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Conheça o Joseph Safra que a imprensa ignora: um corrupto que apoiou a ditadura e enriqueceu com ela

Apoiadora da ditadura militar, a família Safra conseguiu aumentar exponencialmente seu patrimônio nos anos 60 graças ao bom relacionamento com a alta burocracia do regime.

O palacete do banqueiro Joseph Safra no bairro do Morumbi, em São Paulo / Foto: Reprodução

O palacete do banqueiro Joseph Safra no bairro do Morumbi, em São Paulo, erguido em estilo eclético, com detalhes inspirados na arquitetura do Palácio de Versalhes, tem 130 cômodos distribuídos por cinco andares e uma infraestrutura completa que inclui heliponto, nove elevadores, entrada de energia capaz de abastecer uma cidade de 2.000 habitantes e até uma piscina subterrânea. A área construída da mansão é de 11.000 metros quadrados – quase o dobro do tamanho do Museu do Ipiranga. A residência figura como uma das propriedades mais caras do mundo. Apesar disso, a mansão quase não era utilizada, já que Joseph Safra passou as últimas décadas vivendo em uma de suas propriedades na Suíça.

Falecido na última quinta-feira (10) aos 82 anos, Joseph Safra era o homem mais rico do Brasil, com uma fortuna estimada em 120 bilhões de reais. Era também o banqueiro mais rico do mundo. O Banco Safra é o 4º maior banco privado do país, com ativos superiores a 230 bilhões de reais. Em 2019, o lucro líquido da instituição foi de 2,2 bilhões de reais – montante inteiramente direcionado a aumentar o patrimônio de seu proprietário, uma vez que o Banco Safra é uma empresa de capital fechado e o Brasil é um de apenas dois países do mundo que não cobram impostos sobre a distribuição de lucros e dividendos. Os herdeiros de Safra também poderão desfrutar de sua fortuna de forma quase integral, já que o Brasil possui uma das menores alíquotas de impostos sobre herança do mundo.

Joseph Safra nasceu em uma família de banqueiros sírio-libaneses de ascendência judaica. A família, proprietária do Banco Jacob E. Safra, imigrou para o Brasil nos anos 50, fundando o Banco Safra S.A. em 1957. O patriarca da família, Jacob Safra, legou uma grande fortuna aos seus três herdeiros – Joseph, Edmond e Moise. Edmond morreu em um e Moise vendeu sua participação na instituição financeira ao irmão, que passou a ser o único controlador do banco.

Apoiadora da ditadura militar, a família Safra conseguiu aumentar exponencialmente seu patrimônio nos anos 60 graças ao bom relacionamento com a alta burocracia do regime. Os Safra foram enormemente beneficiados pelos incentivos dados pelo governo federal aos empresários do Sul e do Sudeste para a aquisição de grandes extensões de terras a preços irrisórios, com estímulos fiscais da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). Em 1967, a família Safra adquiriu um gigantesco latifúndio de 50 mil hectares na Bacia do Araguaia, uma região de ocupação tradicional do povo Xavante, expulso pelos militares com o fim de abrir caminho para a exploração comercial do território. A área de vegetação pantaneira foi inteiramente desmatada para a criação de gado e plantação de soja, sob gestão de duas empresas pertencentes ao Grupo Safra – a Pastoril Agropecuária Couto Magalhães S.A. e a Agropecuária Potrillo S.A.

Joseph Safra durante jantar anual de Confraternização dos Dirigentes de Bancos, no Grand Hyatt Hotel, em São Paulo, em novembro de 2010 — Foto: Renata Jubran/Estadão Conteúdo

