Entidades de direitos humanos espanhóis e marroquinas pediram uma investigação sobre o confronto que deixou 23 pessoas mortas em Melilla, fronteira de Marrocos com a Espanha, no norte da África.
No dia 24 de junho, cerca de 2.000 migrantes tentaram cruzar a fronteira que separa a cidade de Melilla com a Espanha. As imagens retratam a brutalidade e o racismo contra migrantes negros, tratamento bem diferente ao dado aos ucranianos pelo governo espanhol, que em março deste ano acolheu 1.000 refugiados vindos da Ucrânia e preparava condições para acomodar mais 12.000 pessoas.
O governo marroquino mobilizou um grande número de agentes que “cooperaram ativamente” com as forças de segurança da Espanha para reprimir os migrantes. A repressão resultou em 23 pessoas assassinadas e centenas de feridos. O número de mortos pode ser maior.
Melilla é uma das duas fronteiras da União Europeia (UE) que estão em solo africano. Os migrantes cruzam a fronteira com a Espanha como porta de entrada para a Europa. A travessia do dia 24 marca a primeira tentativa de migração em massa para o território desde a reabertura da fronteira no início deste ano. Milhares de requerentes de asilo fizeram a perigosa viagem a Melilla para fugir da miséria, a falta de emprego e guerras.
Os migrantes vêm de Marrocos e da vizinha Tunísia, bem como de Mali, Burkina Faso, Camarões, Costa do Marfim e Sudão. Segundo o governo de Melilla, 133 dos cerca de 2.000 migrantes que tentaram atravessar a fronteira conseguiram chegar à cidade “após romper com um alicate a grade de acesso do posto de controle fronteiriço”.
Dos 133 que cruzaram para Melilla, 80% vêm do Sudão, principalmente de Darfur, região em conflito que empurrou mais de dois milhões de pessoas para o exílio, a maioria delas hospedadas em países vizinhos como Uganda. É uma situação política e social muito grave e que o próprio governo espanhol reconheceu no ano passado, quando concedeu proteção internacional a 92% dos sudaneses que a solicitaram. Hoje, a chegada dessas mesmas pessoas é criminalizada como um atentado à integridade territorial do Estado.
Um grupo de direitos humanos acusou as forças de segurança do Marrocos de usar violência “injustificada” contra migrantes que tentam forçar a passagem por uma cerca na fronteira entre o país do norte da África e o enclave espanhol de Melilla.
Amin Abidar, porta-voz da Associação Marroquina de Direitos Humanos, disse que os migrantes foram “maltratados” pelas forças de segurança marroquinas durante a ofensiva na fronteira.
Ele descreveu como os migrantes ficaram presos no chão por horas sem assistência médica. O grupo de direitos humanos compartilhou vídeos nas redes sociais que mostravam dezenas de migrantes, alguns sangrando e deitados imóveis no chão, com as forças de segurança marroquinas de pé sobre eles. Assista abaixo:
Abidar disse à agência de notícias DPA que o número final de mortos provavelmente será muito maior e pediu às autoridades marroquinas que realizem uma “investigação urgente e justa” sobre o incidente.
Cinco outros grupos de direitos humanos no Marrocos e na Espanha apoiaram o pedido de investigação.
A Comissão Espanhola para Refugiados descreveu o que disse ser “o uso indiscriminado da violência para gerenciar a migração e controlar as fronteiras”. O grupo disse que a falta de ação das forças de segurança provavelmente levou a muito mais mortes. A violência impediu que requerentes de asilo elegíveis chegassem ao solo espanhol.
O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sanchez, bastante hipócrita e racista condenou o “ataque violento” dos imigrantes, que chamou de “ataque à integridade territorial” da Espanha. Na sexta-feira, Sanchez elogiou os oficiais de ambos os lados da fronteira por combaterem “um ataque violento e bem organizado”. “Se há alguém responsável por tudo o que parece ter acontecido naquela fronteira, são as máfias que traficam seres humanos”, acrescentou Sanchez.
A existência de inúmeras redes mafiosas que se organizam e lucram com a transferência de migrantes por diferentes rotas para e dentro da Europa também não é nova. Simplificar a chegada de 2.000 subsaarianos como de responsabilidade unicamente das máfias, tentando justificar atos de violência contra as vítimas dessas redes de tráfico de pessoas, é inadmissível. É racismo.
Em março deste ano, um jovem migrante negro que tentava pular a cerca da fronteira de Melilla foi espancado por policiais. Assista:
Sanchez ignora o fracasso, não só da Espanha, mas também da União Europeia (UE), na luta contra essas redes de tráfico, culpabilizando as vítimas. Melilla, juntamente com Ceuta, outro enclave espanhol a oeste, são as duas únicas fronteiras terrestres da UE com o continente africano.
Nos últimos anos, ambas as cidades têm vivido conflitos dramáticos na fronteira envolvendo migrantes que tentam chegar à Europa.
Não há qualquer informação das pelo menos 23 pessoas que perderam a vida na fronteira hispano-marroquina naquele dia. Marrocos escondeu rapidamente as provas do seu crime da forma mais desumana possível. Cadáveres não identificados, escondidos com urgência, a milhares de quilômetros de distância de tantas famílias que hoje continuam se perguntando sobre seu paradeiro.