PM de Rondônia cerca acampamento camponês e impede entrada de alimentos

Em um vídeo divulgado nesta quinta-feira (8), uma trabalhadora rural conta que as crianças da localidade já estão sem leite há quatro dias por conta da situação.

Imagem: Reprodução

Camponesas do acampamento Tiago dos Santos, em Porto Velho, denunciam que a Militar de está sitiando o local, onde vivem 600 famílias, mais de 2.400 pessoas, entre homens, mulheres e crianças. Segundo informação da Liga dos Camponeses Pobres (LCP), movimento social do qual participa a comunidade, um contingente de cerca de 300 PMs fortemente armados se encontra na a região e está atirando contra motos “ou qualquer coisa que se mova” no acampamento, impedindo a entrada de alimentos e a saída de moradores para comprá-los.

Em um vídeo divulgado nesta quinta-feira (8), uma trabalhadora rural conta que as crianças da localidade já estão sem leite há quatro dias por conta da situação.

“Desde segunda-feira que tá sem leite essas crianças. Nós somos trabalhadores, entendeu? Nós estamos aqui em busca da terra. Ninguém aqui é bandido não!” afirma a camponesa em um trecho da gravação.

A repressão contra os camponeses se intensificou desde o último final de semana, após a morte no sábado (3) do policiais militares José Figueiredo Sobrinho e Márcio Rodrigues da Silva, em uma fazenda em Nova Mutum Paraná, distrito da capital rondonense. Em reportagem veiculada no domingo (4), o “Fantástico”, programa da Rede Globo de televisão, divulgou que um efetivo de dezenas de policiais foi destacado para “investigar” o caso pelo governador de Rondônia, Coronel Marcos Paulo (PSL).

Apesar de o incidente ter ocorrido a quilômetros do acampamento, imprensa e autoridades têm buscado se valer do ocorrido para tentar incriminar os “posseiros da LCP”. Na manhã de segunda-feira (5), o presidente Jair Bolsonaro, conhecido inimigo dos movimentos de luta pela terra, engrossou o coro de incitação ao ódio aos camponeses, publicando em suas redes sociais um vídeo de uma da Liga, com os seguintes dizeres: “Tenho minha opinião, qual a sua?”.

No mesmo dia, o vice-líder do governo no Congresso, o senador Marcos Rogério (DEM-RO), protocolou junto ao Ministério da Justiça e Segurança Pública um ofício solicitando o envio para pelo Executivo Federal da Força Nacional para intervir no conflito. O parlamentar recomendou ainda que Bolsonaro avaliasse a possibilidade de instauração de uma “Garantia de Lei e Ordem – GLO”, instrumento que permite ao Estado brasileiro fazer uso de suas Forças Armadas contra seus próprios cidadãos.

Segundo Rogério, o pedido viria “no sentido de dar uma resposta firme a esses criminosos, protegendo a sociedade rondoniense e preservando a ordem pública contra as milícias rurais”. O ridículo do uso de palavras como “criminosos” e “milícias” no contexto do documento só conseguiu ser superado pela visita a Nova Mutum Paraná, nesta quarta-feira (7), do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) – notório investigado por corrupção e histórico defensor de milicianos em seu estado natal.

A Folha Rondoniense noticiou o fato da seguinte forma: o filho do presidente teria visitado “a região onde está ocorrendo um conflito por uma área de terra de 57 mil hectares tomada por membros da Liga dos Camponeses Pobres – e que resultou na morte dois policiais neste último fim de semana.” O que nenhuma empresa de comunicação, local ou de abrangência nacional, tem divulgado, no entanto, são os interesses a que atendem essa cruzada bolsonarista contra a camponesa.

Nada tem sido dito, por exemplo, sobre a estranha coincidência de, apenas um dia após a morte dos policiais, Sebastião Martins, irmão e advogado de Antonio “Galo Velho” Martins – latifundiário considerado o maior grileiro de Rondônia, haver ingressado com uma petição judicial demandando o cumprimento de uma liminar para despejar as famílias do Tiago dos Santos.

Em julho deste ano, o mesmo “Galo velho” e seu irmão chegaram a ser presos por formação de organização criminosa, falsificação de documentos e compra de sentenças dando as terras improdutivas como produtivas, além de ter bloqueados mais de 330 milhões de reais. O Juiz Federal Herculano Nacif, da 5.º Vara Federal em Porto Velho, já falecido, julgava todos os seus casos, inclusive tendo sido o responsável por derrubar o processo da desapropriação da terra onde hoje se encontra o acampamento, que os camponeses ocupam desde 2016.

De lá para cá, têm sido recorrentes as tentativas de intimidação policial e os ataques de pistoleiros – um dos quais terminou por ceifar a vida do militante Tiago dos Santos, homenageado por seus companheiros no batismo da comunidade.

Em uma nota públicada nesta sexta-feira (9), a chama atenção para a sabida participação de policiais militares nesses grupos de pistoleiros. “É de conhecimento público em RO que dentre os pistoleiros há sempre policiais reformados e da ativa, tal como comprova o publicamente conhecido, entre outros, o caso do sargento Moisés (da PM RO), na de nove camponeses, em Colniza-MT, em 19 de abril de 2017” afirma o texto.

“Porque tão ligeira e automaticamente essa imprensa venal de RO, o comando da PM e o secretário de segurança imputam a morte dos PM’s aos camponeses, quando é prática conhecida de policiais que servem de guaxebas a latifundiários torturar, assassinar e queimar carros?” questiona o movimento.

Na visão da Liga, é nítida a intenção de “demonização dos camponeses em luta pela terra para fazer despejos, prisões e massacres”:

“Em Rondônia, o comando da PM sabe, todo mundo sabe, que os esquemas de pistolagem do latifúndio funcionam por dentro e por fora daquela corporação, e geralmente quando há “desencontro”, conflitos de interesses ou outras contradições nos acertos da féria criminosa, a solução é muito violenta. Donde não se pode excluir as maquinações dos latifundiários com eliminações de policiais para provocar a demonização e fúria das forças repressivas do Estado contra os camponeses em luta pela terra, para exatamente expulsá-los” pontuam.

Mídia1508

A 1508 é um coletivo de jornalismo independente anticapitalista, dedicado a expor as injustiças sociais brasileiras e a noticiar as mobilizações populares no Brasil e no mundo.

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