Milhares de pessoas foram às ruas em protesto contra a brutalidade policial na cidade de Lagos, na Nigéria, nesta terça-feira (20). São duas semanas de manifestações diárias em todo o país em resposta às denúncias de prisões ilegais, torturas e execuções extrajudiciais por uma unidade policial conhecida como Esquadrão Especial Anti-Roubo (SARS). O governo do estado impôs um toque de recolher de 24 horas e enviou uma polícia anti-motim para Lagos, cidade onde se concentram as maiores atividades industriais, comerciais e financeiras do país. Testemunhas disseram à imprensa internacional que vários manifestantes foram baleados por soldados nas manifestações desta terça-feira.
Ainda não há o número de mortos.
Um dos principais pontos dos protestos em Lagos é o pedágio Lekki, que fica no centro da cidade e no meio de uma avenida expressa, que liga a região central aos locais mais periféricos. A locomoção pela cidade é bem difícil sem ter que passar pela avenida e pagar o pedágio. Os pedágios foram bloqueados pelos manifestantes impedindo a passagem dos carros, o que já impede muitas atividades diárias na cidade.
Nas poucas horas em que os manifestantes liberam o pedágio, eles impedem que as tarifas sejam cobradas.
Uma testemunha nos protestos, Akinbosola Ogunsanya, disse que o tiroteio começou depois que as luzes foram apagadas no pedágio Lekki. “Membros do exército nigeriano nos atacaram e começaram a atirar”, disse ele em uma entrevista à CNN. “Eles estavam atirando, eles atiravam direto, diretamente contra nós, e muitas pessoas foram atingidas. Eu sobrevivi, por pouco.” Outra testemunha, Temple Onanugbo, disse que ouviu o que acreditava serem tiros sendo disparadas nas proximidades de sua casa e que o som durou “cerca de 15 a 30 minutos”. Onanugbo disse que viu “vários corpos caídos no chão” ao chegar para ajudar os feridos.
Quatro testemunhas disseram à agência de notícias Reuters, que soldados abriram fogo contra os manifestantes. Um deles, Alfred Ononugbo, 55, disse: “Eles começaram a atirar contra a multidão. Eles estavam atirando contra a multidão. Eu vi a bala atingir uma ou duas pessoas”.
Mortes e feridos graves em meio aos protestos foram relatados desde o fim de semana. A Anistia Internacional disse na sua conta no Twitter na terça-feira que recebeu “provas críveis, mas perturbadoras” de “uso excessivo da força que ocasionou a morte de manifestantes”. Um jovem de 17 anos morreu sob custódia policial na segunda-feira em Kano, uma cidade no norte do país, depois de ter sido torturado, segundo o grupo de direitos humanos. Muitos manifestantes e jornalistas foram agredidos pela polícia na capital Abuja, no mesmo dia. Vídeos nas redes sociais mostram dezenas de carros pertencentes a manifestantes em chamas e a Anistia Internacional disse que três pessoas morreram.
“Enquanto continuamos a investigar as mortes, a Anistia Internacional deseja lembrar às autoridades que, segundo o direito internacional, as forças de segurança apenas podem recorrer ao uso de força letal quando estritamente inevitável para nos proteger contra ameaças iminentes de morte ou ferimentos graves”, publicou a Anistia.
No início do dia (20), o governador de Lagos Babajide Sanwo-Olu, impôs um toque de recolher de 24 horas, incluindo o fechamento de todas as escolas da cidade. Somente prestadores de serviços essenciais e socorristas tinham permissão para estar nas ruas de Lagos, que tem uma população estimada em mais de 20 milhões de pessoas.
O que é SARS?
O Special Anti-Robbery Squad (SARS sigla em inglês / Esquadrão Especial Anti-Roubo) foi uma unidade especial da polícia criada em 1984 no momento em que a Nigéria, o país mais populoso da África, lutava contra os crescentes níveis de criminalidade – gerado, naturalmente, pela imensa desigualdade social a partir de políticas de exploração da maioria, desenvolvendo riqueza apenas para uma minoria.
Como toda força policial em um Estado capitalista, principalmente em países do sul, a unidade se transformou em banditismo. Em junho de 2020, a Anistia Internacional divulgou um relatório que documentou pelo menos 82 casos de tortura, maus tratos e execução extrajudicial pelo SARS entre janeiro de 2017 e maio de 2020.
As hashtags #EndSARS e #EndSarsNow estão entre as mais usadas nos últimos dias para divulgar as manifestações.
O que desencadeou os protestos?
Os protestos foram provocados por um vídeo viral que mostrava policiais do SARS matando um jovem no estado do Delta do sul. As autoridades negaram que o vídeo fosse real. O homem que filmou o vídeo foi preso, provocando ainda mais raiva na população.
A resposta do governo aos protestos
Sem sinais de que os manifestantes recuassem, o presidente Muhammadu Buhari interveio e desmantelou a unidade.
“A dissolução do SARS é apenas o primeiro passo em nosso compromisso com uma ampla reforma policial, a fim de garantir que o dever principal da polícia e de outras agências de aplicação da lei continue sendo a proteção de vidas e meios de subsistência de nosso povo”, disse Buhari.
Na semana passada, Muhammed Adamu, inspetor geral da polícia, disse que todos os oficiais do SARS seriam transferidos para outros comandos, formações e unidades da polícia. A decisão revoltou os manifestantes que se comprometeram a manter os protestos e uma campanha exigindo responsabilidade e justiça para as vítimas da brutalidade policial. Também exigem meios legais de maior proteção contra a polícia, incluindo supervisão independente e avaliação psicológica dos policiais.