Indígenas Truká destroem templo da Assembleia de Deus

A ação foi tomada após um pastor da agremiação, Joabson Avelino, divulgar um vídeo em suas redes sociais no qual debochava da espiritualidade tradicional do povo originário.

Foto: Reprodução

No último sábado (24), Truká destruíram um templo evangélico da Assembleia de Deus que estava sendo construído sem autorização dentro do seu território na Ilha da Assunção, no município pernambucano de Cabrobó. A ação foi tomada após um pastor da agremiação, Joabson Avelino, divulgar um vídeo em suas redes sociais no qual debochava da espiritualidade tradicional do povo originário.

“O pajé tá dizendo que o espírito de luz dele não tá descendo não. Só se cortaram a energia dele lá. É que eles tão orando lá e o espírito de luz não tá descendo. E não desce mesmo não, porque maior é o que está conosco” afirma Joabson, durante a gravação.

A atitude desrespeitosa do neopentecostal revoltou as lideranças da etnia. “Pra quem não sabe, quando se fala de direito, vai na Constituição lá, no 231, no 232, na Lei 6.001, que diz que o usufruto é exclusivo para crenças, usos e tradições do povo da gente. Isso quer dizer que da ponte pra cá é a nossa igreja. Então se não querem ter a de vocês invadida, não invadam a nossa!” declarou o cacique Neguinho Truká.

A fala de Neguinho foi reforçada pelo também cacique Bertinho Ciríaco: “Não impedimos que o cara seja de qualquer religião. Da ponte pra lá pode construir templo, pode até catequizar Cabrobó, evangelizar Cabrobó tudo. Agora aqui dentro do nosso território tem que manter a tradição, manter o respeito à comunidade indígena, tem que ter o respeito às lideranças e os caciques, que é quem estão na luta pelo direito da terra. Porque nossos antepassados sofreram, morreram, derramaram seu sangue aqui dentro desse território pra hoje nós estarmos aqui” se indignou o jovem líder.

Assista as imagens da derrubada do templo:

Após o protesto, Bertinho publicou ainda uma nota de esclarecimento sobre o ocorrido. “Em nenhum momento as lideranças foram procuradas pelo pastor para dar anuência para referida construção, por diversas vezes os representantes da Assembleia aqui na Ilha de Assunção foram procurados para conversar, mas mesmo diante da decisão da organização interna, os mesmo continuaram a insistir na construção de uma igreja” explica o texto.

“Nós não fomos às redes sociais difamar a religião de ninguém, pelo contrário, fomos nós que tivemos nosso sagrado desrespeitado pelo pastor. Imaginem se fôssemos nós que tivéssemos difamado a religião do pastor e achando pouco, fôssemos construir uma aldeia na sua igreja” questiona.

A Luta do Povo Truká

Habitantes seculares da Ilha da Assunção, no rio São Francisco, e das ilhotas no seu entorno, os Truká tiveram suas terras apropriadas desde pelo menos o século XVIII por autoridades coloniais do Império e, mais recentemente, da República.

Somente na década de 40 do século XX, houve espaço político para ser iniciado um processo de reivindicação da terra junto ao Serviço de Proteção aos Índios (SPI), graças aos contatos mantidos entre os Truká e os de Rodelas. Por meio destes, os Truká ficaram sabendo da existência do SPI e da possibilidade de, obtendo seu apoio, serem capazes de impedir o processo de expulsão que vinha se iniciando por parte dos compradores das terras das ilhas.

Após trocas de correspondências, telegramas e deslocamentos feitos ao Recife e à antiga capital federal (Rio de Janeiro), o grupo conseguiu que o SPI instaurasse uma Ação de Nulidade de Venda e Reintegração de Posse das terras originais.

O Estado de Pernambuco, ignorando a ação impetrada pelo SPI, comprou então parte da ilha da Assunção, a maior do arquipélago, para criar, em 1965, um núcleo de colonização. O empreendimento foi entregue à Companhia de Revenda e Colonização (CRC), que passou a distribuir lotes individualizados para colonos de fora.

Entre os anos 1980 e 1990, uma onda de violência se abateu sobre a comunidade: sequestros, torturas e assassinatos passaram a ser praticados contra os por pistoleiros de fazendas locais, muitas das quais haviam abandonado a pecuária para se dedicar ao cultivo da maconha.

Apesar dos ataques, a década de 1990 assistiria à aceleração da retomada do território Truká. A mobilização do povo manteve-se num processo contínuo, culminando com a recuperação de todo o arquipélago no ano de 1999, quando todas as fazendas foram ocupadas e o gado que havia nelas expulso. Como há apenas uma ponte que liga a grande ao continente, esta acabou servindo como corredor para a gigantesca boiada, que se dispersou pelas ruas de Cabrobó, provocando grande tumulto entre os moradores.

