Caso Pedro Henrique: assassinato de ativista por policiais completa 150 dias de impunidade

Os PMs eram conhecidos por realizar de forma sistemática abordagens violentas à vítima e dois dias antes da execução, intimidaram Pedro Henrique em um mercado local.

Foto: Marcos Musse

Hoje, 27 de maio, completam-se 150 dias da execução do ativista de direitos humanos Pedro Henrique Cruz, de 31 anos, na cidade de Tucano, sertão baiano. Até a primeira quinzena de abril, os policiais militares apontados por testemunhas como autores do crime ainda não tinham sido ouvidos pelo delegado. Dois dos três policiais apontados como autores do crime encontram-se trabalhando em uma escola pública recentemente militarizada. Há relatos de que estudantes foram hostilizados e ameaçados por participarem da VII Caminhada Pela Paz em homenagem a Pedro e publicado fotos em suas redes sociais.

Na véspera da Caminhada, um amigo e colaborador de Pedro Henrique sofreu duas abordagens da PM, em um período de três horas, tendo os policiais questionado se ele era o “líder” da Caminhada, com o objetivo de intimidá-lo. No dia 21 de abril familiares e amigos de Pedro realizaram a VII em Tucano, que ele já havia definido o tema: “Você Não Está Sozinho”.

Manifestantes carregavam faixa durante a VII Caminhada da Paz / Foto: Marcos Musse

A mãe de Pedro conta que quase imediatamente ao crime, ocorrido na madrugada do dia 27 de dezembro do ano passado, as autoridades ouviram testemunhas. Segundo depoimento prestado pelas testemunhas, os assassinos, três policiais militares da cidade de Tucano, foram reconhecidos e identificados, mas não tiveram suas armas apreendidas e sequer foram submetidos a reconhecimento, tampouco a exame ou perícia.

Sobre o caso

O crime aconteceu na madrugada do dia 27 de dezembro de 2018, em Tucano, cidade de 50 mil habitantes, nordeste baiano. Três policiais militares foram acusados por uma testemunha de ter executado o ativista, que denunciava a na cidade. A denúncia foi feita no dia 4 de janeiro à Corregedoria Geral da Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA). A testemunha afirma que reconheceu os autores pelas características físicas e tom de voz, chegando a citar o nome de dois policiais militares da cidade.

Os policiais citados são Bruno Montino e Sidnei Santana.

Os PMs eram conhecidos por realizar de forma sistemática abordagens violentas à vítima e dois dias antes da execução, intimidaram Pedro Henrique em um mercado local. O terceiro policial, segundo a testemunha, apesar de não participar das abordagens, estava sempre em companhia dos outros policiais.

Mãe da vítima, a professora Ana Maria Cruz, de 53 anos, não abandona a esperança de conseguir justiça. “Três meses se passaram, uma realidade que não se pode mudar é o fato de Pedro estar morto. Seus assassinos, já identificados, estão livres e impunes, mas esta é uma realidade que pode ser mudada. A pergunta é: quando os assassinos de Pedro serão presos, julgados e condenados pelo crime brutal e covarde que cometeram?”, questionou nas redes sociais no dia em que a morte completou três meses.

As abordagens e agressões da PM se estendeu inclusive para a GCM (Guarda Municipal), que o abordava com violência e ameaças. Essas abordagens foram registradas e denunciadas para a ouvidoria do município. Segundo sua mãe, na em 2018, um cantor fez uma música que era uma chamada da manifestação com o título “ pede paz, por favor não mate mais outro rapaz”, fala sobre a na cidade e isso despertou a ira dos policiais.

A execução

Pedro Henrique foi morto com oito tiros dentro de sua própria casa, no bairro Nova Esperança, conhecido também como Matadouro. Três homens mascarados chegaram até ele após invadirem a residência de seu pai, um senhor de 68 anos que foi obrigado a dizer onde o filho morava. Sob ameaça, os atiradores ainda obrigaram um vizinho a dizer onde o ativista estava. O trio, então, arrombou a porta da residência às 4h e à queima roupa efetuou os disparos. Pedro morreu na hora. Os assassinos fugiram num veículo Siena prata.

Pedro lutava contra todo tipo de violência, feminicídio, trabalho escravo e, principalmente, a desde 2012, quando foi vítima de agressão em uma abordagem. A partir de então, passou a receber e encaminhar denúncias de outros crimes cometidos pela polícia. Esta passou a ser sua missão maior, até o seu último dia.

“Enquanto eu estiver vivo estarei me defendendo e falando pelos que não tem voz”, dizia.

Daquele dia em diante, o jovem passou a organizar em a Caminhada da Paz, passeata que tinha como objetivo principal não deixar que as ilegalidades cometidas pelo braço armado do Estado fossem varridas para baixo do tapete. Foram realizas seis edições da manifestação, uma por ano.

