Os 25 anos do Massacre de Eldorado

A policia matou camponeses com tiros na nuca, na testa – em claro sinal de execução. Um deles teve o crânio esmagado.

Corpos dos trabalhadores sem terra mortos pela polícia do Pará em uma sala do Instituto Médico Legal (IML) de Marabá / Foto: Reeprodução

Neste sábado, completaram-se 25 anos do Massacre de Eldorado, uma das mais brutais chacinas de camponeses da história recente do país. Era uma quarta-feira, por volta das 16h, do dia 17 de abril de 1996. Cerca de 1,5 mil pessoas estavam acampadas no trecho da PA-150 conhecido como “curva do S”, em Eldorado dos Carajás, sudeste do Pará, como forma de protesto. O objetivo era marchar até a capital Belém e conseguir a desapropriação da fazenda Macaxeira, em Curionópolis (PA), ocupada por 3,5 mil famílias sem-terra.  

A caminhada que tinha começado no dia 10 de abril foi parada com sangue em um ataque da Polícia Militar. Alegando a necessidade de “desobstruir a rodovia”, o governador do Pará, Almir Gabriel (PSDB), seu secretário de segurança, Paulo Sette Câmara, e o presidente do Instituto de Terras do Pará, Ronaldo Barata, ordenaram a dispersão do grupo, instruindo os agentes a usarem “a força necessária, inclusive atirar”. Um efetivo de 155 policiais, sem identificação na farda, armados com fuzis, metralhadoras e escopetas, foi enviado ao local, onde teve lugar uma verdadeira carnificina. Ao todo, foram 21 trabalhadores assassinados, 19 durante o confronto e outros dois que faleceram no hospital.

Quem viveu aquele dia ou assistiu às imagens gravadas pela TV Liberal, afiliada da Rede Globo no Pará, testemunhou a barbárie da contra os acampados. Entre as cenas chocantes, chamou a atenção a perseguição a um adolescente de 17 anos, Oziel Alves Pereira, totalmente desarmado, que tentou fugir do massacre, mas foi caçado, baleado, algemado e arrastado pelos cabelos até o ônibus da polícia militar – aparecendo sem vida algumas horas depois.

A perícia comprovou que oito dos dezenove sem-terra mortos na ação foram mortos com seus próprios instrumentos de trabalho: foices e facões. Os outros 11 foram alvejados com 37 balas, uma média de quatro disparos para cada cada um. 79 pessoas ficaram feridas.

A polícia matou camponeses com tiros na nuca, na testa – em claro sinal de execução. Um deles teve o crânio esmagado.

Pressionado, o governador do negou responsabilidade sobre o ocorrido, atribuindo a truculência ao coronel Mário Colares Pantoja, comandante do batalhão de Marabá. A repercussão do episódio gerou uma crise no governo federal, presidido pelo mesmo partido do governador. O ministro da Agricultura, José Eduardo Andrade Vieria (PTB), pediu demissão e o então presidente Fernando Henrique Cardoso recriou o Ministério da Reforma Agrária para aplacar as críticas.

O julgamento do caso levou quase duas décadas até que se esgotassem todos os recursos possíveis. Dos 155 policiais envolvidos, somente dois foram condenados: o major José Maria de Oliveira, comandante da operação, com pena de 158 anos e 4 meses de prisão; e Pantoja, com pena de 228 anos de prisão. Ambos foram presos em 2012, 16 anos após os crimes. Beneficiado por um habeas corpus, o coronel cumpriu prisão domiciliar até novembro do ano passado, quando morreu de Covid-19.

Números sobre a violência no no

O se tornou um dos símbolos da violência no e da subordinação dos aparelhos do Estado aos interesses do poder financeiro e do latifúndio. Foi também o prelúdio de uma escalada de conflitos rurais que marcaria o país nas décadas seguintes.

De acordo com o monitoramento realizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), 320 trabalhadores e lideranças foram assassinadas no entre 1996 e 2019. Alguns casos são mais conhecidos e ganham nacional e internacional – como as mortes da irmã Dorothy Stang (em fevereiro de 2005, em Anapu) e das lideranças extrativistas Maria e Zé Cláudio (em maio de 2011, em Nova Ipixuna). Mas a esmagadora maioria passa como anônima e é velada apenas por seus companheiros.

Segundo a CPT, desde 1985, quando a comissão iniciou a publicação do caderno “Conflitos no Brasil”, 1.501 casos de assassinatos relacionados a esse tipo de contexto foram registrados em todo o território brasileiro. As vítimas foram indígenas, posseiros, quilombolas, pescadores, agricultores, ribeirinhos, camponeses e lideranças religiosas. O número inclui, ainda, 250 pessoas mortas em 51 massacres.

O primeiro ano da gestão de Jair Bolsonaro, 2019, foi o que contabilizou o maior número de conflitos no dos últimos 10 anos, com um total de 1.833 ocorrências registradas. 

Mídia1508

A 1508 é um coletivo de jornalismo independente anticapitalista, dedicado a expor as injustiças sociais brasileiras e a noticiar as mobilizações populares no Brasil e no mundo.

Deixe seu comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado.

Últimas Notícias