Movimentos sociais marcham em homenagem às vítimas da Chacina do Jacarezinho, que completou 1 ano

Pelas ruas e becos da favela, os moradores picharam “28 mortos não é operação, é chacina”, “Cláudio Castro, o governador da chacina”.

Moradores fizeram pichações pelas ruas da favela durante o protesto para lembrar a Chacina do Jacarezinho, que completou 1 ano dia 6 de maio de 2022 — Foto: Rafael Daguerre/1508

A do Jacarezinho completou 1 ano neste 6 de maio de 2022. Movimentos sociais, familiares, ativistas e entidades de direitos humanos estiveram presentes na marcha em memória às vítimas da chacina, que foi organizada por movimentos populares da favela.

Pelas ruas e becos do Jacarezinho, os moradores picharam “28 mortos não é operação, é chacina”, “Cláudio Castro, o governador da chacina”.

No ato também foram exibidos cartazes e faixas denunciando o estrutural com frases como “vidas negras e faveladas importam”.

Os manifestantes percorreram as ruas da favela com gritos de ordem como “polícia assassina, chega de chacina”, “pelo fim da polícia militar” e passaram em alguns locais onde as vítimas foram executadas.

A é considerada a mais letal da cidade do Rio de Janeiro, quando policiais civis executaram 27 pessoas. O caso segue impune.

Em seguida, os manifestantes se reuniram para a inauguração de um Memorial, que também fez parte das atividades para lembrar a e pedir justiça. Erguido por movimentos sociais e entidade de direitos humanos, o Memorial carrega o nome de todas as vítimas da chacina com a inscrição: “Homenagem às vítimas da Chacina do Jacarezinho! Em 06/05/2021, 27 moradores e um servidor foram mortos, vítimas da política genocida e racista do Estado do Rio de Janeiro, que faz do Jacarezinho uma praça de guerra, para combater um mercado varejista de drogas que nunca vai deixar de existir. Nenhuma morte deve ser esquecida. Nenhuma chacina deve ser normalizada.”

As investigações do Ministério Público (MP-RJ) chegaram ao fim com a grande maioria dos casos arquivados sob alegação de falta de provas. Ninguém foi preso e até o momento 10 das 13 investigações foram arquivadas. Na época foi informado que o policial morto fora baleado no início da operação no Jacarezinho e que por isso os agentes realizaram a em uma conhecida “operação vingança”.

A força-tarefa do MP concluiu que duas vítimas foram assassinados quando já estavam encurralados e desarmados no cômodo de uma casa. Os dois agentes do Core alegavam troca de tiros, mas a versão foi desmentida pelas perícias do local e dos corpos. A Promotoria aponta que eles “efetuaram disparos contra as vítimas indistintamente, imbuídos da intenção comum de executá-los”. Na maioria das mortes, no entanto, a falta de testemunhas e provas leva ao fim das investigações.

Moradores carregam cartazes pedindo paz e “vidas negras importam” durante o em memória das vítimas da do Jacarezinho, que completou 1 ano — Foto: Rafael Daguerre/1508

Os promotores também disseram não ter encontrado provas de que as pessoas rendidas foram executadas. E listaram uma série de dificuldades, incluindo encontrar testemunhas nos locais dos confrontos, o que obviamente torna-se quase impossível pelo medo de represálias de agentes policiais. Elas poderiam, por exemplo, desmentir o cenário de legítima defesa dito pelos policiais. A Promotoria diz ainda que não foi verificado esgarçamento ou arrasto nos tecidos das roupas das vítimas. Mas reportagem do portal UOL mostra, por exemplo, que há uma série de inconsistências nos casos arquivados. 

Entre elas, o fato de peritos notarem indícios de morte de suspeitos já rendidos em pelo menos outros três casos. Relatos de moradores também denunciam o caso de remoção de corpos por policiais (foto abaixo) com a intenção de atrapalhar as investigações. Assim, o argumento do MP de que a perícia foi prejudicada por conta da remoção dos corpos, se confirma. Além disso, não foram feitos exames para constatar se havia pólvora nas mãos dos mortos, destaca o veículo.