Abusos e ameaças começaram em 2012

O ativista formalizou representações contra policiais militares em pelo menos cinco oportunidades ao Ministério Público. Boa parte das queixas envolve o tenente Alex Andrade de Souza, há um ano corregedor regional da PM na cidade vizinha de Euclides da Cunha e um dos seus agressores em 2012, junto com o soldado Edivando Oliveira Cerqueira.

Na época, Pedro Henrique, chegou a divulgar na internet um relato sobre o ocorrido. Segundo o texto, ele estava na porta da casa de seu pai quando o tenente se aproximou e, sem qualquer motivo aparente, iniciou “uma série de agressões, humilhações e xingamentos”.

Foto: Arquivo pessoal/Reprodução

”Enquanto agredia o jovem com socos, pontapés, empurrões e golpes de cassetetes, o Tenente […] se dirigia à multidão ali presente dizendo que aquele rapaz que ele sequer conhecia se tratava de um ladrão de moto, assassino, matador de e assaltante, chegando inclusive a obrigá-lo a ficar em frente a casa do seu genitor e pousar para uma foto, dizendo, em tom de zombaria, que era pra ficar mais bonito” escreveu, em terceira pessoa.

O ativista conta ainda ter sido jogado na mala da viatura e levado para o bairro do Cruzeiro. Lá sofreu outra sessão pública de tortura, desta vez, ajudada por Edivando, que lhe deu uma coronhada no olho. Moradores do local tentaram intervir em sua defesa, mas acabaram sendo agredidos pelos policiais. Uma mulher recebeu um tapa no rosto desferido por Alex. A agressão aconteceu na frente dos seus filhos gêmeos, então 3 anos de idade.

O delegado responsável pelo caso, Laurindo Teixeira Lima Neto, concluiu que os agentes cometeram abuso de autoridade e lesão corporal dolosa contra o rapaz, que teve danos no joelho esquerdo e tórax.

Por meio do promotor público João Paulo Santos Schoucair, o MP estadual opinou que os policiais cometeram apenas o crime de lesão corporal, mas não especificou de que tipo, se leve ou grave, apesar dos laudos periciais e testemunhos do fato. Em 20 de agosto de 2013, o juiz Tadeu Ribeiro de Viana Bandeira, em audiência sobre o indiciamento da polícia, determinou ao tenente Alex e ao soldado Edivando o pagamento de multa como “aplicação imediata da pena restritiva de direito”. Ficou determinado o valor de R$ 500 para o soldado e R$ 1.200 para o tenente, mas apenas o soldado realizou o pagamento. Alex não pagou a multa, porque, segundo disse, não ficaria provado nada contra ele.

Ana lembra que logo após uma audiência o tenente fez uma ameaça a seu filho.

“Este dinheiro que você me fez gastar, vai lhe custar caro” disse ele ao ativista, na saída do fórum. “Seis anos depois, a promessa se cumpriu”, avalia a mãe.

Em abril de 2017, Pedro relatou ao MP-BA ter sido novamente abordado desta vez na porta da sua casa por Alex. Alex, segundo o ativista, discutiu com ele sobre a publicação no Facebook, na qual Pedro Henrique fala sobre a agressão sofrida em 2012, e disse que um dos soldados o puxou pelo cabelo, e que ele não resistiu à abordagem. Falou também que foi abordado outras duas vezes na mesma tarde no bairro Nova Esperança.

Um mês depois, novo termo de declaração informava que os policiais Sidnei Santana e Bruno Montino estiveram no bairro Nova Esperança, e perguntaram ao rapaz se ele era o “rasta” que foi processado pelo tenente Alex.

“O declarante [Pedro Henrique] informa que teve a impressão que os policiais estavam ali para cobrar a dívida, que os policiais perguntaram se o declarante é usuário de droga ilícita e qual o significado das tatuagens”, deixando Pedro praticamente nu em via pública, afirma o documento.

O último termo, datado de maio do ano passado, traz um relato de nova abordagem da PM, feita mais uma vez por Santana e Montino, quando Pedro voltava do mercado. O ativista foi obrigado a virar de costas, colocar as mãos na cabeça, que levou chutes e sua sandália chegou a arrebentar.

“Sidnei mexia nos bolsos e questionava sobre as suas publicações no Facebook. Que neste momento, Sidnei pegou o seu celular que estava no bolso e jogou no chão quebrando a tela. Após isso, levou um tapa no ouvido, um soco no pescoço e disse: ‘vá tomar suas providências, porque você tem o seu advogado e eu tenho o meu’, momento em que o policial mostrou a arma para o declarante”, afirma um trecho do texto.

Com colaboração de Ricardo Pitta e Uilton Oliveira.

Rafael Daguerre

Fotógrafo, Repórter, Editor e Documentarista

Um dos fundadores da Mídia1508. "Ficar de joelhos não é racional. É renunciar a ser livre. Mesmo os escravos por vocação devem ser obrigados a ser livres, quando as algemas forem quebradas" ― Carlos Marighella.

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