Movimento negro protesta contra o assassinato de Evaldo, morto pelo Exército no Rio

Revoltados com o crime, manifestantes denunciam não só o assassinato, mas também o racismo, já que numa área nobre da cidade e com pessoas brancas no carro, o Exército jamais abriria fogo indiscriminadamente.

Durante a manifestação, um tanque de guerra do Exército brasileiro passa pelos manifestantes, que erguem o braço em repúdio aos militares — Foto: Rafael Daguerre/1508

Na manhã deste domingo, dia 14/04, movimentos sociais e movimentos negros realizaram um em repúdio ao fuzilamento de Evaldo dos Santos Rosa, 51 anos, morto pelo Exército há uma semana, no dia 07.  Com faixas e cartazes os manifestantes percorreram o caminho que a família de Evaldo fez de carro, de Marechal Hermes até Guadalupe, local onde sofreram mais de 80 tiros dos militares. Durante a marcha, outros casos de violência do Estado foram lembrados.

No local do crime, os manifestantes dialogaram com a população residente do prédio em frente, prestando apoio e solidariedade. Um homem que reside na região levou três tiros ao socorrer e ajudar a família. Uma moradora abriu a porta de sua casa para proteger a esposa e o filho de Evaldo, de apenas 7 anos.

Os movimentos denunciaram o racismo institucional do Estado brasileiro que, além de gerar o que foi classificado como negro, provoca o encarceramento em massa da população preta no país. Na última quinta-feira (11), Evaldo dos Santos foi sepultado, sob gritos de e com bandeiras do furadas e manchadas de sangue.

“Alguns dizem por aí, que a bandeira brasileira jamais será vermelha, ela pode até não ser a bandeira vermelha do Comunismo, mas ela é vermelha sim do sangue de pessoas negras e pobres”, disse Henrique Oliveira, Historiador e militante do movimento negro.

Sobre o caso

Na tarde do dia 7 de abril, militares do Exército mataram o cavaquinista Evaldo dos Santos Rosa, de 51 anos, após realizarem mais de 80 disparos contra o carro que o músico dirigia, onde estava também sua família e uma amiga, em Guadalupe, do Rio. O sogro da vítima, Sérgio Gonçalves Araújo, também foi baleado durante o ataque. Um homem que passava pela rua e tentou ajudar a família também foi ferido.

Por pouco, o crime dos militares não foi ainda maior: junto com Evaldo, estavam no veículo sua mulher e seu filho, de apenas sete anos, além de uma vizinha, que não foram atingidos.

“Quando a gente adentrou na estrada em que estava o Exército, aí foi quando o Exército começou a metralhar a gente e ele foi o primeiro que morreu no meu ombro, na primeira rajada de tiros (…) A gente não tem muita reação, só tentar reanimar porque ele estava no volante, tentando reanimar ele batendo na cara dele (…) o carro perdeu a noção. Eu tinha que conseguir parar o carro porque não estava em alta velocidade, puxei o freio de mão, desliguei o carro e o tiro comendo (…)”, contou Sérgio à imprensa.

Manifestantes no local onde ocorreu o crime do Exército — Foto: Rafael Daguerre/1508

Michele da Silva Leite, a vizinha e amiga da família que também estava no carro, denunciou à imprensa que os militares não fizeram nenhum tipo de sinalização antes de abrir fogo:

“Eu não vi onde foi o tiro, mas eu acho que foi nas costas. só que a gente pensou que ele tinha desmaiado no volante (…) A gente saiu do carro, eu corri com a criança e ela também. A gente saiu do carro, e mesmo assim eles continuaram atirando”, afirmou.

“Tinha um morador passando aqui na hora, que tava aqui no meio, foi tentar ajudar o padrasto e também foi atingido no peito”, acrescentou Michele, que estava indo junto com a família de Evaldo a um chá de bebê.

O Exército, a mentira e o crime

Mesmo após a confirmação da identidade de Evaldo e sua família, o Comando Militar do Leste, responsável pelo Exército no Rio de Janeiro, seguiu mantendo a fantasiosa versão de que dois homens teriam atirado contra os militares, que apenas teriam respondido à “injusta agressão” dos “assaltantes”. A fantasia não se sustentou.

Outro detalhe contado pelos sobreviventes é que carro não estava em alta velocidade e foi alvejado em dois momentos, o que aumenta ainda mais a gravidade do crime dos militares do Exército.

“Veio um morador da área ali e foi tentar socorrer o meu genro. Quando ele bateu na porta que eu abri aí começou de novo a rajada de tiro (…) me escondi debaixo do painel do carro. Foi aonde alvejou aqui atrás, nas minhas costas, de raspão”, comentou Sérgio.

Nesse momento, Luciano, o morador da região que tentou ajudar, sofreu três tiros e está hospitalizado em estado grave.

A pequena Júlia, filha de uma militante do Unificado, ao lado de Pedro, jovem morador da região, protestam no local das mortes de Evaldo e Luciano — Foto: Rafael Daguerre/1508

Nos depoimentos prestados pelos militares, eles disseram que foram alertados de que um assalto teria ocorrido perto da área militar de Deodoro e que, logo depois, “criminosos armados passaram atirando contra eles” e que “os bandidos estavam num carro branco e conseguiram fugir”. Vários militares confirmaram nos depoimentos que perderam o carro de vista e que atiraram quando voltaram a ver um veículo branco. Doze militares foram indiciados, nove tiveram a prisão preventiva decretada a pedido do procurador Luciano Gorrilhas, do Ministério Público Militar.

Em primeiro lugar, é preciso investigar porque militares do Exército estavam procurando um carro de assaltantes, já que isso não é atribuição das Forças Armadas. Em segundo lugar, ainda que fosse um carro com possíveis assaltantes, o Exército abriu fogo indiscriminadamente, sem sofrer qualquer ataque ou perigo. Quer dizer, ainda que o carro tivesse os fantasiosos assaltantes, o Exército teria cometido um crime.

Os soldados impediram que se realizasse uma perícia do crime, pois mexeram muito no corpo. Depois chegaram policiais do Exército à paisana e fizeram a mesma coisa no corpo de Evaldo. A cena do crime foi alterada. Segundo informações do advogado da família, João Tancredo: “Isso foi informado para a Civil que fez imediatamente um laudo. A Polícia do Exército (PE) não fez nada. Não teve perícia, não teve nada. Quem isolou o local foi um cunhado do Evaldo que é militar para garantir uma investigação adequada”, disse.

Rafael Daguerre

Fotógrafo, Repórter, Editor e Documentarista

Um dos fundadores da Mídia1508. "Ficar de joelhos não é racional. É renunciar a ser livre. Mesmo os escravos por vocação devem ser obrigados a ser livres, quando as algemas forem quebradas" ― Carlos Marighella.

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