Chile: um jogo de futebol que não deveria ter iniciado

Do lado de fora do estádio Monumental dois mortos, do lado de dentro, a maior preocupação da Conmebol era manter a bola rolando. A notícia se espalhou e gerou revolta da torcida do lado de dentro.

Torcedores invadem o campo do estádio Monumental, em Santiago, Chile — Foto: Agência Aton

Na última quinta-feira (10), após a morte de dois torcedores durante o jogo de futebol entre Colo-Colo e Fortaleza pela Copa Libertadores, a torcida chilena se revoltou e interrompeu a partida no estádio Monumental David Arellano, em Santiago, invadindo o campo durante o segundo tempo.

Segundo informações, os jovens torcedores foram atropelados por um veículo da polícia durante uma confusão para entrar no estádio antes do início da partida. Uma jovem de 18 anos e um menino de 13 são as vítimas.

Testemunhas detalharam que a viatura da polícia passou por cima de uma cerca, esmagando os jovens, o que levou dois policiais a serem indiciados, mas não foram detidos. O veículo policial é o que lança gases tóxicos, conhecido no Chile como zorrillo.

A irmã de uma das vítimas fatais, Bárbara Pérez, fez um relato contundente do ocorrido e culpou a ação da polícia. “Vamos levar isso até o fim. Vou entrar com uma ação judicial e preciso de ajuda jurídica. Esta é uma família completamente destruída e eu me incluo. Minha mãe está arrasada e não sei como vamos continuar com isso. Peço que me ajudem.”

A partida válida pela fase de grupos da Copa Libertadores foi suspensa quase duas horas depois da paralisação.

Dirigentes da Conmebol, entidade que controla o futebol sul-americano, buscou até o último minuto reiniciar o jogo, mesmo diante de duas pessoas mortas que tentavam assistir a partida.

Emiliano Amor, do Colo-Colo, conversa e contém torcedores que invadiram o campo durante uma partida da Copa Libertadores contra o Fortaleza, no Estádio Monumental em Santiago, Chile, na quinta-feira dia 10.04.2025 — Foto: Esteban Felix/AP Photo

Conmebol e o jogo que não deveria ter iniciado

Um apito inicial equivocado, um jogo de futebol que não deveria ter sido iniciado, mas sabemos que o futebol, hoje, é muito mais um negócio do que um esporte. São milhões envolvidos, anúncios publicitários e tantos outros motivos que não deveriam pesar, mas pesam.

A prioridade da Confederação Sul-Americana de Futebol deveria ser o respeito e o luto, não o cumprimento frio de um protocolo. Talvez seja exigir muito de uma entidade que ignora inúmeros casos de racismo nos estádios. Ou os trata com uma simples multa.

Se houve invasão de campo no estádio Monumental, a razão era uma só, o “show” não deveria continuar.

Uma das maiores torcidas organizadas do Colo-Colo, a Garra Blanca, publicou na manhã da sexta-feira (11) um comunicado sobre o ocorrido. Sob o título “Vingança — Duas Vidas Valem Mais que Três Pontos” a organização disse que “não é a primeira vez que a instituição [policial] acaba com a vida dos nossos nas imediações do estádio Monumental”.

A organizada destaca que nos últimos 15 anos quatro colegas de torcida foram atropelados nas proximidades do estádio Monumental, resultando em suas mortes.

Grades derrubadas no entorno do Estádio Monumental em Colo Colo x Fortaleza — Foto: AFP

Do lado de fora do estádio Monumental dois mortos, do lado de dentro, a maior preocupação da Conmebol era manter a bola rolando. A notícia se espalhou e gerou revolta da torcida do lado de dentro.

Em um vídeo, torcedores do Colo-Colo fizeram aquilo que a Conmebol deveria ter feito: informaram aos jogadores do clube que duas pessoas morreram pela polícia na tentativa de entrar no estádio.

Ao receberem a notícia, os jogadores colocam a mão na cabeça em tom de desespero. Um do jogadores sinaliza com as mãos sugerindo que a partida não pode continuar. Em resposta, os torcedores informam que vão invadir o gramado e impedir a partida contra o Fortaleza de continuar – como protesto pela morte dos dois torcedores.

É difícil entender e até defender a entidade. Ao mesmo tempo em que emitiu nota nas redes sociais lamentando a morte dos dois torcedores e dizendo ‘estamos juntos neste momento difícil’, a Conmebol esperava com irritante paciência algum sinal de que haveria possibilidade de retomar a partida. Esse sinal, é claro, nunca veio. E nunca deveria vir.

Juscelino Filho, jornalista

A irmã da jovem morta, Bárbara Pérez, em entrevista à imprensa local, disse que ela tinha ingresso, a entrada estava em seu celular.

Camila, irmã do menino de apenas 13 anos, afirmou em conversa com a Chilevisión, canal de televisão chileno, que seu irmão compareceu ao estádio com um grupo de amigos, entre menores e adultos.

A imprensa mais uma vez levanta debates no mínimo questionáveis ao tentar descobrir, por exemplo, se as vítimas tinham ou não ingressos, fato irrelevante diante das duas mortes.

A pergunta que a imprensa deve se fazer é: se os torcedores do Colo-Colo não invadissem o campo e forçassem a suspensão da partida, as mortes teriam toda essa repercussão e visibilidade da própria mídia?

Lado de fora do Estádio Monumental em Colo Colo x Fortaleza, após protestos — Foto: AFP
Grades derrubadas no entorno do Estádio Monumental em Colo Colo x Fortaleza — Foto: AFP

No vídeo, torcedores atacam uma viatura da polícia do lado de fora do estádio Monumental David Arellano, em Santiago.

Mídia1508

A 1508 é um coletivo anticapitalista de jornalismo independente, dedicado a expor as injustiças sociais e a noticiar as mobilizações populares no Brasil e no mundo.

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