Policiais removem um corpo no Jacarezinho com objetivo de atrapalhar a perícia e as investigações, em 6 de maio de 2021, palco da operação mais letal da polícia do Rio de Janeiro, com 27 mortos — Foto: Reprodução/Twitter

Ao jornal Folha de S. Paulo, o promotor André Luís Cardoso, que coordenou a força-tarefa desfeita em março, declarou que mesmo com as provas do MP, “a gente não pôde na maioria dos casos cravar que houve legítima defesa. Nem dizer que o policial executou”.

A versão policial, reproduzida pelo órgão, também se choca com a denúncia de presos pela operação Exceptis, naquele 6 de maio. Eles afirmaram em juízo que foram agredidos e obrigados a carregar mais de 10 corpos de pessoas mortas até o blindado da Polícia Civil. A mesma denúncia também foi foi feita por parentes dos mortos e moradores do Jacarezinho. Assim como por entidades como a Ordem dos Advogados do no Rio (OAB-RJ) e a Defensoria Pública do estado. A remoção de corpos é uma prática historicamente adotada sob pretexto de prestar socorro para dificultar a investigação. Em casos de morte, porém, a lei estabelece que os policiais devem manter a cena do crime preservada, incluindo os corpos, para perícia. 

Movimentos sociais e ativistas dos direitos humanos protestam pelas ruas da favela, no dia 6 de maio de 2022, que completou 1 ano da do Jacarezinho — Foto: Rafael Daguerre/1508

A dois dias do primeiro ano do massacre, na quarta-feira (4), as famílias das vítimas receberam a notícia do arquivamento de quase todas as mortes com revolta e tristeza. “É impossível não se indignar com essa situação”, criticou o Instituto de Defesa da População Negra (IDPN), que acompanha as famílias do Jacarezinho, em suas redes. Para a entidade, a resposta que o sistema de Justiça dá “mais uma vez, é que existem corpos matáveis, que eles são negros, e que, para esses, não há justiça”. 

“Arquivar esses casos é um ‘passe-livre’ para que pessoas negras, pobres e favelados morrerem, já que eles não precisam de respeito”, lamentou o IDPN. O instituto que atua no fomento à advocacia negra e promoção do serviço jurídico gratuito à comunidade negra, é também responsável pelo Observatório Cidade Integrada, lançado em fevereiro, após as reiteradas denúncias de abusos policiais dos moradores do Jacarezinho após ocupação da comunidade pelo programa estadual Cidade Integrada do governo de Cláudio Castro (PL). 

Movimentos sociais e ativistas dos direitos humanos protestam pelas ruas da favela, no dia 6 de maio de 2022, que completou 1 ano da do Jacarezinho — Foto: Rafael Daguerre/1508

A operação

Elogiada como um “trabalho de inteligência” pelo governador Cláudio Castro (PL), a sanguinária ação policial foi idealizada pela DPCA (Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente), com o apoio da CORE (Coordenadoria de Recursos Especiais). Segundo nota do Ministério Público do Rio de Janeiro, a justificativa teria sido a de proteger “os direitos fundamentais de crianças e adolescentes e demais moradores que residem nessas comunidades”.

Toda essa fantasiosa narrativa oficial cai rapidamente por terra quando se ouve a descrição do cenário encontrado pela Defensoria Pública após a chacina: “Primeiro o choque inicial foi a quantidade de sangue nos becos da favela. Era muita poça de sangue. A segunda casa que nós visitamos era a casa de uma família, um casal e uma criança de 8 anos. Nessa casa um rapaz foi executado no quarto da menina de 8 anos. Essa família viu a execução, inclusive a menina de 8 anos. Tinha uma poça de sangue nesse quarto, a cama dessa criança lotada de sangue, inclusive a coberta que ela usa, estava lá, nessa poça de sangue. Essa menina está completamente traumatizada”, relatou à imprensa, em 2021, a defensora Maria Julia Miranda, integrante do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos.

Moradores contam que a violência policial se tornou incontrolável após um dos agentes ter sido morto com um tiro na cabeça durante a intervenção, que se transformou em uma verdadeira “operação vingança”.

Casas de famílias foram simplesmente invadidas e se tornaram palco de execuções sumárias. Em uma delas, dois homens foram assassinados na frente de uma idosa.

Mídia1508

A 1508 é um coletivo de jornalismo independente anticapitalista, dedicado a expor as injustiças sociais brasileiras e a noticiar as mobilizações populares no Brasil e no mundo.

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