três agressores de Moïse — que trabalhavam no Biruta — apontaram os irmãos como responsáveis pelo estabelecimento.
De acordo com documentos internos da Polícia Militar, Alauir já esteve alocado no batalhão da área dos quiosques, o da Barra da Tijuca (31º BPM). Em agosto de 2021, foi transferido para o Batalhão de Irajá (41º BPM).
Dois meses depois, foi transferido para o Batalhão de Jacarepaguá (18º BPM), na zona oeste, onde está alocado até hoje