A solidariedade entre movimentos negros e palestinos têm sido um componente notável do Black Lives Matter (BLM) que surgiu em 2014. A intersecção do movimento negro e palestino não é um fenômeno novo, é claro, mas sim um ressurgimento de uma aliança histórica enraizada na luta global contra o racismo e o imperialismo.

Na foto acima, Malcolm X é visto com líderes da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) em 1964. A imagem aparece na capa do livro de Alex Lubin, Geographies of Liberation: The Making of an Afro Arab Political Imaginary, que explora as intersecções e influências das lutas negras e palestinas. Lubin diz que a relação entre essas lutas não é limitada por identidades nacionais e raciais.

Malcolm X foi uma das vozes mais importantes da luta negra nos EUA e se tornou um dos seus revolucionários mais emblemáticos.
Sua viagem à Arábia Saudita para completar uma peregrinação está bem documentada, mas além de visitar Meca, Malcolm X também viajou para a Palestina em diversas ocasiões.
Em sua última viagem à Palestina em 1964, o líder nacionalista negro visitou a Faixa de Gaza e foi recebido pelo poeta palestino Harun Hashim Rashid. Durante sua viagem à área, Malcolm X visitou campos de refugiados, hospitais e testemunhou a situação dos palestinos deslocados por Israel. Esse encontro o levou a escrever uma carta para a Egyptian Gazette intitulada On Zionist Logic, na qual ele declara seu firme apoio à luta palestina e equipara o sionismo ao colonialismo, instando os líderes africanos a apoiar a busca palestina pela liberdade.
Por meio de sua defesa, Malcolm X vinculou o internacionalismo negro à causa palestina, e isso criou um legado de solidariedade que influenciaria os revolucionários negros-palestinos que viriam.

Em 1967, o Student Non-Violent Coordinating Committee (SNCC) publicou um boletim informativo intitulado Third World Roundup: The Palestinian Problem: Test Your Knowledge, no qual listava 32 alegações factuais sobre a história do colonialismo na Palestina e o impacto da agressão israelense contra os palestinos durante a guerra árabe-israelense de 1967.
Ethel Minor, que havia trabalhado com Malcolm X antes de seu assassinato em 1965, escreveu a coluna para o SNCC e ela se tornou uma peça influente que não apenas ofereceu uma contraperspectiva à narrativa da grande mídia sobre Israel-Palestina, mas serviu como base de luta compartilhada que vinculou o ativismo negro nos EUA com a Palestina.

Em 1969, a Argélia sediou o primeiro Festival Cultural Pan-Africano. A recém-independente nação norte-africana se tornou um farol de liberdade para a luta revolucionária e Argel foi apelidada de capital do Terceiro Mundo.
O Festival Cultural Pan-Africano contou com a presença de centenas de delegados de 31 países africanos independentes, bem como representantes de vários movimentos de libertação africanos. Entre eles estavam os palestinos, que também foram convidados a participar do evento no espírito de solidariedade anti-imperial. O festival foi essencial para forjar as lutas da África e da Palestina em um movimento unido contra o imperialismo globalmente.
Uma das imagens mais famosas do evento é uma fotografia de Eldridge Cleaver e membros do Partido dos Panteras Negras com membros da OLP em seu escritório principal na Argélia. Durante o festival, Cleaver passou muito tempo com os delegados da OLP e foi citado pelo New York Times dizendo: “Reconhecemos que o povo judeu sofreu, mas esse sofrimento não deve ser usado para justificar o sofrimento dos árabes agora.” (A citação aparece em Argel, Capital do Terceiro Mundo, de Elaine Mokhtefi, e a imagem é creditada ao Festival Cultural Pan-Africano)

O pôster acima elogiando o movimento Fatah e a unidade afro-palestina foi feito em árabe, francês e inglês pelo fotógrafo francês Guy Le Querrec. Faz parte de uma série que promove o festival cultural pan-africano.

