Servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) e lideranças indígenas realizaram na última quinta-feira (23) uma paralisação nacional exigindo o fortalecimento do órgão, a demissão do presidente da entidade Marcelo Augusto Xavier da Silva, e justiça pelos assassinatos do servidor licenciado da instituição Bruno da Cunha Araújo Pereira e do jornalista britânico Dominic Mark Phillips, o “Dom Phillips”. As mortes ocorreram no dia 5 de junho no Vale do Javari (AM), enquanto levantavam provas de crimes ambientais na segunda maior terra indígena brasileira.
Os protestos pedem justiça também por Maxciel dos Santos, indigenista morto em 2019.
No Rio de Janeiro, o ato ocorreu no Buraco do Lume, no Centro da cidade, e reuniu dezenas de servidores da Funai, lideranças indígenas e ativistas ambientais e dos direitos humanos.
Funcionários da fundação questionam a política de insegurança e perseguições promovidas pela atual gestão do órgão aos servidores que atuam com proximidade aos povos indígenas. Os protestos ocorreram em outras regiões do Brasil, como em Manaus (AM), Brasília e São Paulo.
Ao todo, 34 cidades brasileiras tiveram mobilizações. Servidores afirmam que a exoneração de Marcelo Xavier é um primeiro passo para acabar com o desmantelamento do órgão.
O servidor da Funai Guilherme Martins, amigo de Bruno, resumiu a revolta dos trabalhadores com a postura de Xavier da Silva em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo:
“O Bruno morreu sendo servidor da Funai. Enquanto ele era assassinado, esquartejado, carbonizado e enterrado em cova rasa, o presidente da Funai, que tinha responsabilidade para com o Bruno enquanto servidor, foi à rede nacional difamá-lo, contar mentiras sobre ele”.
Um dossiê organizado pela Indigenistas Associados – Associação de Servidores da Funai (INA) e Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), resultado de três anos de monitoramento conjunto, com dados desde 2019, mostrou que o Governo Bolsonaro implementa uma política “anti-indigenista” na Funai.
O dossiê possui nove capítulos e quase 200 páginas, nelas são abordadas questões de como a Funai vem trabalhando contra a própria razão de sua existência: proteger e promover os direitos dos povos indígenas. O perfil militar da gestão do órgão com o lema “Nova Funai” são representadas por normativas que facilitam o acesso de terceiros à posse e à exploração econômica das terras indígenas.
A destruição da Funai
Hoje, 620 processos de demarcação estão parados ainda na primeira etapa e 117 territórios estão esperando só a assinatura do Presidente Jair Bolsonaro para serem demarcados.
Desde 2019 a Funai vem sofrendo redução em seu orçamento que chega a 40%. A Funai está a mais de 1 ano sem um coordenador de pesca ilegal para fiscalizar esse tipo de atividade na região em que Bruno e Dom foram assassinados. O esvaziamento de cargos e funções é inacreditável: a Funai hoje tem 2.300 cargos vagos, que são mais do que os cargos ocupados, de 2.071. Há mais cargos vazios do que servidores dentro do órgão.
A burocracia para impedir a demarcação: a Funai hoje só autoriza a viagem de funcionários para territórios homologados, aquele que não se discute mais se é ou não Terra Indígena. Aqueles territórios que ainda estão em processo de demarcação o funcionário não pode viajar para acompanhar e fundamentar o processo de demarcação, e assim jamais completará o seu trabalho. Portanto, aquele território jamais chegará a concluir o seu processo. Quer dizer, a própria Funai criou uma forma burocrática para inviabilizar o trabalho de demarcação.
Apenas duas das 39 coordenações regionais do órgão são chefiadas por servidores públicos. Nas demais chefias, 19 delas são coordenadas por oficiais das Forças Armadas, 3 por policiais militares, 2 por policiais federais e o restante sem qualquer vínculo com a administração pública. O próprio presidente é um agente da Polícia Federal.
O caso do Maranhão
O Dossiê afirma que a Funai passou a atuar contra os indígenas facilitando a ação de invasores e se alinhando a agenda ruralista. Segundo um estudo feito pela consultoria Geoprecisa, com o cruzamento de dados da Funai e do Incra, o governo Bolsonaro reconheceu cerca de 250 mil hectares de fazendas em áreas indígenas no Maranhão. Não são territórios já homologados, mas áreas que estão em processo demarcação. Como isso foi realizado: a própria Funai publicou uma instrução normativa que ela permite o registro de imóveis particulares em áreas que não estão definitivamente homologadas. Do ponto de vista da constituição isso é ilegal, inconstitucional.
Ainda há a possibilidade de reaver esses territórios e demarcá-los como Terra Indígena, mas é ainda mais difícil. O invasor passa a ser amparado por essa instrução normativa “legalmente”, com a expectativa que a terra não será homologada e em algum momento poderá ter a posse definitiva daquela terra.
A perseguição a um funcionário da Funai no Maranhão é outro ponto a se destacar. Ele deixou o Brasil para sua segurança. Antes, ele preparou uma denuncia em que relatava a invasão de territórios indígenas no Maranhão por milícias. Ele afirma que policiais militares do Rio de Janeiro estariam atuando no Maranhão para amedrontar e expulsar os indígenas de seus territórios, para que os invasores possam se estabelecer. A denuncia é de 2019.
A política da Funai de não demarcação e de enfraquecimento da estrutura da instituição, reduzindo verbas, não substituindo servidores que se aposentam e perseguindo os que resistem é a demonstração explícita de que Jair Bolsonaro está cumprindo aquilo que prometeu durante sua campanha eleitoral de 2018: “dar uma foiçada na Funai”.