Na tarde deste domingo (7/4), militares do Exército mataram o cavaquinista Evaldo dos Santos Rosa, de 51 anos, após realizarem mais de 80 disparos contra o carro que o músico dirigia, onde estava também sua família e uma amiga, em Guadalupe, zona oeste do Rio. O sogro da vítima, até o momento identificado apenas como Sérgio, também foi baleado durante o ataque. Um homem que passava pela rua também foi ferido.
Por pouco, o crime dos militares não foi ainda maior: junto com Evaldo, estavam no veículo sua mulher e seu filho, de apenas sete anos, além de uma vizinha, que não foram atingidos.
“Quando eles (militares) começaram a atirar, minha tia pegou meu primo no colo e mostrou que era carro de família, mas mesmo assim eles não pararam de dar tiros”
relatou um dos sobrinhos do artista assassinado.
A vizinha, que não quis se identificar, denunciou à imprensa que os militares não fizeram nenhum tipo de sinalização antes de abrir fogo: “Eu não vi onde foi o tiro, mas eu acho que foi nas costas. só que a gente pensou que ele tinha desmaiado no volante (…) A gente saiu do carro, eu corri com a criança e ela também. A gente saiu do carro, e mesmo assim eles continuaram atirando”, afirmou.
“Tinha um morador passando aqui na hora, que tava aqui no meio, foi tentar ajudar o padrasto e também foi atingido no peito”, acrescentou a mulher, que estava indo junto com a família a um chá de bebê.
Mesmo após a confirmação da identidade da vítima, o Comando Militar do Leste, responsável pelo Exército no Rio de Janeiro, segue mantendo a fantasiosa versão de que dois homens teriam atirado contra os militares, que apenas teriam respondido à “injusta agressão” dos “assaltantes”.
“Nós somos trabalhadores e vocês são assassinos”
Vídeos que circulam nas redes sociais, registram a revolta dos moradores com o ocorrido. Em um deles, há o som dos disparos e logo em seguida um homem alerta: “É morador, porra!”.
“O Exército acaba de matar uma família agora”, diz a pessoa que registra a ação. A informação é de que um veículo da mesma cor teria sido roubado na região. “Pegaram os caras errados, os dois já foram”, segue o homem.
Em outro momento, o carro já está cercado de faixas e integrantes da Polícia Científica periciam o veículo.
Os moradores seguem inconformados. “Olha o que eles fizeram, esses filhos da puta”, grita um homem. “Nós somos trabalhadores e vocês são assassinos”, dispara uma mulher.
Conhecido como Manduca, Evaldo foi o primeiro cavaquinista do grupo de samba Remelexo da Cor. Nas redes sociais, o conjunto fez uma homenagem ao ex-integrante. “Olho pro céu e peço a Deus; Que mande a paz do sentimento verdadeiro dos mortais; Aqui embaixo o pesadelo está, demais, demais; Demais, demais, demais”, diz um trecho da postagem.
Atirar primeiro, perguntar depois
Não é novidade essa prática de atirar primeiro, perguntar depois, seja por parte do Exército ou seja pela polícia. Neste sábado (6) foi enterrado em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, o jovem Christian Felipe Santana, de 19 anos, que morreu após ser baleado em uma blitz do Exército também na Zona Oeste. Christian estava na garupa de uma moto com um amigo. Segundo o sobrevivente, que conduzia a moto, um dos soldados disse que o tiro acertou o jovem “porque o fuzil estava torto”.
O adolescente conta que havia saído escondido com a motocicleta da mãe, de Muriqui, na Região Metropolitana, para participar de um rolezinho de motos. Ao ver a blitz do Exército na Vila Militar, falou pro amigo Christian que não iria parar porque não queria que a mãe descobrisse a mentira.
“Devia ter uns quatro militares no meio da rua. Passei o primeiro, o segundo, o terceiro e ameacei parar no último e seguir. Quando segui, eu acelerei e só escutei o barulho, três a quatro tiros. Eu falei: ‘por que você atirou na gente? ‘ E ele falou: “meu fuzil tava torto. Meu fuzil tava torto. Eu fui pra atirar no pneu e acertei vocês”, contou o adolescente.
Christian levou um tiro de fuzil nas costas e já chegou morto no hospital. O amigo que pilotava também foi baleado duas vezes – no braço e na perna.
Na sexta-feira (5/4), quatro homens em dois carros furaram um bloqueio do Exército na Vila Militar, no bairro de Realengo, aproximadamente a 4,5 km da área central de Guadalupe. Um deles morreu, outro foi baleado e dois fugiram.
Os casos acontecem em um momento que o estado do Rio de Janeiro registra crescimento nas mortes provocadas por agentes da repressão. Em dois meses, o braço armado do Estado matou 305 pessoas, crescimento de 67% em dois anos e se tornando responsável por um a cada três homicídios dolosos registrados no Rio de Janeiro.
[…] e vejo um colega indignado com a notícia de mais uma morte violenta pela ação da polícia ou do exército no Rio de janeiro. A sensação de que algo está errado volta, agora com um tom mais macabro. […]