Em 1969, o Black Panther Newsletter publicou o discurso feito pela delegação da OLP durante o Festival Cultural Pan-Africano. A OLP proclamou corajosamente que a África não era apenas um continente, mas uma causa, argumentando apaixonadamente que a África é o centro de todas as forças do mundo que se opuseram ao colonialismo, racismo e imperialismo. Dirigindo-se à multidão, a OLP declarou que, embora eles, como palestinos, não fossem originários da África, suas lutas e busca pela liberdade os fizeram pertencer à causa africana.

A solidariedade entre movimentos negros e palestinos continuou a se desenvolver ao longo dos anos 70 e 80 e foi bem documentada pelo Black Panther Intercommunal News Service. De 1969 a 1980, o boletim serviria como uma plataforma para os palestinos e documentaria regularmente a situação na Palestina.
Nesta reportagem, o Partido dos Panteras Negras homenageia as “heroicas mulheres palestinas” por suas contribuições à sua luta revolucionária.

O Black Panther Intercommunal News Service publicaria relatórios muito extensos sobre a situação na Palestina. A reportagem acima publicada em 1977 discute a repressão que os palestinos enfrentam na Cisjordânia. Os relatórios do BPP sobre a Palestina lançaram luz sobre a situação palestina e também conectaram a luta palestina à luta negra pela liberdade nos EUA.
* BPP – sigla em inglês para Black Panther Party.

Os revolucionários palestinos e africanos se conectaram por meio de muitos meios diferentes a partir dos anos 60. A literatura e a poesia datadas desse período ilustram fortes sentimentos de solidariedade.
Uma figura importante é Samih al-Qasim (foto acima, 2007), renomado poeta e revolucionário palestino. Seu ativismo o levou ao cativeiro israelense em diversas ocasiões, e muitas de suas obras foram escritas enquanto estava na prisão. A poesia de Qasim é imbuída de tons nacionalistas e mensagens anti-imperiais, e é vocal na questão da solidariedade com outros que lutam contra o imperialismo.
Em seu poema Patrice Lumumba, Qasim fala sobre a tragédia do líder congolês, uma força anti-imperialista ferrenha assassinada com a ajuda da CIA. Para Qasim, Lumumba é a “águia da África”.
O palestino também escreveu The Unknown Continent, que significa solidariedade com os afro-americanos que combatem o racismo sistêmico nos EUA. O poeta era popular entre os companheiros revolucionários e uma cópia da poesia de Qasim foi encontrada na biblioteca da cela da prisão do renomado líder dos Panteras Negras, George Jackson.

O maior boxeador do mundo e campeão da luta negra, Muhammad Ali, também estendeu a mão de solidariedade aos palestinos. Retratado aqui em 1974, Ali visitou um campo de refugiados palestinos no sul do Líbano.
O boxeador, que se converteu ao islamismo em 1964, era um crítico declarado do imperialismo dos EUA e expressou forte solidariedade ao povo palestino e sua busca pela libertação.

O Black Panther Newsletter publicou a foto acima na capa de sua edição de julho de 1980. Ela mostra o cofundador do Partido dos Panteras Negras, Huey P Newton, encontrando-se com Yasser Arafat, presidente da OLP, no Líbano (1980). O Partidos dos Panteras e a OLP estabeleceram redes de contato e solidariedade desde 1969.

Em 2016, a cidade sul-africana de Joanesburgo doou uma estátua de 20 pés de Nelson Mandela para a cidade palestina ocupada de Ramallah. O primeiro presidente da África do Sul pós-apartheid também foi um dos maiores defensores da libertação palestina na política internacional. Este pôster, criado pelo artista palestino Hafez Omar em 2016, representa o status reverenciado de Mandela entre os palestinos e sua estátua serve como um símbolo da solidariedade africana e palestina.
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Por SALAM AWAD
Professora assistente no Bellevue College.
Especializações em pesquisas no Oriente Médio, Relações Internacionais e Direitos Humanos.
Publicado originalmente em Middle East Eye.
Tradução: Rafael Daguerre