Por Suzane Jardim
Vocês sabiam que o uso de mata-leão pelas forças da lei é desautorizado em várias cidades dos EUA?
Em Los Angeles, isso veio no final dos anos 80.
Em Nova York, desde 1993.
Em tese, a polícia não pode usar mata-leão em suspeitos e em imobilizações, sendo outras técnicas encorajadas pra isso.
Aí você me pergunta: e por quê?
Bom, porque foi mostrado e comprovado que o uso do mata-leão por agentes da lei estava causando a morte direta de uma série de pessoas – muitas delas eram só o que eram: suspeitas. Sem nenhuma prova pós-morte de que cometeram ou pretendiam cometer um crime. Ou seja, se um método de imobilização e contenção tem alta incidência de morte, então não é um modo de imobilização e contenção e sim um método letal.
O dado interessante é que mais de 3/4 das vítimas fatais do mata-leão eram negros. Os agentes policiais entendiam que, por serem negros, os suspeitos eram mais perigosos e por isso faziam uso do mata-leão com excesso de força, alegando legítima defesa – coisa que não costumavam fazer quando os suspeitos eram brancos.
Claro que ninguém na polícia disse em voz alta que a força excessiva era usada devido a negritude do suspeito. Na verdade, em 1982, Daryl Gates, então chefe da polícia de Los Angeles, justificou esse fato com essa afirmação: “Negros tem maior tendência a morrer com mata-leão porque as artérias deles não se abrem rápido como as artérias das pessoas normais”
Tudo biológico, nada racial…
Obviamente, como eu sempre digo e repito em toda circunstância, tanto a polêmica quando a proibição não fizeram com que o uso do mata-leão com força excessiva desaparecesse.
O caso mais famoso de morte por mata-leão causada por força policial na verdade é bem recente: Eric Garner, em julho de 2014.
Garner tava vendendo cigarro solto – o que é ilegal em Nova York. A polícia foi prender o cara por isso e ele resolveu discutir com o policial. Foi imobilizado e enforcado em um mata-leão pois entenderam que isso era resistência à prisão.
Durante o enforcamento, poucos segundos antes de finalmente morrer, Garner repetia desesperado “I can’t breathe” – “Não consigo respirar”.
Na ocasião, a última frase de Garner mobilizou pessoas, virou frase de ordem, levou multidões às ruas e fez do caso um símbolo da luta negra pelo direito a vida.
Aqui, a família de Eric Garner teria que lidar com frases como:
– Tava com conduta ilegal, era criminoso, o policial só tava fazendo o trabalho dele.
– Quem mandou discutir com a polícia? Fizeram certo!
– Você viu o tamanho dele? E se ele tivesse uma arma? Se tomasse a arma do policial? Antes um criminoso do que um policial.
– Se tivesse fazendo coisa certa a polícia não abordaria ele.
– Eu nunca fui enforcado pela polícia, é só não cometer crimes que isso não acontece.
– Menos um.
Suzane Jardim é historiadora, professora, militante anti-cárcere e pesquisadora em questão racial e criminologia.