Um vídeo recuperado do celular de um médico palestino assassinado junto com 14 de seus colegas em Gaza no mês passado, contradiz as alegações israelenses.
O vídeo — encontrado no telefone do falecido Rifat Radwan e divulgado no sábado (5) pela Sociedade do Crescente Vermelho Palestino (Palestine Red Crescent Society, PRCS) — mostra os momentos finais dos médicos palestinos que, mesmo vestindo uniformes altamente refletivos e dentro de uma ambulância claramente identificável da PRCS, são alvejados por forças israelenses no bairro de Tal as-Sultan, em Rafah, no sul de Gaza, em 23 de março.
O exército israelense disse que seus soldados “não atacaram aleatoriamente” nenhuma ambulância, insistindo que eles atiraram em “terroristas” que se aproximavam deles em “veículos suspeitos”. Ele disse que “vários veículos descoordenados foram identificados avançando de forma suspeita em direção às tropas [do exército israelense] sem faróis ou sinais de emergência”.
O PRCS perdeu oito de seus trabalhadores no ataque. Seis membros da agência de Defesa Civil Palestina e um funcionário da agência das Nações Unidas para refugiados palestinos, UNRWA, também foram mortos.
Seus corpos foram encontrados enterrados perto de Rafah, no que o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) descreveu como uma vala comum.
O que o vídeo mostra?
O vídeo, filmado de dentro de um veículo em movimento, captura um caminhão de bombeiros vermelho e ambulâncias dirigindo durante a noite.
Os veículos param um ao lado do outro na beira da estrada, e dois homens uniformizados saem. Momentos depois, um intenso tiroteio irrompe.
No vídeo, ouve-se as vozes de dois médicos – um dizendo: “O veículo, o veículo”, e outro respondendo: “Parece ser um acidente”.
Segundos depois, uma saraivada de tiros começa e a tela fica preta.
O médico que gravou a cena pode ser ouvido mais tarde recitando a declaração da fé islâmica, a Shahada, que os muçulmanos tradicionalmente dizem diante da morte. “Não há Deus senão Deus, Muhammad é seu mensageiro”, ele diz repetidamente, sua voz tremendo de medo enquanto o intenso tiroteio continua ao fundo.
Ele também é ouvido dizendo: “Perdoe-me, mãe, porque escolhi este caminho, o caminho de ajudar as pessoas.” Ele então diz: “Aceite meu martírio, Deus, e me perdoe.”
Pouco antes do vídeo terminar, ele é ouvido dizendo: “Os judeus estão chegando, os judeus estão chegando”, aparentemente se referindo aos soldados israelenses.
O PRCS disse que o comboio foi enviado em resposta a chamadas de emergência de civis presos após um bombardeio israelense em Rafah.
De acordo com o porta-voz da defesa civil de Gaza, Mahmoud Bassal, vários membros de sua equipe foram encontrados com as mãos e os pés amarrados e ferimentos de bala visíveis em suas cabeças e torsos, sugerindo que eles foram executados à queima-roupa após serem identificados por seu trabalho humanitário. Um dos funcionários da defesa civil foi decapitado, e os corpos restantes foram encontrados em pedaços, ele disse.
Jonathan Whittall, chefe do OCHA no território palestino, disse que os corpos dos trabalhadores humanitários estavam “em seus uniformes, ainda usando luvas” quando foram encontrados.
Um oficial militar israelense disse que os corpos foram cobertos “com areia e pano” para evitar danos até que a coordenação com organizações internacionais pudesse ser organizada para sua recuperação. Os militares acrescentaram que estavam investigando o ataque.

‘Não há paralelo na história moderna’
Israel “deve ser responsabilizado por seus crimes, que não têm paralelo na história moderna”, disse um porta-voz da defesa civil de Gaza à Al Jazeera no sábado (05.04).
“Exigimos a formação de um comitê internacional de investigação sobre os ataques da ocupação contra paramédicos em Rafah”, disse o porta-voz, acrescentando que os socorristas palestinos continuarão “a desempenhar suas funções, apesar dos ataques deliberados da ocupação contra eles”.
Em uma declaração no sábado, o Gabinete de Imprensa do Governo de Gaza disse que os militares israelenses realizaram uma execução “brutal e sem precedentes” de equipes médicas e da defesa civil, chamando-a de “outro crime adicionado ao histórico cruel da ocupação”.
Ele disse que o vídeo “desmente completamente a narrativa falsa e enganosa da ocupação israelense” de que os veículos se aproximaram “de forma suspeita” sem sinais claros.
O Hamas disse no sábado que “as evidências visuais irrefutáveis destroem as mentiras fabricadas pela ocupação sobre ‘movimentos suspeitos’, provando o ataque sistemático a um grupo humanitário e constituindo um assassinato premeditado segundo o direito internacional”.
“Exigimos justiça internacional para as vítimas deste crime hediondo”, disse.
O Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Turk, também condenou o ataque, levantando preocupações sobre possíveis “crimes de guerra” cometidos pelos militares israelenses.
“Estou chocado com os recentes assassinatos de 15 profissionais médicos e trabalhadores humanitários, que levantam ainda mais preocupações sobre a prática de crimes de guerra pelos militares israelenses”, disse Volker Turk ao Conselho de Segurança da ONU na quinta-feira (03.04), pedindo uma “investigação independente, rápida e completa”.
De acordo com a UNRWA, pelo menos 408 trabalhadores humanitários, incluindo mais de 280 funcionários da UNRWA, foram mortos pelas forças israelenses em Gaza desde o início da guerra em 7 de outubro de 2023. Desde então, mais de 50.000 palestinos, a maioria crianças e mulheres, foram mortos pelo Estado de Israel.
—
Fonte: Al Jazeera
Tradução: M1508