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Questões de educação pós pânico do 7 de setembro

Esse pânico endossado por parte da esquerda quanto a possibilidade de violência dos pró-governistas infiltrados nas manifestações anti-bolsonaristas, desmobilizou alguns daqueles que estariam nas ruas contra o presidente e o projeto que ele representa.

Manifestante usa camisa contra o presidente Bolsonaro em protesto de 7 de setembro — Foto: Rafael Daguerre/1508

Por Carina Blacutt

Analisar o contexto político educacional no Rio de Janeiro e no Brasil não tem sido tarefa fácil.  Tudo nesse país parece muito confuso. O contexto político traz cada vez mais a incerteza do que escrever na próxima frase. A análise e as previsões de futuro são um tiro no escuro do apagão da educação. Ser educadora e pensar na brasileira requer quase que um pedido de licença para se morrer um pouco.

As ideias que aqui se arriscam enquanto discurso são, como escreveu um leitor dessa coluna, apontamentos respeitosos. Como uma prestação de contas. Para quem? Para o leitor. Ou, provavelmente, para mim mesma. Para a minha verdade, fruto da minha práxis. Nunca para uma verdade universal. Assim como apontou Clarice Lispector em Água Viva: “A verdade última a gente nunca diz. Quem sabe da verdade que venha então. E fale.”

A bravata retórica do presidente e seus líderes apoiadores de golpe gerou pânico em muitos setores sociais. Esse pânico endossado por parte da esquerda quanto a possibilidade de violência dos pró-governistas infiltrados nas manifestações anti-bolsonaristas, desmobilizou alguns daqueles que estariam nas ruas contra o presidente e o projeto que ele representa. Uma desmobilização preocupante diante do crescimento expressivo dos atos daqueles a favor da ditadura, sintoma que não deve ser menosprezado.

Por essas razões, também trouxe à tona a necessidade de repensarmos algumas questões. Há organização para daqueles que outrora foram perseguidos, tanto nas ruas quanto nas escolas? A prevenção imediata diante de um eventual ataque precisa abrir planejamento tático para ação e resistência, principalmente nas escolas públicas, campo de batalha abandonado por conta da gravidade do vírus e de todo o pânico gerado na comunidade escolar.

Ato Grito dos Excluídos reúne milhares de pessoas em resposta ao ato fascista de apoio a Bolsonaro, no dia 7 de setembro de 2021 — Foto: Rafael Daguerre/1508

A greve estadual do Rio de Janeiro, por exemplo, possui pauta única: a vacina. Os profissionais da que já tenham completado as duas etapas da vacinação devem se retirar da greve. As reivindicações como descongelamento do salário e melhorias estruturais das escolas foram abandonadas. O vírus agrava a situação já precarizada e parte da resistência se encontra em casa, paralisada pelo pânico instaurado, tanto do vírus quanto do golpe.

Passado o 7 de setembro, uma perspectiva importante que não podemos esquecer indica, não a iminência do golpe, mas a presença do golpe já em curso, com uma imensa quantidade dos cargos do governo sendo ocupados por militares, religiosos e suas políticas autoritárias. Um exemplo é a política educacional.

O atual desconhecido ministro da educação, Milton Ribeiro, apesar de não proporcionar todo aquele circo que o ministro anterior fazia em suas redes sociais, tem posicionamentos e encaminhamentos para totalmente questionáveis, e que precisam ser enfrentados nas salas de aula e nas ruas.

Em seus pronunciamentos o ministro defendeu o retorno às aulas mesmo com ausência de vacina para os estudantes, além de afirmar que a universidade deveria ser para poucos, e criticar aquilo que ele chamou de questões de cunho ideológico do Enem, como por exemplo as questões relativas às disparidades entre gêneros.

Aproveitando esse mote a respeito de gênero e sexualidade, um ocorrido engraçado, porém interessante, trouxe à reflexão questões estéticas relacionadas a estratégias de resistência. O gigantesco pênis verde e amarelo, escrito com a frase do exército “braço forte, mão amiga” presente na Av. Paulista, no ato governista.

