PM mata nove pessoas em 12 horas em favelas do Rio

Duas pessoas foram assassinadas no Morro dos Prazeres, em Rio Comprido; seis no Morro do Juramento, em Vicente de Carvalho, e uma no Morro da Providência, no Centro.

Imagem: Reprodução

Entre a noite de segunda-feira (26) e a manhã de ontem (27), a Polícia levou o terror a uma série de favelas e bairros do Rio de Janeiro, com intensos tiroteios em diversos pontos na região central e na zona norte da cidade. Ao todo, foram nove pessoas mortas pela corporação em um intervalo de apenas 12 horas: duas no Morro dos Prazeres, em Rio Comprido; seis no Morro do Juramento, em Vicente de Carvalho, e uma no Morro da Providência, no Centro. Disparos também foram registradas na da Mangueira.

Entre as vítimas fatais, estão o vigia Denis Francisco Paes, 46, e o marceneiro Gemerson Patrício de Souza, 47. Outra das pelo menos 18 pessoas baleadas foi a caixa de supermercado Bruna Barros Viana, de 39 anos, atingida no pescoço.

Morador do Morro dos Prazeres, Denis foi baleado na perna, socorrido para o hospital Souza Aguiar, no centro, mas não resistiu.

De acordo com Bruno Vieira Paes, 19, um dos sete filhos da vítima, foram os policiais que iniciaram os disparos.

“Meu pai estava subindo para casa e no trajeto ele acaba passando por uma boca de fumo. A polícia estava escondida em uma casa e de repente saíram atirando. Acertaram meu pai e outras pessoas. Um morador foi quem socorreu primeiro meu pai, colocou ele no carro. Ele foi baleado na perna esquerda, chegou com vida no hospital, mas faleceu às 2h20. Ainda estávamos no hospital nesse horário, mas ninguém falou nada” denuncia.

Já Gemerson foi alvejado quando passava na passarela localizada acima da Avenida Pastor Martin Luther King Jr., na altura da estação do de Tomás Coelho. Ele foi levado para o Hospital Municipal Salgado Filho, no Méier, onde acabou vindo a óbito.

“Foi uma morte muito estúpida. O meu marido foi morto a passos do trabalho. A gente não consegue acreditar” revoltou-se a fiscal de caixa Amanda Ferreira de Souza, de 41 anos, viúva do marceneiro. Ele deixa dois filhos do primeiro relacionamento: um rapaz de 25 anos e um garoto de apenas oito, com quem planejava se encontrar no próximo fim de semana.

Bruna estava em uma van, na Rua Barão de Petrópolis, no bairro do Rio Comprido, quando foi alvejada no pescoço por um tiro. Ela foi conduzida ao Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro. A mulher estava a caminho da casa da filha de 19 anos, no Rio Comprido, que fez aniversário nesta terça-feira (27).

Informações iniciais apontavam que ela não conseguia mover as pernas e os braços. No entanto, segundo a família, o quadro de foi estabilizado. O médico informou à família que por muito pouco ela não faleceu. 

Proibição do STF

A ação sanguinária da PM ocorre duas semanas após uma audiência pública para discutir a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, conhecida como a “ADPF das Favelas”. O objetivo do debate foi coletar informações que subsidiem um plano de redução da letalidade policial no estado do Rio, incluindo a proibição das operações policiais em favelas e periferias durante a pandemia. A medida foi estabelecida por uma uma liminar assinada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, em junho do ano passado.

No entanto, mesmo com a decisão judicial, em momento algum da pandemia, as operações deixaram de ser realizadas nessas localidades. Somente na região metropolitana do Rio, foram 337 ações realizadas desde o início das medidas de isolamento social, em março de 2020, até fevereiro deste ano, segundo levantamento do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI-UFF). 

Em relação diretamente proporcional ao número de operações, está a quantidade de vítimas. No total, foram 193 mortos e 132 feridos durante o período. O mês de janeiro deste ano registrou 33 vítimas fatais, enquanto em fevereiro foram 38. Os números representam mais de uma pessoa morta por dia.   

Em comparação com os dois últimos meses de 2020, a letalidade policial aumentou 161%, enquanto o número de feridos em incursões subiu 140%. E o total de óbitos provocados por ações policiais em favelas no primeiro bimestre deste ano supera em mais de 20% o número registrado no mesmo período do ano anterior, quando a determinação do STF ainda não havia entrado em vigor. 

Excepcionalidade?

A proibição das operações em favelas foi determinada “salvo em casos absolutamente excepcionais, que devem ser devidamente justificados por escrito pela autoridade competente e comunicados ao Ministério Público estadual”. Ou seja, a decisão estabeleceu a obrigação para a PM de explicar a finalidade de cada uma de suas intervenções desse tipo ao Ministério Público do Rio (MP-RJ), órgão incumbido do controle externo da atuação policial.

No entanto, a maneira como o MP-RJ realiza essa atividade é questionada por pesquisadores e movimentos sociais que acompanham o tema. Eles denunciam que o órgão só é notificado depois que acontecem as operações, o que compromete a sua fiscalização. Além disso, demandam transparência do MP-RJ sobre os critérios utilizados para permitir ou não as incursões policiais.

“Quando uma operação resulta em morte e não estava planejada, a polícia diz que era um patrulhamento de rotina, e que seus agentes responderam à injusta agressão de opositores e por isso não estava justificada junto ao Ministério Público” explicou Pablo Nunes, coordenador da Rede de Observatórios da Segurança, durante a audiência no STF, que foi realizada no último dia 19.

Na ocasião, o pesquisador destacou ainda o caráter racista da política de “guerra às drogas” vigente no Estado: “A lógica é racista, porque a violência atinge as favelas e 86% das vítimas de ação policial letal no são negras, como mostrou a pesquisa A Cor da Violência, da Rede de Observatórios” expôs.

Mídia1508

A 1508 é um coletivo de jornalismo independente anticapitalista, dedicado a expor as injustiças sociais brasileiras e a noticiar as mobilizações populares no Brasil e no mundo.

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