Entidades indígenas e quilombolas criticaram nesta quarta-feira (08), os vetos do presidente Jair Bolsonaro ao Projeto de Lei 1142/2020, elaborado para diminuir o impacto da Covid-19 sobre comunidades tradicionais. Para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a atitude faz parte do “projeto genocida” do atual governo. “Bolsonaro assume publicamente com esses vetos a determinação de consumar o seu projeto genocida, de ‘limpar a área’”, afirmou a organização em nota.
Para a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), o descaso do governo federal para com a saúde das populações tradicionais já era algo esperado:
“Infelizmente, já tínhamos pouca expectativa em relação à sanção”, pontuou Givânia Silva, coordenadora da Conaq, que qualificou como “extremamente danosos” os vetos presidenciais.
Foram emperradas medidas essenciais para impedir que a pandemia siga se alastrando nos territórios: a garantia de acesso universal à água potável, distribuição de materiais para desinfecção de aldeias, a instalação de pontos de internet nas comunidades mais remotas e a elaboração de materiais educativos para a prevenção da doença em língua indígenas.
Bolsonaro vetou também a parte do texto que reforça a obrigação do Estado brasileiro de fornecer atendimento diferenciado para indígenas de média e alta complexidade, com oferta de leitos hospitalares, UTI e ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea, ignorando a alta taxa de letalidade do novo coronavírus nesses povos.
Ao todo, 455 indígenas já faleceram por covid-19 no país e 12.777 foram infectados, segundo levantamento realizado pelo Comitê pela Vida e Memória Indígena, que indica que 127 etnias já foram impactadas pela pandemia.
A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde — que não inclui dados dos indígenas que vivem em áreas urbanas — contabiliza apenas 184 óbitos e 8.098 casos confirmados. De acordo com a Apib, a mortalidade pelo coronavírus entre esses povos é de 9,6%, enquanto na população brasileira em geral é de 5,6%. Um estudo da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), em parceria com o Ministério da Saúde, revelou que a prevalência da covid-19 entre a população indígena urbana (5,4%) equivale a cinco vezes a encontrada na população branca (1,1%).
A Apib lembra que o artigo 231 da Constituição garante aos povos indígenas não somente “os seus direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, mas o respeito a “sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições”. Assim, diz a nota, “o Estado tem constitucionalmente a responsabilidade de atender de forma diferenciada” e “de se estruturar para tal finalidade”.
Outros dos itens excluídos pelo presidente previam a adoção de mecanismos para facilitar o acesso de indígenas, quilombolas e pescadores artesanais ao auxílio emergencial concedido pelo governo durante a pandemia. Com isso, foi aumentada a dificuldade para que esse segmentos tenham acesso a uma série de recursos, inclusive de benefícios sociais e previdenciários, sem a necessidade deslocamento até áreas urbanas.
O governo prejudicou especialmente as comunidades quilombolas: excluiu quilombos do Plano Emergencial de enfrentamento à Covid-19, impediu sua inclusão no Plano Nacional de Reforma Agrária e vetou a dotação de recursos da União para medidas de proteção territorial e sanitária.
Neste caso, o veto partiu do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, comandado pela ruralista Tereza Cristina (DEM-MS), ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária.
Na opinião de Onir Araújo, advogado da Frente Quilombola do Rio Grande Sul, o conjunto de vetos deixa nítida a maneira racista como as autoridades têm lidado com a questão:
“Nublado, cinza, molhado, encharcado, não de água nas torneiras, mas, de infâmias coloniais/racistas que inundam os corpos do Brasil Afroindígena Segregado, assim amanhece o oito de julho de inverno nesses tristes trópicos. Como se chama isso, dos vetos presidenciais à garantias para Indígenas/Quilombolas e alterações ao PL 1142?”, questionou em uma rede social.
Auto-Organização
Diante da opção do Estado brasileiro por agravar ainda mais as violações de seus compromissos constitucionais diante da pandemia, a auto-organização tem sido a única saída para enfrentar o problema.
A Apib destacou a decisão conseguida na ação direta de preceito fundamental (ADPF) ajuizada por ela no Supremo Tribunal Federal (STF), juntamente com outras organizações, e que foi acatada parcialmente pelo ministro Luis Roberto Barroso, obrigando o governo federal a tomar providências em defesa da saúde dos povos indígenas. A entidade elaborou ainda o seu próprio Plano de Enfrentamento ao COVID-19:
“Trata-se de um plano orientador para as ações das organizações indígenas vinculadas a APIB e instituições não indígenas parceiras. Para isso, propõe diretrizes gerais para a elaboração de planejamentos regionais e locais de ações a serem apresentados pelas organizações executoras das propostas. Nesse sentido, o plano será trabalhado de maneira cooperativa em todo território nacional com vistas a fortalecer e potencializar as ações em rede” explicou por meio de uma nota.
Para Onir, a decisão obtida no STF foi importante, mas é preciso que seja seguida também por outros tribunais no país:
“Espero que reverbere nas instâncias inferiores da Justiça Federal , que aqui no Rio Grande do Sul, negou liminar em Ações Civis Públicas ajuizadas pela Defensoria Pública da União, tendo inclusive o Ministério Público Federal arquivado representações feitas pelos Quilombolas com o mesmo objetivo e que abordavam exatamente a necessidade de protocolos, cestas básicas , itens de higiene e limpeza, acesso a água, energia, renda básica etc, para os povos” relata. “Lembrando que estamos em Julho , e o primeiro óbito em Porto Alegre foi em Março e a primeira Representação junto ao MPF foi protocolada em 18 de Março.”
Na avaliação do advogado quilombola, a mobilização precisa se voltar agora para o Poder Legislativo.”Temos que exigir que o Congresso derrube o vetos”.
[…] “atuariam como bombeiros e impediriam as queimadas”. Ao mesmo tempo, entidades e movimentos indígenas e quilombolas denunciam o governo Bolsonaro por implementar um “projeto genocida para limpar a área”, […]
[…] and murderous prison system. The new dangers threatening the lives of people in the countryside, Indigenous peoples, and the elderly reveal the social exclusion these groups have already been subjected to for […]