“Libertem Gaza”: palestinos protestam na Cisjordânia ocupada

De acordo com o Ministério da Saúde da Palestina, Israel matou 130 palestinos na Cisjordania desde o 7 de outubro, incluindo dois que morreram na prisão em circunstâncias ainda pouco esclarecidas.

Manifestantes palestinos entram em confronto com as forças israelenses após uma manifestação em apoio à Faixa de Gaza, na cidade de Nablus, na Cisjordânia, sexta-feira, 13 de outubro de 2023 — Foto: AP Photo/Majdi Mohammed

Nos últimos dias, enquanto Israel intensifica seus ataques à Faixa de Gaza, milhares de palestinos de toda a ocupada têm protestado contra o tratamento dispensado aos seus compatriotas.

De Nablus, no norte, até Hebron, no sul, jovens avançaram em direção aos postos de controle israelenses, atirando pedras e queimando pneus nas ruas.

O território tem sofrido níveis crescentes de violência em meio ao conflito Israel-Gaza incluindo ataques de milícias de colonos israelenses. Em reação, os residentes palestinos declararam uma geral na quarta-feira (1).

No último sábado (28), uma massa de pessoas se reuniu em Ramallah, entoando palavras de ordem como “Libertem Gaza!” e “O povo quer as brigadas al Qassan!”, em referência ao braço armado do Hamas. Bandeiras e faixas do partido também eram exibidas, ao lado das de outras organizações políticas palestinas.

Uma filmagem divulgada pelo canal News mostra palestinos sendo dispersados em Nablus pelo que se diz serem forças da Autoridade Palestina.

Criado pelos Acordos de Paz de Oslo e comandado pelo moderado Fatah, o órgão, que administra os setores de educação, segurança e saúde da Cisjordânia, não goza de muito prestígio entre os seus jurisdicionados. Segundo levantamento realizado pelo Centro Palestino de Pesquisas em Política e Estudos de Opinião, 63% o veem como um fardo, cuja existência atende apenas aos interesses de Israel.

As revoltas de sábado ocorrem um dia após as tropas israelenses terem matado quatro palestinos durante uma ofensiva ao amanhecer no norte da Cisjordânia. Na mesma manhã, as forças ocupantes destruíram um memorial em em homenagem à jornalista da Al Jazeera Shireen Abu Akleh, deixando em escombros também a rua onde ela foi assassinada a tiros pelo exército de Israel.

De acordo com o Ministério da Saúde da Palestina, Israel matou 130 palestinos na Cisjordania desde o 7 de outubro, incluindo dois que morreram na prisão em circunstâncias ainda pouco esclarecidas.

Em Jerusalém, um grande número de policiais israelenses manteve guarda em torno da Mesquita Al-Aqsa, um ponto crítico e frequentemente palco de confrontos, enquanto os palestinos se reuniam para as orações de sexta-feira. Em um dado momento, a repressão disparou gás lacrimogêneo contra a multidão, segundo a Reuters.

Foi a terceira semana consecutiva em que fiéis foram impedidos de entrar no templo, considerado o terceiro lugar mais sagrado do mundo pelos muçulmanos. Eles foram obrigados a fazer suas orações do lado de fora da Cidade Velha, se reunindo à beira das estradas enquanto as forças de segurança observavam.

Somente após muitas horas, um grupo de cerca de 5.000 idosos foi autorizado a entrar. O Departamento de Dotações Islâmicas de Jerusalém, responsável pela mesquita, disse que normalmente em torno de 50 mil pessoas participariam das atividades religiosas.

Palestino faz o sinal da vitória durante marcha de com a Faixa de Gaza, na cidade de Ramallah, na Cisjordânia, em 27 de outubro de 2023 — Foto: Aris Messinis/AFP

Tensões provocadas por colonatos ilegais

Mesmo antes do ataque do Hamas a Israel, 152 palestinos da foram mortos entre janeiro e julho, conformes dados da ONU – o que faz do semestre o mais sangrento na região desde 2005.

A tensão foi alimentada por um aumento das agressões por parte de colonos judeus e pelas detenções e despejos quase diários de palestinos realizados por militares israelenses. Nos primeiros seis meses de 2023, o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários registou “591 incidentes relacionados com colonos, resultando em vítimas palestinas, danos materiais ou ambos”.

Mais de 500 mil israelenses vivem em quase 150 colonatos na Cisjordânia, onde moram cerca de 2,5 milhões de palestinos. A comunidade internacional considera esses assentamentos ilegais e um grande obstáculo à paz. Israel capturou a Cisjordânia, juntamente com Gaza, na guerra de 1967. Os palestinos reivindicam esses territórios para o seu futuro estado.

Mesmo sem o respaldo do direito internacional, em junho, um plano para expandir a judaica na Palestina foi anunciado pelo premier Benjamin Netanyahu, líder do governo considerado o mais à extrema direita da história de Israel.

