Fúria em protestos contra o avanço do militarismo na Indonésia

O projeto de lei militar alterado amplia o papel das forças armadas nas instituições civis e trouxe de volta memórias dos 31 anos da ditadura militar de Hadji Mohamed Suharto.

Manifestante avança contra a polícia antimotim durante o protesto da terça-feira (25) — Foto: AFP

Protestos eclodiram por toda Indonésia em resposta à aprovação — no dia 20.03 — pelo parlamento de uma lei militar que amplia o papel das forças armadas nas instituições civis, com estudantes e grupos de direitos humanos alertando sobre o retrocesso democrático.

A rápida aprovação da revisão de uma lei militar de 2004 foi vista como um sinal do domínio político do presidente Prabowo Subianto. Críticos dizem que ela reflete a intenção de Prabowo de reafirmar o papel dos militares na vida civil e reverter reformas democráticas. Manifestantes foram às ruas em cidades por todo país — de Jacarta a Aceh e Kalimantan do Sul — durante toda a semana passada, antes mesmo da aprovação da lei.

Em Jacarta, a polícia disparou gás lacrimogêneo e canhões de água enquanto milhares de manifestantes tentavam invadir o prédio do parlamento na sexta-feira (21.03).

A revolta aumentou na segunda-feira (24.03), com confrontos entre manifestantes e a polícia em frente a um prédio do governo em Surabaya, Java Oriental. Cerca de 1.000 estudantes e ativistas atacaram a repressão policial com coquetéis molotov, pedras, barras de ferro e tudo que encontravam. Alguns seguravam cartazes que diziam: “Rejeite a Lei Militar” e “Os Militares Devem Retornar aos Quartéis”, de acordo com uma reportagem da Agence France-Presse.

O parlamento acelerou a emenda da lei de 2004 que rege as Forças Armadas Nacionais da Indonésia (TNI). A medida foi conduzida por assessores próximos a Prabowo, que é um general aposentado do exército e ex-ministro da defesa. Muitos ativistas de direitos humanos indonésios temem que a revisão possa reviver o dwifungsi, ou dupla função — uma doutrina da Era de 31 anos da “Nova Ordem” do ditador Suharto, que permitiu que os militares dominassem tanto a defesa quanto o setor civil.

Dwifungsi revive uma má memória do período autoritário do presidente Suharto, no qual os militares atuaram como espinha dorsal do regi”me e ferramenta para reprimir vozes da oposição”, disse Adhi Priamarizki, pesquisador do programa da Indonésia na Escola de Estudos Internacionais S. Rajaratnam de Cingapura.

Um coletivo de grupos de direitos humanos indonésios, a Coalizão da Sociedade Civil para a Reforma do Setor de Segurança, disse em uma declaração que as revisões poderiam “confundir as fronteiras entre as esferas militar e civil” e correm o risco de “restaurar o dwifungsi e o militarismo na Indonésia”.

Prabowo serviu como comandante no Kopassus, as forças especiais indonésias, durante a ditadura militar de Suharto, que terminou em 1998. Ele foi dispensado do exército naquele ano após acusações de envolvimento no sequestro e tortura de ativistas políticos.

Desde que assumiu a presidência em outubro, Prabowo vem expandindo o papel das forças armadas para áreas tradicionalmente civis, incluindo programas de distribuição de alimentos e seu principal programa de refeições gratuitas para crianças e gestantes em todo o país.

Ele também nomeou vários membros ativos e antigos das forças armadas para seu gabinete “Vermelho e Branco”, incluindo o Ministro da Defesa Sjafrie Sjamsoeddin e o Secretário de Gabinete Teddy Indra Wijaya.

Manifestantes queimam um pneu e jogam objetos em policiais do lado de fora do Parlamento em Jacarta — Foto: AP

Desfazendo reformas

Especialistas disseram que a lei militar de 2004 precisava de melhorias, mas a revisão da lei se concentra em expandir o papel dos militares em cargos civis dentro das agências estatais do país, permitindo que militares sejam nomeados sem precisar se aposentar do serviço.

Além disso, a lei agora elimina a exigência de aprovação política para que os militares conduzam operações além da guerra.

De acordo com Arya Fernandes, chefe do departamento de política e mudança social do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais da Indonésia, a nova lei vai desfazer anos de reforma.

“Por muitos anos, a burocracia civil tentou se reformar focando em competências baseadas em mérito e seleções abertas para cargos governamentais de alto nível”, ele disse. Mas a revisão da lei permite que oficiais militares assumam esses cargos sem avaliação.

Estudantes indonésios protestam contra a revisão da lei militar do país em frente ao Parlamento em Jacarta — Foto: EPA-EFE

Processo ‘problemático’

Analistas dizem que a velocidade com que essa lei foi aprovada, bem como a falta de transparência, são grandes questões de preocupação.

“O processo tem sido bastante problemático porque não há etapas claras de discussão para aprovar as revisões”, disse Arya.

As revisões foram ratificadas durante uma sessão plenária no dia 27 e não enfrentaram oposição dos oito partidos representados no parlamento. Desde que chegou ao poder, Prabowo garantiu maioria na Câmara dos Representantes, com sete dos oito principais partidos se juntando à sua coalizão.

O Partido Democrático de Luta da Indonésia – o único partido de oposição de fato na legislatura – também se absteve de criticar as emendas.

Embora analistas digam que o processo legislativo é uma demonstração da influência de Prabowo, o líder parece querer se absolver das críticas.

Autoridades do gabinete de Prabowo disseram que nem o presidente nem o poder executivo do governo estavam envolvidos na proposta de emenda à lei, e que ela foi iniciada por legisladores no parlamento.

“Não se trata de se o Presidente Prabowo pediu ou não [a emenda]. Esta foi uma iniciativa dos legisladores da Câmara do mandato anterior”, disse o Ministro da Lei e dos Direitos Humanos, Supratman Andi Agtas.

O vice-presidente do Parlamento, Sufmi Dasco, um membro de longa data do partido Gerindra de Prabowo, liderou as negociações legislativas. O ministro da defesa escolhido a dedo por Prabowo, Sjafrie, também está envolvido de perto nas revisões do projeto de lei.

Ambos eram próximos de Prabowo e desempenharam um papel crucial no apoio ao seu governo e no avanço de sua agenda nacional, observou Adhi.

Yoes Kenawas, pesquisador de pós-doutorado em ciência política na Universidade Católica Atma Jaya, em Jacarta, acrescentou que essa revisão também ameaça na forma como os militares historicamente operam no país. Yoes afirma que é “infantil” sugerir que Prabowo não está envolvido. “Se não houvesse uma ordem do presidente, eles não teriam acelerado esse processo”, disse ele.

Estudantes e ativistas indonésios tentam derrubar um portão durante protesto contra a revisão da lei militar do país, em frente ao edifício do Parlamento em Jacarta — Foto: EPA-EFE

Mídia1508

A 1508 é um coletivo anticapitalista de jornalismo independente, dedicado a expor as injustiças sociais e a noticiar as mobilizações populares no Brasil e no mundo.

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