Rádio Libertadora: No ar, a palavra de Carlos Marighella!

Esta data foi o que inspirou o nome "Mídia1508", referindo-se ao dia -15/08 - da ação como homenagem à Marighella, a organização revolucionária ALN e a luta contra a ditadura militar.

Carlos Marighella na redação do Jornal do Brasil, em 31 de julho de 1964, dia em que deixou a prisão, para denunciar maus tratos que recebeu durante a detenção — Foto: Braz/Agência JB

Em um dia como hoje, 15 de agosto de 1969, um destacamento de doze guerrilheiros da Ação Libertadora Nacional (ALN), invadiu uma estação transmissora da Rádio Nacional, na grande São Paulo.

O objetivo era driblar a imposta pela ditadura militar, difundindo uma mensagem de oposição ao regime pelo rádio, meio de comunicação mais popular na época.

“Atenção, muita atenção! Senhoras e senhores: tomamos esta emissora para transmitir a todo o povo uma mensagem de Carlos Marighella”.

Com essa abertura, os ouvintes da emissora, afiliada da Rede Globo, foram alertados sobre o conteúdo que seria transmitido a seguir, por volta das 08h30 daquela sexta-feira, cujo sinal alcançaria o raio de 600 km nesse horário.

O comunicado começava desmentindo às acusações que eram feitas pelo discurso oficial contra os guerrilheiros: “Da cidade da guerra revolucionária, nela estamos empenhados com todas as nossas forças no Brasil. A nos acusa de terroristas e assaltantes mas, não somos outra coisa que não que lutam a mão armada contra a atual ditadura militar brasileira e o norte-americano.”

Em seguida, eram listadas as prioridades da organização contidas no manifesto Ao Povo Brasileiro: derrubar a ditadura militar e anular todos os seus atos desde 1964, formar um governo do povo, expulsar do país os norte-americanos, expropriar firmas, bens e propriedades deles e dos que com eles colaboram, acabar com o latifúndio, transformar e melhorar as condições de vida dos operários, dos camponeses e das classes médias, entre outros. Ao todo, foram 138 linhas transcritas pelo serviço secreto do Exército.

“Esse é o governo mais odioso que o Brasil já teve em sua história. Os militares pensam que podem enganar o povo e agora andam pregando cartazes na rua pedindo ao povo que denuncie os que lutam contra o terror da ditadura e a miséria a que o povo está submetido. É justo, porém, que os patriotas e revolucionários combatam a ditadura e que o povo colabore com os revolucionários.” afirmava um trecho da gravação.

Escute parte da gravação:

A voz que ecoava nas ondas do rádio não carregava o sotaque baiano de Marighella, apesar de o texto ser de sua autoria. O mítico comandante da ALN até quis participar da ação, mas seus companheiros o impediram. Acabou que quem emprestou voz ao manifesto foi o estudante paulista da Escola Politécnica da USP, Gilberto Luciano Belloque, que elaborou a estratégia junto ao companheiro José Carlos Lessa Sabbag e apresentou aos dirigentes da ALN, Marighella e Joaquim Câmara Ferreira.

Em abril daquele ano, Marighella começara a gravar com Iara Xavier, filha da também guerrilheira Zilda Xavier, uma série de fitas intituladas “Rádio Libertadora”. Com o sucesso da ação na Rádio Nacional, ele seguiu com o propósito de divulgar os manifestos em praças públicas, o que nunca aconteceu.

“Atenção: as gravações em fita das transmissões da devem ser ligadas aos sistemas de alto-falantes dos bairros e subúrbios e irradiadas para o povo, mesmo que para isso tenhamos que empregar a mão armada”, anuncia uma das mensagens.

A gravação do manifesto foi providenciada em um estúdio para produção de jingles de um amigo de Sabbag, na capital paulista. Para a sessão de gravação do texto, estiveram presentes apenas Belloque, Sabbag e o dono do estúdio.

Para realizar a ação, que contou com a participação de cerca de 12 pessoas distribuídas em um fusca e um Aero Wyllis, os guerrilheiros não ocuparam o estúdio da rádio, localizado na região central da capital paulista, mas os transmissores que ficavam a 27km dali, em Piraporinha, hoje divisa entre o município de Diadema e São Bernardo do Campo. Metade entrou no prédio onde ficavam os transmissores e metade ficou do lado de fora,esperando. A ideia partiu do próprio Belloque, que já havia trabalhado em rádio, no município de Monte Aprazível.

A mensagem transmitida pela Ação Libertadora Nacional não ficou restrita aos ouvintes da rádio graças à atuação de Joaquim Câmara Ferreira, que entrou em contato com Hermínio Sacchetta, seu antigo companheiro de PCB (Partido Comunista Brasileiro). Apesar das divergências políticas e caminhos diferentes trilhados por ambos após a saída do partidão, Sacchetta prontamente se colocou à disposição para colaborar na ação. Como diretor de redação do Diário da Noite, já com o manifesto que seria transmitido em mãos, o militante pediu à repórter que acompanhava o noticiário das rádios para ficar atenta à Rádio Nacional. Mostrou surpresa ao ser avisado da mensagem inusitada transmitida na frequência da emissora e publicou na íntegra o texto de Marighella.

‘Diário da Noite”, vespertino paulistano, edição de 15 de agosto de 1969.

O jornal foi apreendido das bancas, mas a maioria dos exemplares já havia sido vendida. Nem o título em tom crítico (”terroristas”…), para disfarçar, conseguiu livrar Sacchetta de duas semanas de prisão, da demissão do ”Diário da Noite” e de cinco anos sem emprego, barrado em todos os veículos de imprensa. Apesar das consequências, o jornalista, que discordava da guerrilha como instrumento de luta contra o regime, jamais se arrependeu da ajuda que deu à ALN.

Destino mais cruel teve o jovem José Carlos Lessa Sabbag: acabou sendo morto dezoito dias depois pela repressão, enquanto tentava comprar um gravador com cheques roubados para dar continuidade às ações de comunicação da ALN.

A invasão da Rádio Nacional é descrita em detalhes no livro “Marighella: O Guerrilheiro que Incendiou o Mundo”, de Mário Magalhães. Também serviu como inspiração para um belo clipe dos Racionais MCs, ”Mil faces de um homem leal”, dirigido Daniel Grinspum.

Mídia1508

A 1508 é um coletivo de jornalismo independente anticapitalista, dedicado a expor as injustiças sociais brasileiras e a noticiar as mobilizações populares no Brasil e no mundo.

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