O ministro da segurança nacional que o auxilia nessa empreitada é Itamar Ben-Gvir, um colono ultranacionalista condenado pelo próprio judiciário israelense por apoiar uma organização terrorista e incitar o racismo anti-árabe em 2007.

Em julho de 2023, já após ter sido empossado no cargo, Ben-Gvir despertou a ira dos palestinos ao invadir por três vezes a Mesquita Al Aqsa. Na mais recente delas, na manhã do dia 27 daquele mês, surgiu acompanhado de mais mil colonos, que realizaram ritos talmúdicos no santuário islâmico, sob escolta das forças da ocupação.

“Este lugar é importante para nós e temos de voltar a ele e provar nossa soberania”, alegou o político em mensagem de vídeo. “A união nacional de Israel é importante”, acrescentou, usando o manto do nacionalismo para tentar blindar a corrupta e autoritária administração Netanyahu, àquela altura alvo de massivos protestos da sociedade israelense.

Enquanto era produzida a peça de propaganda extremista, soldados israelenses impediam fiéis palestinos de atravessarem as vielas da Cidade Velha para realizar suas preces matinais.

As invasões a Al-Aqsa por colonos e militares se tornaram frequentes, como parte dos esforços sistemáticos da para apagar a identidade árabe-islâmica de Jerusalém Oriental e impor em seu lugar a “soberania” (leis-se: supremacia) judaica. Algumas alas mais fundamentalistas do sionismo chegam a pregar a demolição da histórica mesquita e a construção de uma sinagoga em seu lugar.

O desejo de aniquilamento nutrido por esses segmentos em relação ao povo palestino não se restringe apenas aos seus símbolos culturais e religiosos. Mira também a sua existência física.

Tão logo ocorreram os ataques do Hamas, Ben-Gvir se reuniu com líderes de assentamentos e prometeu distribuir 10 mil rifles de assalto para milícias de colonos.

A Corporação Pública de Radiodifusão de Israel informou que as armas seriam distribuídas a “equipes de segurança” voluntárias.

O desenrolar dos acontecimentos na Cisjordânia após o anúncio de Ben-Gvir ilustram bem o tipo de “segurança” que seu armamentismo visa promover.

Na mesma semana, um vídeo mostrou um colono com uma espingarda de assalto entrando na aldeia de Al-Tuwani, no sul do território, e a disparando à queima-roupa contra um palestino desarmado.

Dois dias antes, colonos mataram a tiros os jovens Hasan Abu Sorour, de 16 anos, Obayda Abu Sorour, de 17, e Musab Abu Reda, de 25, na aldeia de Qusra, perto da cidade de Nablus, no norte da Cisjordânia. Também foram filmados abrindo fogo contra o funeral das vítimas, deixando mais dois mortos – Ibrahim Wadi. 63, e seu filho, Ahmad, 26 – de acordo com o Ministério da Saúde palestino.

A maioria dos ataques provém de colonatos mais recentes, estabelecidos sem autorização governamental oficial, e serve ao propósito da grilagem de terras.
Além disso, é comum seus perpetradores usaram uniformes militares ou estarem acompanhados de soldados israelenses.

Foi o que ocorreu em Wadi Seeq, uma pequena aldeia beduína, de cerca de 200 moradores no centro da Cisjordânia.

Eles já haviam transferido todas as mulheres, crianças e animais para uma área mais segura devido às ameaças crescentes, quando foram surpreendidos pelos tiros dos colonos, que deixaram três palestinos feridos.

Líder da comunidade, Abdelrahman Kaabni conta que, enquanto fugiam das balas, deixaram para trás cisternas, gado, painéis solares e dois veículos. “Os colonos levaram tudo e agora estão ocupando nossas casas”, denunciou Kaabni à Associated Press.

Os pogroms são coordenados por meio de grupos de Whatsapp que os colonos criaram após o início do atual conflito em Gaza. Um deles, com mais de 800 participantes, convocava os israelenses para “uma atividade conjunta com as forças de segurança para a demolição imediata de casas terroristas”.

A mensagem instava os integrantes a “eliminarem” qualquer palestino que se aproximasse de um assentamento.

“Pelas histórias que chegam da Faixa de Gaza, fica claro que não podemos confiar apenas no exército para nos proteger em tempos de caos”, dizia. “Você está pronto para a guerra?”

Manifestantes palestinos entram em confronto com as forças israelenses após uma manifestação em apoio à Faixa de Gaza na cidade de Nablus, na Cisjordânia, sexta-feira, 13 de outubro de 2023 — Foto: AP Photo/Majdi Mohammed

Mais de 8.500 mortos em Gaza

Até agora, pelo menos 8.525 pessoas foram mortas em Gaza desde o início do conflito, incluindo 3.542 crianças – mais do que as que morreram em conflitos em todo o mundo em cada um dos últimos quatro anos.

