5° Julho Negro inicia com ato por justiça às vítimas da Chacina de Acari, que completa 30 anos

Três décadas depois não há qualquer resposta do Estado, sequer os corpos foram encontrados. Ninguém foi preso ou denunciado. A Chacina de Acari representa perfeitamente a face de um Brasil racista e perpetrador de uma violência incalculável.

Ato em memória às vítimas da Chacina de Acari / Foto: Rafael Daguerre

No último domingo, dia 26, movimentos sociais realizaram um protesto por justiça e em memória às vítimas da de Acari, na Favela de Acari, zona norte do Rio de Janeiro. A manifestação fez parte da abertura do Julho Negro, uma articulação política internacional contra a militarização e antirracista.

O ato foi organizado pelo Coletivo Fala Akari e o Movimento Favelas na Luta, pelos 30 anos da de Acari, completados no dia 26 de julho de 2020.

As manifestantes caminharam pelas ruas de Acari com faixas e cartazes em homenagem às Mães de Acari, exigindo o fim das chacinas e justiça para as vítimas da de Acari, que até hoje não foram encontradas. Uma das palavras de ordem das mães é “o fim da polícia militar”, repetida seguidas vezes. Elas afirmam que não precisam de operações policiais, mas sim de cestas básicas e kits de saúde pública de prevenção ao Covid-19.

Conversamos com Rosilene Alves, mãe de Maria Eduarda, menina de apenas 13 anos morta em 2017 dentro da escola pela polícia, que realizava uma operação em Acari. Rosilene nos relatou a dor dos últimos três anos pela perda da filha e que até hoje o Estado não forneceu sequer um tratamento psicológico à família: “meu psicólogo tá sendo Jesus”, diz. Indignada com informações veiculadas na imprensa comercial, de que a família teria recebido 1 milhão de reais, ela afirma que nunca recebeu nada do Estado.

O ato foi finalizado dentro do espaço cultural do Coletivo Fala Akari, onde foi exibido um filme curta-metragem em homenagem às Mães de Acari.

Assista o vídeo que realizamos para o Julho Negro:

As mães presentes fizeram questão de ressaltar a importância da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, a ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar as operações e a violência policial nas favelas. Com a liminar que suspendeu as operações, os homicídios causados pela polícia caíram cerca de 73% em junho. Mas elas lembram que ainda assim ocorreram operações policiais, desrespeitando a liminar.

Mães de luta

Mães de Acari é um dos primeiros movimentos sociais de mães no pós ditadura militar a ganhar manchetes nos jornais. Mesmo em um contexto de violência de grupos de extermínios e sofrendo ameaças, as mães dos jovens desaparecidos se uniram para buscar justiça. O movimento Mães de Maio foi fundado depois da maior do século 21 no país, quando 564 pessoas foram assassinadas durante 10 dias em São Paulo, em 2006. As Mães de Manguinhos são um exemplo recente de mães que se organizaram após o assassinato de seus filhos pela PM na favela que dá nome ao coletivo.

José Luiz da Silva, pai de de Souza Silva, é uma exceção em uma luta que é amplamente impulsionada pelas mulheres. A ausência do pai é notória até mesmo quando se trata da luta por justiça pela morte de um filho ou de uma filha. Maicon, uma criança de apenas 2 anos de idade, foi assassinado pela polícia enquanto brincava na porta de casa. Apesar de ainda ser um bebê, o caso de Maicon foi registrado na época como “auto de resistência”, termo usado por policiais que alegam estar se defendendo ao matar um suspeito. Acredite, o policial apresentou essa justificativa. Em 2020, completou 24 anos e José Luiz disse: “nunca pensei em desistir”. Nenhum dos policiais militares envolvidos foi levado à Justiça.

de Acari

Em 26 de julho de 1990, 11 jovens, sendo 7 menores de idade — em sua maioria residentes da favela de Acari e proximidades — foram retirados à força de um sítio localizado em Suruí, bairro do município de Magé, no estado do Rio de Janeiro, por um grupo de homens que se identificaram como policiais. Os corpos nunca foram descobertos e os responsáveis sequer foram levados à Justiça. O inquérito ficou em aberto por 20 anos, sendo arquivado em 2010.

Em 1994, a Anistia Internacional revelou que os homens haviam sido identificadas como policiais do 9º Batalhão da Polícia Militar, de Rocha Miranda, e como detetives do Departamento de Roubo de Carga da 39ª Delegacia de Polícia da Pavuna, ambos na cidade do Rio de Janeiro. A investigação indicava ainda que os policiais militares envolvidos vinham extorquindo algumas das vítimas antes do seu desaparecimento forçado.

Na época, mesmo diante do contexto de violência e sofrendo ameaças, mães dos jovens desaparecidos se uniram para buscar justiça. O movimento ficou conhecido como Mães de Acari. Três mães foram assassinadas. Uma delas foi brutalmente assassinada por investigar sobre o paradeiro de seu filho e, ao que tudo indica, por ter conseguido novas provas sobre o caso. Edméia da Silva Euzébio, mãe de Luiz Henrique e líder do movimento, e Sheila Conceição, sua cunhada, sofreram uma emboscada e foram assassinadas em um estacionamento em 1993, após visitarem um detento no presídio Hélio Gomes.

Segundo uma denúncia apresentada na justiça em 2014, o crime teria sido ordenado pelo coronel reformado da PM e ex-deputado estadual Emir Campos Larangeira, também foram réus os Policiais Militares Eduardo José Rocha Creazola, o “Rambo”, Arlindo Maginário Filho, Adilson Saraiva Hora, o “Tula” e Irapuã Ferreira; o ex-PM Pedro Flávio Costa e o servidor municipal Luiz Cláudio de Souza, o “Mamãe”, e o agente penitenciário Washington Luiz Ferreira dos Santos. Segundo o Ministério Público do Rio, os acusados formavam um grupo conhecido como “Cavalos Corredores”, liderado pelo coronel Emir Larangeira, conhecido por diversas execuções e chacinas na década de 90, época que o oficial comandou o 9º BPM (Rocha Miranda).

Três décadas depois não há qualquer resposta do Estado, sequer os corpos foram encontrados. Ninguém foi preso ou denunciado. A de Acari representa perfeitamente a face de um racista e perpetrador de uma violência incalculável. Chacinas policiais são comuns e ainda mais comum é a impunidade dos agentes. Onze pessoas foram executadas por policiais militares e isso nunca foi prioridade para o Estado brasileiro. A notícia da correu o mundo na época e nem a exposição do país na imprensa internacional foi capaz de gerar uma ação para resolver o caso.

Julho Negro

O Julho Negro é uma articulação internacional contra a militarização, o racismo e o apartheid no mundo, organizado por movimentos sociais de mães, familiares vítimas da violência do Estado e por movimentos de favelas do Rio de Janeiro. Esta é a sua 5° edição.

Este ano está sendo discutido como a pandemia de Covid-19 agrava a militarização, o racismo e o apartheid no mundo. Com exceção da abertura, com o ato em Acari, todas as atividades estão ocorrendo on-line, do dia 26 ao dia 30 de julho. Acompanhe a programação na página Julho Negro.

Rafael Daguerre

Fotógrafo, Repórter, Editor e Documentarista

Um dos fundadores da Mídia1508. "Ficar de joelhos não é racional. É renunciar a ser livre. Mesmo os escravos por vocação devem ser obrigados a ser livres, quando as algemas forem quebradas" ― Carlos Marighella.

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