Sérvia: estudantes lideram protestos em massa contra governo de extrema direita e pedem novas eleições

O presidente Alexandrar Vučić iniciou sua carreira política no Partido Radical Sérvio, partido de extrema direita. Vučić está no poder há quase 12 anos.

Milhares de pessoas protestam contra o governo do presidente Alexandrar Vučić, em frente ao Tribunal Constitucional em Belgrado, no dia 12 de janeiro de 2025 — Foto: The New Union Post

Na última semana, as ruas da Sérvia foram abaladas por violentos confrontos entre milhares de manifestantes antigovernamentais, fileiras de simpatizantes do partido governista e a polícia.

Os manifestantes liderados por estudantes entraram em conflito com apoiadores do Partido Progressista Sérvio (SNS) e com a polícia, que atacou o protesto contra o governo com gás lacrimogêneo e cassetetes.

Dezenas de pessoas ficaram feridas e muitas outras foram presas.

O presidente Alexandrar Vučić, que iniciou sua carreira política no Partido Radical Sérvio, partido de extrema direita, antes de se tornar um defensor da adesão à União Europeia, prometeu que mais prisões ocorrerão em breve. Ele acusou as manifestações, sem provas, de serem planejadas do exterior por potências estrangeiras não identificadas.

Vučić está no poder há quase 12 anos. Os confrontos marcam uma grave escalada no que já dura mais de nove meses de protestos em grande parte pacíficos e ondas de desobediência civil.

As manifestações eclodiram em novembro de 2024 após o desabamento fatal de uma cobertura de concreto em uma estação ferroviária, recém reformada, que matou 16 pessoas na segunda maior cidade da Sérvia, Novi Sad — um acidente que os manifestantes atribuem ao clientelismo e à corrupção dentro do governo e da indústria da construção civil da Sérvia.

Desde então, um movimento estudantil de centenas de milhares de sérvios realizou manifestações em massa, ocupou campi universitários e bloqueou estradas do país para protestar contra o que eles descrevem como corrupção governamental desenfreada. Eles adotaram uma marca de mão vermelha como símbolo de “suas mãos estão ensanguentadas”.

“Nos primeiros meses, as reivindicações dos manifestantes se concentraram na responsabilidade jurídica e política dos responsáveis ​​pela morte de 16 pessoas em Novi Sad – ou seja, tanto os envolvidos na reforma da estação ferroviária quanto seus chefes políticos”, disse o professor de ciência política da Universidade de Belgrado, Nebojša Vladisavljević, sobre como os protestos em massa mudaram ao longo de uma luta que já dura mais de nove meses, durante entrevista à France 24. “Portanto, o foco estava no judiciário e no Ministério Público para instaurar processos judiciais contra esses indivíduos. Mas, obviamente, isso não funcionou, apesar dos protestos massivos”, completa.

Manifestantes pintaram “mãos ensanguentadas” em cartaz com as imagens do presidente Aleksandar Vucic e do primeiro-ministro Milos Vucevic, ex-prefeito de Novi Sad — Foto: Reuters

Os protestos liderados passaram a se concentrar na necessidade de eleições antecipadas em vez das eleições regulares planejadas para 2027. No final de junho, os estudantes emitiram um “ultimato” para que Vučić anunciasse uma nova votação, demanda que ele rejeitou.

Os manifestantes também enfatizam a necessidade de garantir que as eleições sejam livres e justas por meio de diversas reformas, incluindo uma revisão dos registros eleitorais, acesso igualitário à mídia para todos os participantes da vida política e medidas para impedir a compra de votos.

Outros pedidos também incluem a reforma do sistema educacional, o reconhecimento dos órgãos estudantis — conhecidos como plenários — como entidades legais, a garantia de salários justos para todos os trabalhadores do setor educacional e o respeito à autonomia das universidades.

Vladisavljević destaca que as manifestações são sem precedentes no país nas últimas décadas. A Sérvia tem cerca de 6 milhões de habitantes e houve literalmente centenas de milhares de pessoas protestando durante meses. Só em Belgrado, capital do país, ocorreram quatro protestos em vários meses, cada um com mais de cem mil pessoas. Ele lembra que a capital é uma cidade com um milhão e meio de habitantes e que um desses protestos, em meados de março, teve cerca de 300 mil pessoas nas ruas.

O governo e o judiciário ignoraram as exigências populares de responsabilização. Mesmo depois de vários meses, os processos iniciados pelos promotores não foram confirmados pelos tribunais. Isso, obviamente, deixou claro para as pessoas que nada aconteceria.

“É por isso que as demandas foram transferidas para o cenário político por eleições parlamentares antecipadas, porque era óbvio que, sob este governo, nada de importante aconteceria em relação a essas demandas iniciais”, afirmou Vladisavljević.

Após oito meses de protestos pacíficos, no final de junho, uma manifestação em Belgrado com mais de 100.000 pessoas, pela primeira vez, a polícia usou força massiva contra manifestantes pacíficos – e isso foi depois do protesto, quando as pessoas já estavam se dispersando. O governo e as forças de segurança esperavam que os protestos diminuíssem da mesma forma que em anos anteriores, mas desta vez, eles não cessaram. Ao mudar de estratégia, detendo centenas de pessoas, a maioria jovens, Alexandrar Vučić obteve o efeito contrário, a repressão revoltou a população, que radicalizou os protestos nas semanas seguintes.