Combatentes palestinos e forças israelenses travaram combates intensos no bairro de Zeitoun, localizado a sudeste da Cidade de Gaza, informou um correspondente da Al Jazeera. Os bombardeios continuaram no norte de Gaza enquanto as incursões israelenses eram realizadas em diferentes pontos do enclave.

Hani Mahmoud, reportando de Khan Younis, disse que a Faixa de Gaza mergulhou em um blecaute quase total de comunicações pouco depois da meia-noite de quarta, o segundo incidente desse tipo desde a semana passada.

“A parte difícil disto é a incapacidade de saber exatamente o que está acontecendo”, disse Mahmoud. “Está se tornando cada vez mais difícil compreender a situação na parte norte da Faixa de Gaza”.

De acordo com as Nações Unidas, desde o 7 de julho, apenas 84 caminhões de ajuda humanitária tinham entrado no território pela fronteira com o Egito, em comparação com os 500 que costumavam entrar diariamente antes do início do conflito. No final de semana, milhares de pessoas desesperadas invadiram armazéns em busca de alimentos.

Enquanto a água, os medicamentos, o combustível e a comida escasseiam, o esgoto e o lixo se acumulam nas ruas, aumentando a probabilidade de surtos de doenças infecciosas como a cólera e a disenteria.

Gaza esteve sob um blecaute quase total de comunicações por cerca de 36 horas após os ataques aéreos israelenses na sexta-feira, justo no momento em que Israel mais intensificava seus bombardeios e iniciava as primeiras incursões por terra.

Organizações como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch alertaram que a falta de comunicações dificultou os esforços para documentar as violações de direitos humanos.

Somente no domingo a internet e a telefonia foram parcialmente restauradas, mas os serviços médicos ficaram tão sobrecarregados que não atendiam mais chamadas, de acordo com a Reuters. Os feridos dependiam de voluntários para os levarem para tratamento.

Alguns dos residentes ficaram aliviadas ao descobrir que os seus entes queridos em Gaza ainda estavam vivos. Outros receberam a temida notícia de que os seus familiares e amigos tinham sido mortos nos bombardeios mais pesados desde o início da atual campanha militar israelense.

“Estes são os alvos, os alvos da são as crianças”, gritou um palestino angustiado que transportava o corpo imóvel de um bebê no centro de Gaza, enquanto apontava para a criança que segurava e para outra, aparentemente morta, embalada nos braços de um segundo homem:

Shaban Ahmed, um funcionário público que trabalha como engenheiro e tem cinco filhos, descreveu os ataques israelenses no fim de semana como um “dia do juízo final”.

“Esta manhã, domingo, descobri que meu primo foi morto em uma ataque aéreo contra a casa deles na sexta-feira”, disse à Reuters Ahmed, que permaneceu na cidade de Gaza apesar de um alerta israelense para evacuar o sul. “Só soubemos hoje. Israel isolou-nos do mundo para nos eliminar, mas estamos ouvindo sons de explosões e estamos orgulhosos de que os combatentes da resistência os tenham detido a metros de distância.”

Shaban Ahmed, funcionário público
Manifestantes palestinos carregam feridos durante confrontos com as forças israelenses após uma manifestação em apoio à Faixa de Gaza na cidade de Nablus, na Cisjordânia, sexta-feira, 13 de outubro de 2023 — Foto: AP Photo/Majdi Mohammed

Diretor da ONU admite genocídio

Craig Mokhiber, diretor do escritório de Nova York do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos (ACNUDH) deixou o cargo nesta terça-feira (31). Em uma carta, ele disse que Gaza é um caso clássico de genocídio.

“Mais uma vez estamos vendo um genocídio acontecer na frente dos nossos olhos, e a Organização a que servimos parece impotente para interromper”, escreveu Mokhiber ao alto comissário da ONU em Genebra, Volker Turk.

Oficialmente, a ONU tem evitado falar em genocídio, se limitando a descrever a situação como uma” ameaça de crimes de guerra”, o que já deixou o governo de Israel profundamente irritado.

Mokhiber afirma ainda que os EUA, o Reino Unido e grande parte da Europa “são totalmente cúmplices desse terrível ataque” e que esses países estão ” fornecendo apoio econômico e de inteligência e dando cobertura política e diplomática para as atrocidades de Israel”.

Na opinião do funcionário, nas últimas décadas, partes importantes da ONU “se renderam ao poder dos e ao medo do lobby de Israel”, abandonando seus princípios e “se afastando do próprio direito internacional”.

Ele também critica a “mídia corporativa ocidental, cada vez mais capturada e adjacente ao Estado”, que tem “desumanizado continuamente os palestinos para facilitar o genocídio e transmitido propaganda para a guerra e defesa do ódio nacional, racial ou religioso”.

Mídia1508

A 1508 é um coletivo de jornalismo independente anticapitalista, dedicado a expor as injustiças sociais brasileiras e a noticiar as mobilizações populares no Brasil e no mundo.

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