Manifestantes picham a palavra "nazista" em cartaz da AfD na Alemanha - Foto: Alamy

Chamando as coisas pelo nome: AfD é o avanço do neonazismo

Crescimento de partido alemão herdeiro do hitlerismo nos lembra o real significado da extrema direita.

Boa parte da imprensa tenta ignorar ou esconder o que representam as denominações “ultradireita”, “direita radical ” e “extrema direita”. Ouvindo seus analistas, quase somos levados a esquecer aquilo que elas realmente significam: o nazifascismo, em suas variadas encarnações.

“Toda vez que a palavra fascismo é invocada”, escreve o filósofo marxista Gabriel Rockhill, “somos ritualisticamente redirecionados pela ideologia dominante para o mesmo conjunto de exemplos históricos peculiares na Itália e na Alemanha, que supostamente servem como padrões gerais com os quais julgamos quaisquer outras possíveis manifestações do fascismo. De acordo com uma metodologia alheia aos princípios da ciência, é o particular que rege o universal, e não o contrário”.

E continua: “Em sua forma ideológica mais extrema, isso significa que se não existem botas de cano alto, saudações de SiegHeil e soldados marchando a passos de ganso, então não podemos dizer que se trata daquilo que é comumente conhecido como fascismo.”

O recente crescimento eleitoral do partido Alternativa para a Alemanha (AfD) tem desafiado os limites dessa postura negacionista e anticientífica em torno do tema. Desta vez, não só o cenário é o mesmo de uma das ilustrações “clássicas”, como alguns dos personagens têm até vínculos familiares com aqueles do enredo original.

É o caso da liderança da legenda, Alice Weidel, neta do importante juiz nazista Hans Weidel, nomeado diretamente por Hitler e responsável por sentenciar opositores do Reich. Ou da ex-deputada Beatrix von Storch – recebida por Bolsonaro quando este era presidente – neta de outro dos homens de confiança do Führer, seu ministro das finanças Lutz Schwerin von Krosigk.

As duas se inserem na tendência cada dia mais em voga no extremismo de direita mundial de buscar rostos femininos para sua agenda autoritária, discriminatória e anticlasse trabalhadora. A pensadora feminista Giorgia Serughetti denomina esse expediente de “maternalismo identitário”.

A ideia é precisamente fazer da contradição uma ferramenta de marketing eleitoral. Algo que Weidel – lésbica e casada com uma imigrante do Sri Lanka – consegue levar a um outro patamar.

Ao apresentar uma figura que foge ao estereótipo de liderança reacionária tradicional, o AfD projeta uma imagem de suposta modernidade, ao mesmo tempo em que mantém intactas suas políticas fascistas.

Weidel não anda por aí marchando ou repetindo o infame gesto da “saudação romana” (pelo menos, não ainda). Mas entre seus simpatizantes não falta quem o faça: de paramilitares presos por suspeita de tentativa de golpe de Estado ao bilionário supremacista branco Elon Musk. Todos atraídos pelo discurso de ódio a minorias propagado pela agremiação, não raro acompanhado de manifestações de nostalgia pelo regime hitlerista bem pouco sutis.

Flagrado em 2010 participando de um comício abertamente neonazi, o deputado pela sigla Björn Höcke é conhecido por incitar seus seguidores com o slogan “Alles für Deutschland!” (“Tudo pela Alemanha!”). Trata-se do antigo lema da SA, os “camisas pardas”, milícia nazista notória por seus atos terroristas, praticados, sobretudo, contra judeus e comunistas.

Já Siegbert Droese, indicado pelo partido para o parlamento europeu, se demonstra mais sentimental. Em uma foto de anos atrás, aparece posando com a mão sobre o coração em frente ao Wolfsschanze, a “toca do lobo”, um dos quartéis generais em que Hitler planejou o Holocausto. Não fosse o bastante, Droese emplacou um de seus carros com a matrícula “AH 18 18“, em que tanto as letras quanto os números fazem referência codificada às iniciais do ditador.

Contra todas essas evidências (e muitas outras), ainda persiste a hesitação em se chamar as coisas pelo nome. É nos explicado que não se pode dizer que o AfD seja “formalmente” neonazista, já que não se autodeclara enquanto tal – o que seria um crime pela legislação alemã atual.

Ficamos imaginando como seria se a mesma “lógica” fosse aplicada a outros tipos penais. O sujeito vai lá e mata alguém em praça pública, mas não podemos falar que seja um assassino ou as autoridades tomarem qualquer providência a respeito, pois ele próprio se diz inocente.

A leniência contrasta com a dura repressão ao movimento pró-Palestina no país, volta e meia rotulado como “antissemita” e cerceado em seu direito à liberdade de manifestação. Enquanto isso, o AfD despista acusações nesse sentido por meio de um enfático apoio ao Estado de Israel. Ou seja, não devem ser chamados de nazistas justamente por defenderem a limpeza étnica e o genocídio.

Difícil não lembrar aqui das palavras de Malcolm X: “Se você não tomar cuidado, os jornais te farão odiar as pessoas que estão sendo oprimidas, e amar as que estão oprimindo”.

Ricardo Pitta

Redator e revisor.

Rafael Daguerre

Fotógrafo, Repórter, Editor e Documentarista

Um dos fundadores da Mídia1508. "Ficar de joelhos não é racional. É renunciar a ser livre. Mesmo os escravos por vocação devem ser obrigados a ser livres, quando as algemas forem quebradas" ― Carlos Marighella.

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