“Morte aos ricos”, gritam franceses em mais um protesto dos Coletes Amarelos

Bancos e restaurantes são incendiados em 18° protesto dos “coletes amarelos”.

Adeptos do movimento dos saquearam estabelecimentos comerciais e quebraram vitrines na região da avenida Champs-Elysées no 18° fim de semana consecutivo de protestos em Paris. Milhares de manifestantes se reuniram na manhã de sábado na emblemática avenida, onde por volta de meio-dia algumas barricadas continuavam pegando fogo. Vários grupos entoaram brados anticapitalistas e contra a polícia, que teve seus agentes e viaturas atacados com pedras e barras de ferro.

A fúria dos manifestantes focou símbolos da riqueza e da ostentação que facilmente se encontram nas ruas da capital francesa. O “Fouquet’s”, restaurante dos ricos e famosos na França, foi um dos alvos. Primeiro, as pedras e a destruição do terraço e do interior. Depois, com coquetéis molotov, os manifestantes colocaram fogo em parte do espaço. Em uma rua próxima, um carro de luxo foi incendiado. Na avenida Franklin Roosevelt, travessa da Champs-Elysées, um grupo ateou fogo a uma agência bancária localizada no térreo de um edifício residencial. Lojas como as da Hugo Boss, Lacoste e Nespresso também foram atacadas.

Em uma vitrine foi escrito “morte aos ricos”. Os protestos começaram logo cedo, às 10h30 no horário local (6h30 em Brasília), nas proximidades do Arco do Triunfo. Manifestantes construíram barricadas e atacaram carros da polícia, que usou bombas de gás lacrimogêneo contra a multidão. Mais de 200 pessoas foram detidas.

Há semanas não eram vistas em cenas de saques e confrontos como essas, que lembram as que ocorreram na mesma avenida no final de novembro e começo de dezembro e cujas imagens correram o mundo.

Manifestante em frente a uma barricada em chamas durante o protesto dos em no sábado / Foto: Reuters

A manifestação de ontem ocorre um dia após o encerramento do “grande debate nacional” promovido pelo presidente francês Emmanuel Macron, supostamente para “ouvir” as demandas das ruas. Para muitos dos a manobra governamental não passou de uma cortina de fumaça.

Mesmo não estando claro de que forma os protestos continuarão, manifestantes como Van-Thanh Nguyen, francês de origem vietnamita que participou de 16 dos 18 atos, afirmam que continuarão lutando “até que as coisas mudem”. “Macron é uma marionete do sistema”, declarou à imprensa local Nguyen, um desempregado de 60 anos que mora no subúrbio parisiense de Seine Saint-Denis.

O reprografista Gabriel Bordalampé, que veio da região de Estraburgo (leste francês), defendeu as ações diretas. “Hoje era preciso que houvesse quebra-quebra, senão ninguém nos escutaria”. Para ele, o governo trata quem participa do movimento como ignorante. “Mas o problema não é Macron. São 40 anos de política. Ou nos escutam agora, ou não sei o que vai acontecer.”

O movimento

As políticas neoliberais aplicadas na França pelos ex-presidentes Nicolas Sarkozy e François Hollande, mas principalmente pelo atual, Macron, resultaram em um congelamento de salários e aposentadorias por dez anos, o que significou uma perda de poder de compra dos trabalhadores entre 7 e 10%. E, ao mesmo tempo, os impostos e as taxas aumentaram de forma constante para a maioria da população, bem como o custo da energia (o preço do gás subiu 20% em 10 anos, e ele é importante para os franceses, por causa do aquecimento), enquanto os serviços públicos foram sendo cada vez mais sucateados, principalmente nas áreas rurais.

Do outro lado da escala social, os presentes do Estado para os patrões se multiplicaram: bilhões de euros em créditos fiscais para grandes empresas, eliminação do imposto sobre a riqueza, mudança das faixas tributáveis para o benefício dos mais ricos e enormes salários de dezenas de milhões de euros por ano para os altos executivos de multinacionais.

A decisão de Macron, anunciada em novembro do ano passado, de criar um imposto “ecológico” sobre a gasolina e o gás foi a gota d’água. No começo, os bloqueios espontâneos reuniram multidões com o slogan de recusar o aumento nos preços da gasolina e do diesel.

De modo descentralizado, organizadas em grupos locais, mais de 280 mil pessoas participaram da mobilização vestindo coletes amarelos, obrigatórios em todos os carros e símbolo de emergência.  No campo, o automóvel é a única maneira de se locomover e o combustível é uma grande despesa para as famílias.

Ao longo das semanas, diante do desprezo demonstrado por Macron, que recusa qualquer discussão, as palavras de ordem se politizam e radicalizam. Partidos e grupos de extrema direita são expulsos das manifestações. “Representantes” autoproclamados, que se propõem a negociar com o governo em nome do movimento, também são rechaçados.

Os passam a exigir o reajuste universal do salário mínimo, uma reavaliação das aposentadorias para compensar a inflação, a eliminação das taxas sobre combustíveis e da Contribuição social geral, que aumentou significativamente para os aposentados em 2018, e a volta do imposto sobre grandes fortunas.

Mas a reivindicação central se torna o assim chamado “Referendo de Iniciativa Cidadã” (RIC). Seu princípio é simples: caso um número suficiente de cidadãos demande, um referendo pode ser organizado sobre toda questão de interesse público – lei, texto constitucional, exoneração de um político eleito, entre outras. O sucesso desta pauta é revelador de uma profunda desconfiança em relação às instituições do país.

No início de dezembro, a brutal política de de Macron cria uma situação de significativa nos grandes protestos em e em outras cidades. São muitos feridos e milhares as detenções. Em 8/12, mais de 500 pessoas são presas “preventivamente” antes do início das manifestações. Os condenados por “violência e degradação” não têm perfis de “bandidos”: são soldadores, eletricistas, carpinteiros e vivem em pequenas cidades do interior.

Apesar da criminalização, os seguem tendo o apoio de mais de 70% dos franceses. Diante dessa popularidade, o governo se vê forçado a mudar sua estratégia. Em 10 de dezembro, Macron faz um discurso televisionado durante o qual  anuncia uma série de medidas: aumento no salário mínimo (sob certas condições), extinção de impostos e do projeto de aumento do combustível.

Os manifestantes se dividem: uma grande parte quer seguir com os atos e os bloqueios, mas a continuidade da mobilização é difícil. Em qualquer caso, é um movimento que deixará marcas e não será facilmente extinto.

“Morte aos ricos” em uma das vitrines da Champs-Elysées / Foto: Reuters
Manifestantes quebram agências bancárias / Foto: Reuters
Manifestantes incendeiam bancas em uma das principais ruas comerciais da cidade / Foto: Reuters
Manifestantes incendeiam lojas em uma das principais ruas comerciais de Paris / Foto: Reuters

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Rafael Daguerre

Fotógrafo, Repórter, Editor e Documentarista

Um dos fundadores da Mídia1508. "Ficar de joelhos não é racional. É renunciar a ser livre. Mesmo os escravos por vocação devem ser obrigados a ser livres, quando as algemas forem quebradas" ― Carlos Marighella.

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