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Justiça por Moïse: protesto no Rio reúne milhares de pessoas

Moïse veio para o Brasil como refugiado em 2011. O jovem foi covardemente espancado até a morte com mais de 30 pauladas, boa parte, quando já estava imobilizado. Diversos protestos pelo país denunciam o classismo, o racismo e a xenofobia.

Congoleses arrancam placa do quiosque Tropicália, na Barra, local em que Moïse foi assassinado - Foto: Rafael Daguerre/1508

Protestos por todo o  foram realizados no último sábado (5) para denunciar o brutal assassinato de Moïse Kabagambe e exigir justiça.

Em todo o país, as manifestações pautaram as questões de classe, a exploração capitalista, o racismo e a xenofobia, relações sociais que estão intrinsecamente ligadas ao assassinato do jovem congolês.

Milhares de pessoas se reuniram na orla da Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, em frente ao quiosque Tropicália, local onde Moïse foi espancado até a morte. A manifestação contou com a participação da Comunidade Congolesa do Brasil – RJ, familiares e amigos, inúmeros movimentos sociais e organizações políticas de esquerda.

A mãe de Moïse, Lotsove Lolo Lavy Ivone, de 43 anos, esteve no protesto. Uma tia do jovem estava no ato e, segundo informações, ela passou mal e foi levada para o Hospital Municipal Lourenço Jorge.

Além dos congoleses, angolanos e outros imigrantes africanos estiveram presentes ao ato. A comunidade africana era a mais revoltada. Com uma forma única de protestar, cantavam e dançavam em forma de combate e realizavam gritos de ordem:

Moïse, trabalhador! Moïse, trabalhador! Tropicália, assassino! Tropicália, assassino! Moïse, trabalhador! Moïse, trabalhador! Tropicália, assassino!

Assista:

Ainda em frente ao quiosque, revoltados e cercados por dezenas de jornalistas e câmeras, manifestantes da comunidade africana arrancaram e destruíram a placa com o nome “Tropicália”, local onde Moïse trabalhava por comissão e onde seu corpo foi encontrado amarrado.

Assista o momento em que a placa é retirada e quebrada:

Em seguida, a manifestação saiu em caminhada pela orla da praia.

Parte do ato, em sua maioria, imigrantes africanos, voltou para frente do quiosque e novamente elevaram a tensão de um possível ataque ao local.

Revoltadas, algumas pessoas queriam incendiar o quiosque desde o início, mas desta vez, após a caminhada pela orla, a cercou os quiosques — Biruta e Tropicália — e até a Tropa de Choque da PM estava posicionada para reprimir a manifestação.

Vale destacar que o protesto foi realizado em várias regiões do e há também registro em outros países: São Paulo, Salvador, Brasília, São Luís, Recife, Belo Horizonte, Natal, Porto Alegre, Londres entre outras cidades pelo Brasil e pelo mundo.

O brutal assassinato

Moïse Kabagambe, um jovem de 24 anos, trabalhava por comissões nos quiosques Tropicália e Biruta. O congolês foi vítima de um espancamento e recebeu mais de 30 pauladas e golpes de taco de beisebol, após cobrar direitos trabalhistas, por dois dias de pagamentos atrasados. Parte das agressões ocorreram quando ele já estava imobilizado. O corpo dele foi encontrado amarrado em uma escada no local, sem vida.

Ele foi espancado enquanto clientes compravam refrigerante e a testemunha afirma que os agressores disseram para “não olhar”.

Ainda segundo testemunhas, os agressores afirmaram que o congolês estava “assaltando as pessoas” e queriam “dar um corretivo” nele. Guardas municipais foram chamados, mas nada fizeram. A testemunha conta ainda que os autores mentiram para os socorristas, afirmando que o corpo já estava no local do crime. O que contradiz a versão dos assassinos, de que “não tinham a intenção de matar”.

Até o momento, três agressores flagrados pelas imagens de uma câmera de segurança do próprio quiosque estão presos pelo crime. Indiciados, a princípio, por homicídio duplamente qualificado.

Intimidação da PM

Parentes do congolês relataram à Folha de S.Paulo que dois policiais interferiram quando foram ao quiosque conversar com funcionários. As intimidações ocorreram três vezes, dias depois da morte, quando o caso ainda não tinha se tornado público. A família disse à Folha que tinha ido ao quiosque para saber o que havia acontecido com Moïse. Os PMs, segundo os parentes, interferiram nas perguntas.

“O policial fardado com arma, pedindo seu documento com aquele tom de voz, daquele jeito da Militar do Rio de Janeiro. Eu sou negro, já passei por batida policial quando estava com uniforme de serviço indo trabalhar, aí você não está uniformizado, começam a te perguntar… quem não fica intimidado?”, afirmou um tio do congolês à Folha.

Comunidade congolesa durante o protesto por Moïse — Foto: Stella Nemer/1508

Três presos

Três homens que aparecem nas imagens da câmera de segurança do próprio quiosque agredindo Moïse foram presos. São eles:

Fábio Pirineus da Silva, o Belo, confessou ter dado pauladas no congolês. Ele estava escondido na casa de parentes em Paciência, na Zona Oeste; Aleson Cristiano de Oliveira Fonseca, o Dezenove, de 27 anos, que admitiu ter participado das agressões, mas disse que “ninguém queria tirar a vida dele”; Brendon Alexander Luz da Silva, o Tota, que aparece nas imagens das agressões imobilizando Moïse no chão.

Mais dois homens podem ser vistos nas imagens, e ainda que não tenham agredido Moïse, não fizeram nada para ajudá-lo. No vídeo, é possível ver um funcionário trabalhando, pegando bebida em um freezer amarelo, enquanto Moïse está imobilizado e é espancado no chão.

O Biruta, que ficado ao lado do Tropicália, tem como dono um policial militar chamado Alauir Mattos de Faria, onde Moïse trabalhou depois que parou de trabalhar no quiosque Tropicália, onde foi morto. É no Biruta que também trabalhava como garçom Aleson, um dos homens que desferiu diversas pauladas em Moïse, quando estava imobilizado no chão.

Até o momento o nome do dono do Tropicália não foi divulgado.

Há suspeitas de que os quiosques da orla da sejam controlados pela milícia – ou por milícias. Segundo investigações, o estabelecimento é ocupado de forma irregular. Segundo a Orla Rio, detentora dos direitos de concessão pública de alguns quiosques da Praia da Barra da Tijuca, o operador responsável pelo local é Celso Carnaval, que possui um processo judicial para reintegração de posse do quiosque.

A Orla Rio explicou que o contrato foi feito com Celso Carnaval, que sem a permissão da concessionária passou a operação para Alauir.

A concessionária suspendeu o funcionamento dos dois quiosques que estão envolvidos nas investigações, o Tropicália e o Biruta. 

Mídia1508

A 1508 é um coletivo de jornalismo independente anticapitalista, dedicado a expor as injustiças sociais brasileiras e a noticiar as mobilizações populares no Brasil e no mundo.

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