Quatro adolescentes detidos durante protesto contra Bolsonaro em São Paulo, nesta terça-feira (30/10), já estão há duas noites sendo mantidos na Fundação Casa, antiga Febem, instituição correicional do estado. A apresentação ao juiz da Vara da Infância e Adolescência, que decidirá se eles continuarão presos ou não, deverá acontecer apenas hoje (1/11). Um outro adolescente preso, que tem mais de 18 anos, passou por audiência de custódia ontem no Fórum Criminal da Barra Funda, zona oeste da cidade, nesta quarta-feira (31/10) e foi colocado em liberdade provisória, mas vai continuar responder por “dano qualificado” e “desacato”. As acusações foram feitas em boletim de ocorrência da 78º DP, nos Jardins.
As “testemunhas” – apenas os próprios policiais – afirmaram ao delegado que os cinco teriam atirado pedras na sua direção e depredado duas agências bancárias, ação que teria causado “substancial prejuízo às empresas vitimas [sic]”. Além disso, teriam gritado palavras de ordem contra o racismo da polícia militar (daí o suposto “desacato”). No documento, o delegado Luis Guilherme Pinheiro decretou a prisão “preventiva” e o indiciamento do jovem maior de idade e a internação dos 4 adolescentes na Fundação Casa para “manutenção da ordem pública”. A instituição correcional é conhecida por seu histórico de tortura contra seus internos, em geral jovens pretos e pobres.
A advogada Maira Pinheiro, que acompanhou os adolescentes na delegacia, destacou que alguns deles nem tinham participado da manifestação. “Um deles foi detido a caminho do Terminal Bandeira, esse jovem sequer participava do ato, estava com uma amiga na praça e quando as bombas começaram, decidiu ir embora. Já outro estava dentro do terminal já, comprando um pão de queijo, quando tomou uma rasteira dos policiais e foi detido, sem qualquer razão”, afirma. Ela chamou atenção para o fato de, inclusive, haver um vídeo circulando na internet que comprova as suas afirmações.
Presente no momento das detenções, o advogado Ariel de Castro Alves destacou a ilegalidade do procedimento. “Eles precisam ter provas efetivas para prender em flagrante como vídeos, testemunhas”, explica. Ele conta que as prisões só aconteceram após a dispersão do ato, que foi bastante tumultuada, com os policiais atirando bombas e os manifestantes lançando garrafas contra a repressão. “Em casos assim, os PMs não conseguem individualizar as condutas e acabam pegando os primeiros jovens que encontram pela frente como bodes expiatórios para mostrar serviço diante de danos em bancos, lojas e o próprio confronto mesmo.”
Além dos cinco adolescentes, um sexto jovem foi detido logo no início do ato, segundo os policiais, por “demonstrar enfrentamento”. As “provas”: uma máscara de gás e uma camiseta com dizeres antifascistas. Os PMs também também acusaram Vitor Meneguim, de 18 anos, de estar com um bastão e combustível, o que não conseguiram sustentar. Vitor chegou a ir até a delegacia, mas foi liberado em seguida.
A Frente Estadual pelo Desencarceramento SP publicou uma nota condenando as prisões e criticando a organização do ato por não ter oferecido o devido apoio jurídico aos jovens vítimas das arbitrariedades. O comunicado denúncia que no momento da detenção do primeiro manifestante, ainda durante a concentração, os movimentos responsáveis pela convocação da manifestação não tomaram nenhuma providência a respeito. O protesto foi puxado pelas frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, ambas ligadas a partidos da esquerda institucional.
“Em um ato convocado por frentes de esquerda amplas, com condições de viabilizar respaldo jurídico, inclusive por meio de mandatos no poder legislativo, é irresponsável que não tenham sido destacados advogados para ficarem à disposição, sobretudo levando em conta a conjuntura política em que estamos inseridos”, afirma um trecho do documento.
“Assim como não acreditamos na narrativa imposta pela sistema de justiça criminal estruturalmente racista, patriarcal e burguês quanto à existência de corpos matáveis, também não acreditamos na existência de manifestantes puníveis ou passíveis de criminalização, sejam eles autônomos ou partidários, sejam pacíficos ou adeptos a outras táticas de luta.” conclui o texto.
Confira a nota na íntegra:
NOTA DA FRENTE ESTADUAL PELO DESENCARCERAMENTO
No dia 30 de outubro de 2018, ao final do ato convocado pela Frente Brasil Popular e pela Povo Sem Medo em resistência à ameaça fascista representada na figura do candidato eleito à Presidência Jair Bolsonaro, 5 jovens foram detidos, sendo só um deles maior de 18 anos. Por volta das 23h eles foram levados à delegacia, aonde pernoitaram, acompanhados por uma única advogada voluntária. Durante o trajeto foram agredidos pelos policiais militares, e alguns dos depoimentos foram prestados sem a presença de seus responsáveis. Os 4 adolescentes foram transferidos para a Fundação Casa na tarde do dia 31/10, e o adulto foi levado ao Fórum da Barra Funda, onde compareceu a Audiência de Custódia e foi liberado. Os jovens permanecem na Fundação, e serão submetidos a oitiva informal no dia de hoje, 01/11, na qual o Promotor decidirá se será mantida ou revogada a internação provisória.
Cabe ressaltar também que os cinco jovens não foram os únicos detidos na manifestação. Antes mesmo do ato começar a caminhar, em meio a falas no carro de som, um jovem também foi levado para o 78°DP por estar com uma máscara de gás e uma camiseta com dizeres antifascistas. Segundo os policiais, conforme veiculado pela Ponte Jornalismo, a camiseta demonstrava “enfrentamento”. O ocorrido não foi levado em consideração pela organização do ato e, novamente, foi preciso que um advogado voluntário acompanhasse o jovem na delegacia, que após algumas horas foi liberado sem nenhuma ocorrência.
Nós, da Frente Estadual pelo Desencarceramento SP, queremos manifestar nossa solidariedade aos familiares dos cinco jovens, bem como expressar nossa preocupação com a falta de cuidado em relação à segurança dos manifestantes no ato e ao desamparo por eles vivenciado.
É fundamental que em momentos de uma escalada do autoritarismo, exista uma rede de proteção para garantir que os manifestantes possam exercer seu direito à luta. Em um ato convocado por frentes de esquerda amplas, com condições de viabilizar respaldo jurídico, inclusive por meio de mandatos no poder legislativo, é irresponsável que não tenham sido destacados advogados para ficarem à disposição, sobretudo levando em conta a conjuntura política em que estamos inseridos.
Assim como não acreditamos na narrativa imposta pela sistema de justiça criminal estruturalmente racista, patriarcal e burguês quanto à existência de corpos matáveis, também não acreditamos na existência de manifestantes puníveis ou passíveis de criminalização, sejam eles autônomos ou partidários, sejam pacíficos ou adeptos a outras táticas de luta.
É fundamental que todo apoio e solidariedade sejam destinados a quem ousa lutar e enfrentar as violências do Estado.
Lutar não é crime e ninguém deve ficar para trás!