Anos depois, Joseph Safra ampliaria os investimentos no setor agrícola, formando uma joint venture com a Cutrale (gigantesca corporação do setor de cítricos) para adquirir ao custo de 1,3 bilhão de dólares a multinacional estadunidense Chiquita Brands. A empresa é a sucessora da United Fruit Company, que ao longo do século XX financiou ativamente a derrubada de democracias latino-americanas, ajudando a consolidar no poder uma série de ditaduras militares subordinadas aos interesses corporativos dos Estados Unidos. Entre várias outras ações criminosas, a United Fruit Company foi responsável pelo infame Massacre das Bananeiras de 1928, quando mil grevistas foram metralhados no município de Aracataca, na Colômbia. O Grupo Safra também é coproprietário da Aracruz Celulose, maior produtora mundial de celulose branqueada. A Aracruz é acusada de ocupar ilegalmente terras de povos e quilombolas e de causar graves danos ambientais, incluindo a contaminação de ecossistemas com dioxina, um material altamente cancerígeno.

Joseph Safra foi alvo de várias investigações criminais na última década. No âmbito da Operação Zelotes, o banqueiro foi acusado de pagar 15,3 milhões de reais em propinas para obter posicionamentos favoráveis do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), um órgão da Receita Federal. Safra chegou a ter parte de seu patrimônio temporariamente bloqueado durante a investigação, mas foi absolvido, a despeito das acusações dos promotores sustentarem o seu envolvimento direto no esquema. Em 2019, como desdobramento da Operação Lava Jato, o Ministério Público da Suíça acusou o Banco Safra de acobertar dinheiro proveniente de corrupção e condenou Joseph Safra a pagar 10 milhões de dólares de multa por ter conduzido operações fraudulentas em benefício de Paulo Maluf. Já no Brasil, Safra foi acusado de participar de um esquema de lavagem de dinheiro pelo doleiro Dario Messer, mas o procuradores da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, chefiados por Deltan Dallagnol, resolveram arquivar as denúncias sem qualquer investigação sobre o conteúdo da delação.

Após a morte do banqueiro, a imprensa brasileira ignorou todas essas controvérsias, preferindo exaltar o seu “espírito empreendedor” e suas “atividades filantrópicas”, tratadas de forma genérica, sem detalhar qual o alcance desse legado. A economia de detalhes explica-se pela irrelevância para o público nacional. As ações filantrópicas de Joseph Safra concentram-se quase que inteiramente nos e em Israel: bolsas de estudo para alunos judeus e contribuições financeiras para sinagogas, universidades e centros médicos israelitas. Safra não doou um centavo para a reconstrução do Museu Nacional do Rio de Janeiro, mas legou um precioso tesouro ao Museu de Israel – um manuscrito original de Einstein sobre a Teoria da Relatividade, adquirido em um leilão em Nova York por alguns milhões de dólares. No Brasil, a atividade filantrópica de Joseph Safra limitou-se à edição de catálogos, doação de cinco cópias de estátuas de Rodin para a Pinacoteca de São Paulo, contribuições financeiras para hospitais privados frequentados pela elite paulistana, como o Sírio Libanês e o Albert Einstein, além da reforma da Sinagoga Beit Yaacov, templo situado entre os luxuosos domicílios do bairro nobre de Higienópolis, na região central da capital paulista.

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Texto publicado originalmente na página
Pensar a História.

Mídia1508

A 1508 é um coletivo de jornalismo independente anticapitalista, dedicado a expor as injustiças sociais brasileiras e a noticiar as mobilizações populares no Brasil e no mundo.

14 Comentários

  1. Informações chegam pra população que tem interesse em leitura. Nunca tivemos a informação dos dois lados. Assim nós podemos ter nossas próprias conclusões. Texto muito bom. A internet é um grande meio de informação.

  2. Sempre por detrás de uma riqueza incalculável haverá uma pobreza demasiadamente imensurável regada por um espírito sórdido, podre e desumano.
    Nossos jovens tem que ler tal matéria a fim de que o engano não venha perpetuar em vossas mentes.

  3. Esse é mais um bandido retirado de circulação pelo Pai e que escapou da justiça dos “homens” mas com certeza agora prestará contas direitinho.

    • “Venceu” roubando, conduzindo quadrilha, praticando corrupção ativa e passiva, mandando matar e apoiando criminosos e regimes criminosos.

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