A conquista territorial restaurou o orgulho da etnia, mas também intensificou a hostilidade por parte do Estado. A chegou a ser invadida várias vezes por policiais federais e militares, que espalhavam terror entre a população. Como parte da estratégia de criminalização da luta pela terra, muitos foram processados. O cacique Neguinho Truká chegou a ser preso.

Em 30 de junho de 2005, o indígena Adenilson Vieira, 38, e seu filho, Jorge Vieira, 17, (respectivamente, irmão e sobrinho do cacique Neguinho) foram assassinados por quatro policiais militares à paisana durante uma festa da comunidade.

Duas horas antes do crime, os Truká haviam recebido em seu território o então ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, às vésperas do início das obras da transposição do Rio São Francisco. Neguinho havia se posicionado contra a medida, caso não houvesse um plano claro que garantisse a distribuição da água para os que de fato estavam na seca. Também rejeitou a presença em suas terras do Exército, responsável pela construção.

Em 23 de agosto de 2008, o então presidente da Associação Truká, Mozeni Araújo, 36, foi executado por um pistoleiro na frente de seu filho e de vários outros indígenas. Testemunha ocular das mortes de Adenílson e José, ele havia tentado denunciar os assassinatos, que permaneciam impunes.

Ao longo dos anos seguintes, os Truká fortaleceram suas articulações com outras comunidades tradicionais, a fim de potencializar sua e contra os impactos socioambientais da exploração econômica do São Francisco.

As denúncias chegaram até a ONU em julho de 2011, quando Uilton Tuxá, coordenador da Articulação dos Povos e Organizações do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), entregou à entidade um dossiê sobre as violações dos direitos das populações originárias da região, em especial, os Truká, os e os Tumbalalá.

Em maio de 2014, durante uma visita da então presidente Dilma Rousseff a Cabrobó, os Truká fecharam a BR-483 para protestar contra a transposição.
Contrário ao projeto desde o seu anúncio, o líder Yssô Truká foi um dos que manifestou o seu descontentamento na ocasião:

“A transposição só atende ao agronegócio e aos barões. Fomos traídos pelos governos Lula e Dilma. Os indígenas estão sendo massacrados pelas ações do governo federal” criticou.

Mídia1508

A 1508 é um coletivo de jornalismo independente anticapitalista, dedicado a expor as injustiças sociais brasileiras e a noticiar as mobilizações populares no Brasil e no mundo.

16 Comentários

  1. Fico feliz em saber que vocês são fiéis a um jornalismo sério e comprometido com EXISTÊNCIA humana. Principalmente com os verdadeiros donos do território brasileiro. Aprovo completamente este tipo de jornalismo.

  2. Essas intervenções religisas já prejudicaram muito os povos indígenas , estamos no século XXI , e esses ditos ‘pastores evangélicos’ , que não passam de mercenários sem o menor ESCRÚPULO , agem na impunidade , TÁ UMA VERGONHA MUNDIAL NOSSO BRASIL 😔

    • Os lados foram inguinorantes pois cada deve respeitar a crença e religião alheia não podemos ser radical pois que criou religião foi o homem que e sempre continuam errando isso foi muito errado ambas as partes

  3. Esse desrespeito contra outros povos, grupos étnicos, outras crenças/religiões não cristãs precisam ser combatidas diuturnamente.
    O nosso país é laico… a nossa Constituição Federal de 1988 é bastante clara sobre isso.
    É inadmissível esse desrespeito por parte de algumas igrejas/templos cristãos em relação aos costumes, crenças/religiões das pessoas, povos não cristãos.

  4. Os lados foram inguinorantes pois cada deve respeitar a crença e religião alheia não podemos ser radical pois que criou religião foi o homem que e sempre continuam errando isso foi muito errado ambas as parte

  5. Parabéns ao povo truká pelas lutas e defesa de sua cultura ancestral. Toda ação há uma “reação “. Os povos indígenas e negros são cada dia mais vítimas do preconceito e racismo. A impunidade gera injustiças e prolonga a perseguição. Chega de intolerância em nosso país!!!! Já basta de ditaduras!!!! Os primeiros habitantes do Brasil estão em sua casa. Seguem as tradições e costumes de seus antepassados. Estão na sua razão. Invadiram sua casa; desrespeitaram sua fé e agrediram sua forma de viver e crer. Como não reagir ????? Como não se defender???? Povo truká, que Deus nosso pai, criador de tudo e pai de todos, vos proteja e vos faça cada dia mais fortes e continuadores da missão de vossos antepassados. Saúde e paz!!!

  6. Refletir que, o direito de um termina quando começa o direito do outro.
    Pensar que, cada um tem seu quadrado e se não e um quadrado criminoso deve ser respeitado.
    O que e difícil pra ser entendido , compreendido e até intender dentro de um bom senso antropológico.

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