Sétimo quilombo urbano de Porto Alegre, o Quilombo Lemos vive momentos de tensão. Seus moradores foram informados por representantes do Estado que podem ser despejados a qualquer momento, a partir de hoje (12/11). A ação de reintegração de posse é movida pelo Asilo Padre Cacique, instituição “franciscana” proprietária de mais de 30 imóveis. A decisão, da 17ª Vara Cível da cidade, ameaça desabrigar cerca de 60 pessoas, inclusive idosos, crianças e um portador de necessidades especiais.
A comunidade convoca seus apoiadores para a vigília que está sendo realizada contra o desalojo. O quilombo fica na Avenida Padre Cacique nº 1250, Praia de Belas, zona sul da capital gaúcha. Informações atualizadas sobre a mobilização podem ser conseguidas na página de Facebook Somos Quilombo Lemos.
Na última quarta-feira (7/11) a área amanheceu invadida por um oficial de justiça, acompanhado de vários agentes da tropa de choque da Brigada Militar, mascarados e fortemente armados.
A tentativa de reintegração de posse sequer cumpriu os protocolos legais, como intimar o representante do quilombo, entrar em acordo quanto a prazos para desocupação, ou levar policiais devidamente identificados, o que demonstra como o Estado brasileiro atropela suas próprias leis, quando se trata de defender os interesses do capital.
Munidos de uma escavadeira, os PMs disseram aos presentes que teriam apenas 30 minutos para deixar o terreno, que teve sua luz e água desligadas. Comunicaram ainda que aqueles que ficassem “iriam se machucar”.
A intimidação não conseguiu vencer a resistência dos quilombolas. Após forte mobilização, no local e nas redes sociais, o cumprimento da decisão acabou sendo adiado.
Na tarde da quinta-feira (8), o presidente do Asilo Padre Cacique, o advogado Edson Brozoza ameaçou publicamente os quilombolas, a quem chamou de “invasores afro-descendentes” e “bando de marginais”.
“Esses invasores vão sair daí nem que seja a última coisa que eu faça na minha vida, de qualquer jeito. E se invadirem nosso lar, vai dar morte” afirmou. “Uma dezena pelo menos, eu levo pro inferno”.
Em seu discurso, carregado de ódio racial, fez ainda questão de demonstrar sua simpatia político-partidária. Disse que quando o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) assumir o governo, iria “acabar de vez com essa palhaçada”.
Filho dos fundadores do Quilombo, Sandro Gonçalves de Lemos lamenta a intransigência da presidência atual do asilo. Ele lembra que o terreno já é posse de sua família há mais de meio século. “A gente mora aqui há 54 anos. A área não era de ninguém. Vieram mexer com a gente depois que o pai faleceu”, conta.
Eles ocuparam a área ao lado do asilo e a ele se dedicaram sua vidas: a matriarca Delzia de Lemos serviu ao Padre Cacique por 35 anos. Após 46 anos de serviços prestados, Jorge de Lemos, o patriarca, morreu em 2008, logo que chegou em casa do trabalho.
Seus últimos esforços foram ainda dedicados à instituição que agora quer tirar o teto de seus descendentes. Exatamente como faziam os antigos senhores de escravos quando não podiam mais usufruir de sua força de trabalho.
Esta é a truculência habitual com a qual proprietários movidos pela especulação imobiliária expulsam famílias não brancas de seus pequenos pedaços de terra.
A mensagem da ordem de despejo é clara. O consórcio Estado-mercado diz que negros não podem estar na área “nobre” de uma metrópole, a não ser como serviçais. O interesse, no final das contas, é racista e territorial. É contra isso que os Lemos fincam o pé.