Mobilização foi grande no ato Grito dos Excluídos em 7 de setembro de 2021 — Foto: Stella Nemer/1508

Ao que tudo indica, tal artefato foi uma brincadeira realizada por estudantes que se infiltraram durante a manifestação e que gerou, com êxito, muitas perplexidades e análises estéticas. O falocentrismo do governo e toda sua ereção pela militarização, crítica que também se estende para o campo da educação; a misoginia como prática política governamental; o simbolismo no contraste do pênis com o carrinho de mercado vazio que o carregava pela Paulista…

Entretanto, na hipótese da veracidade de que a presença do pênis era brincadeira, a ousadia de tal fato suscita reflexões. Quais as possibilidades de ações diretas as intervenções artísticas nos proporcionam? Diante da importância da como abertura para o pensamento democrático, como podemos utilizar a arte para o enfrentamento do autoritarismo?

Tomando mais uma vez como exemplo o estado do Rio de Janeiro, a política quanto à artística deixa muito a desejar. A disciplina é a que possui a menor carga horária, mesmo com sua importância já consolidada por instrumentos de avaliação, como o Enem.

Uma das atividades explicitadas na brincadeira dos estudantes é a utilização da arte como deboche, um falo de Troia patriota, para não só desmoralizar, deslegitimar, ridicularizar, como também denunciar as políticas opressoras do atual governo. A arte, que trabalha o corpo; suas extensas mobilidades, é fundamental para o enfrentamento desse governo, que quer aprisionar os corpos em duas modalidades imóveis: os corpos que usam azul e os corpos que usam rosa.

Mobilização no ato Grito dos Excluídos em 7 de setembro de 2021 — Foto: Stella Nemer/1508

O embate se dá no campo estético e político, e assim deve ser travado. Paulo Freire em sua obra Pedagogia do Oprimido aborda a questão da invasão cultural, que é a penetração que fazem os invasores no contexto cultural dos invadidos, impondo a estes sua visão de mundo, e que se aplica bastante a política do atual governo, um pênis colonizador.

“A invasão cultural, que serve à conquista e à manutenção da opressão, implica sempre na visão focal da realidade, na percepção desta como estática, na superposição de uma visão do mundo na outra. Na “superioridade” do invasor. Na “inferioridade” do invadido. Na imposição de critérios. Na posse do invadido. No medo de perdê-lo.” (FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 1994. P. 99)

Não é despropositadamente que Paulo Freire incomoda tanto os bolsonaristas. Uma filosofia de enfrentamento à opressão de classe, de gênero e de raça é arma contra eles.  A prática pedagógica de Freire liberta a comunidade escolar conscientizando o cidadão de suas opressões diversas.

É preciso retomar o chão da escola com atividades artísticas políticas, que incentivem não só a colaboração democrática, e que também enfrentem a essa invasão cultural e a política educacional tecnocrata e autoritária do governo Bolsonaro. Utilizar as diversas tonalidades das artes na dos cidadãos para a construção de uma sociedade menos opressora com as diferenças dos corpos.

Isso não significa abandonar a pauta sanitária com relação a covid. Mas que precisamos avançar contra o pânico e passarmos a ser cautelosos, porém em movimento. Perceber que as precarizações sanitárias deixaram as escolas um campo aberto para o avanço do reacionarismo.

Na semana do 7 de setembro, como que com a beleza sutil de algumas poesias, as escolas da Região dos do Rio de Janeiro exibiam intervenções artísticas em homenagem a Paulo Freire. É preciso utilizar a arte como florete de esgrima, que mesmo não sendo robusto, salta icástico, atingindo o inimigo.


Carina Blacutt é filósofa e professora da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro, doutoranda em Estética e Filosofia da Arte pela UERJ e colunista de da Mídia1508.

Mídia1508

A 1508 é um coletivo de jornalismo independente anticapitalista, dedicado a expor as injustiças sociais brasileiras e a noticiar as mobilizações populares no Brasil e no mundo.

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