Vladisavljević conta que “antes, havia comícios, marchas ou pequenos bloqueios de estradas, bloqueios comemorativos de 16 minutos, em memória das 16 pessoas mortas em Novi Sad. Mas agora, após o uso da força pela polícia, havia bloqueios de estradas por horas.”

Fortes protestos ocorreram na noite de sexta-feira (15/08) contra o governo, com muitos confrontos entre manifestantes e policiais, em Belgrado, Novi Sad, Niš e outros locais do país — Foto: Marko Djokovic/AFP via Getty Images

Gangues contratadas

Na longa entrevista para a France 24, o professor denuncia o uso de gangues contratadas pelo SNS, que se passam por apoiadores do partido. “Você os reconhece por estarem vestidos de forma mais ou menos uniforme – estão à paisana, mas você vê que todos usam camisetas pretas, calças curtas pretas, bonés de beisebol pretos, alguns com capuz – e andam juntos, alguns carregando porretes, para proteger escritórios do partido em todo o país e provocar manifestantes para que a polícia os espanque. E é isso que temos visto nos últimos dias”, relata Vladisavljević. “Eles estão trabalhando em estreita colaboração com a polícia – em alguns casos, a polícia está até recebendo ordens de alguns deles, algo que nunca vimos antes, e até vemos algumas pessoas com antecedentes criminais entre eles.”

O governo tenta apresentar uma espécie de “contra-mobilização” dos apoiadores de Vučić, mas, na verdade, são gangues contratadas. Anos atrás, o SNS tinha a capacidade de mobilizar bastante gente em apoio a Vučić e ao partido. Este ano, tentaram fazer isso em várias ocasiões, mas mobilizaram pouquíssimas pessoas – apenas aquelas que realmente precisavam estar presentes: dirigentes partidários, funcionários públicos, alguns contratados temporários, pessoas que recebem benefícios sociais e temem perder algum benefício se não comparecerem.

Vučić tenta se passar por alguém que busca responsabilização pelo que aconteceu em Novi Sad. Mas não fez muita coisa nesse sentido. No final de julho, dois ex-ministros e algumas outras pessoas foram presas por acusação de fraude de mais de US$ 100 milhões, no projeto da ferrovia de alta velocidade de Belgrado a Subotica, cidade no norte do país.

Segundo Vladisavljević, Vučić e seus apoiadores no topo do governo ficaram bastante nervosos quando essas prisões aconteceram. “Parece que ele está perdendo o controle dentro do Judiciário neste momento. Mas não está claro se isso resultará em condenações.”

Manifestantes carregam faixa “suas mãos estão ensanguentadas” em protesto de fevereiro de 2025 — Foto: Reprodução

Vučić evita eleições antecipadas

O problema que eles enfrentam neste momento é que sua popularidade caiu substancialmente nos últimos meses. É verdade que, inicialmente, muitas pessoas que eram, na verdade, críticas ao governo e da oposição não queriam levantar a questão das eleições antecipadas por vários motivos. Primeiro, porque sentiam que isso desviaria a atenção do que aconteceu em Novi Sad e da questão da responsabilização – e essa era a posição da maioria das pessoas. Mas também porque sentiam que Vučić ainda era popular naquele momento e que a oposição não teria muito a ganhar nas eleições.

Uma recente pesquisa de opinião feita por dois professores da Faculdade de Ciência Política da Universidade de Belgrado, aponta que o governo, neste momento, tem menos apoiadores do que a oposição. São cerca de 40%, 41% para toda a coalizão governista e mais de 50% para a oposição.

Agora, obviamente, ainda não sabemos se, se tivéssemos eleições antecipadas, haveria uma lista de oposição, duas ou três. Mas eles estavam avaliando todas essas possibilidades, e qualquer que seja a opção escolhida, seja uma lista de oposição, duas ou três, a oposição vence. A pesquisa foi feita há cerca de um mês. Portanto,

Há uma boa razão para Vučić evitar eleições antecipadas neste momento – segundo as pesquisas, ele perderia até mesmo em uma eleição injusta, até mesmo em uma eleição autoritária.

Mas meu palpite é que teremos eleições nos próximos meses. Porque o país está totalmente bloqueado. Nada funciona. Não há nada que se possa fazer – o governo perdeu a capacidade de governar, essencialmente. A única saída são as eleições”, conclui Nebojša Vladisavljević.

Estudantes universitários e pessoas protestam em frente ao prédio do governo, seis meses após a tragédia mortal na estação de trem que desencadeou manifestações em massa no país, em 1º de maio de 2025 — Foto: AP/Darko Vojinovic
Presidente sérvio Aleksandar Vucic — Foto: Bernadett Szabo/Reuters [Arquivo]
Manifestantes em confronto com a polícia durante protesto em agosto de 2025 — Foto: Reprodução
Manifestantes durante o protesto em agosto de 2025 — Foto: Reprodução


Fontes:
Serbia’s student-led protesters wanted accountability. Now they’re calling for elections
Rival protester groups clash anew in Serbia amid escalating political crisis
What are Serbia’s protesters demanding, and what’s next?

Mídia1508

A 1508 é um coletivo anticapitalista de jornalismo independente, dedicado a expor as injustiças sociais e a noticiar as mobilizações populares no Brasil e no mundo.

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