Terror na Vila Cruzeiro: 23 pessoas mortas em mais uma chacina da Polícia

Existem registros de incursões policiais em comunidades pobres desde a década de 1930, época que o tráfico de drogas não existia. O que ratifica a crítica de movimentos sociais quando afirmam que não existe "Guerra às Drogas", mas sim "Guerra aos Pobres".

Essas são algumas das pessoas que foram levadas para o Hospital Estadual Getúlio Vargas, na Penha, "mas não resistiram". Ao que tudo indica, elas chegaram mortas no hospital — Foto: Recebido por WhatsApp

Nesta terça-feira (24), em uma “operação” policial na Vila Cruzeiro, na Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro, 23 pessoas foram mortas.

O número de mortos foi confirmado na manhã desta quarta-feira (25) e ainda pode crescer. Uma pessoa ferida está em estado grave no Hospital Estadual Getúlio Vargas. Moradores descreveram um cenário de guerra, com madrugada de tiroteios e tensão durante o dia. Segundo a polícia, a ação tinha como objetivo prender chefes da facção criminosa Comando Vermelho, mas ninguém foi preso.

Com a confirmação do numero de mortos, essa se torna uma das maiores chacinas policiais do Rio de Janeiro. Ano passado ocorreu a maior, a Chacina do Jacarezinho, quando 27 pessoas foram assassinadas pela polícia.

Em nota, a FAFERJ (Federação de Favelas do Rio de Janeiro) denuncia e repudia a violência nas favelas do Rio: “As favelas do Rio estão sitiadas entre o crime organizado e a violência desenfreada do Estado. De em chacina, o Rio continua perigoso, desigual e violento. O que muda após uma Chacina? Alguém se sente mais seguro de verdade?”

Entidades de direitos humanos enviaram um comunicado à CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) “pela garantia de proteção dos moradores da e pelo monitoramento extensivo das situações de violência relatadas. Essa extrema violência reflete o resultado da política de segurança pública do atual Governador do Estado do Rio de Janeiro, Claudio Castro, desrespeitando a ADPF 635, conhecida como ADPF das Favelas”, diz uma parte do texto.

Duas pessoas baleadas, ainda vivas, são arrastadas e carregadas como “sacos de lixo” por policiais durante a operação na Vila Cruzeiro, em mais um policial que matou 25 pessoas — Imagem: Reprodução

A operação contou com o BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais), a Federal (PF), a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e a Polícia Civil. Eles agiram na região por 12 horas.

O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) abriram procedimentos para investigar condutas e possíveis violações de agentes de segurança.

Em muitas dessas operações não há perícia, apenas a versão dos próprios agentes envolvidos. Outro comportamento padrão é a retirada dos corpos dos locais pelos próprios policiais para dificultar a investigação. É comum que parte das pessoas mortas sequer sejam identificadas, o que reflete um processo de desumanização das vítimas.

Os autores da ‘ADPF das Favelas’ ou ADPF 635 protocolaram uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) para que o Governo do Rio elabore, em 60 dias, um novo plano para reduzir a letalidade em operações policiais. O documento foi apresentado no mesmo dia, logo após a segunda operação mais letal da história do Estado.

Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental ou ADPF 635 restringe operações policiais em favelas. Por exemplo, qualquer operação em comunidades precisa ser avisada ao Ministério Público e ter uma justificativa. A presença de ambulâncias durante operações policiais é um dos pleitos na ADPF 635. Em 2018, policiais militares impediram que uma ambulância entrasse no Conjunto de Favelas da Maré para socorrer Marcos Vinícius, de 14 anos, baleado pela própria polícia. O jovem morreu.

Uma das pessoas identificadas até aqui é Gabrielle Ferreira da Cunha, de 41 anos, morta em casa, na Chatuba, que fica ao lado da Vila Cruzeiro.

Os outros identificados, todos pela polícia, são: Patrick Andrade da Silva (22 anos), Eraldo de Noves Ribeiro, Geovane Ribeiro dos Anjos (27 anos), Maycon Douglas Alves Ferreira da Silva (29 anos), Marcelo da Costa Vieira (33 anos), Sebastião Teixeira dos Santos (40 anos), Carlos Henrique Pacheco da Silva (25 anos), Leonardo dos Santos Mendonça (29 anos), André Luiz Filho, Roque De Castro Pinto Junior, Adriano Henrique Rodrigues Xavier (17 anos), Marlon da Silva Costa (35 anos), Izaias Victor Marques Nóbrega (22 nos), Anderson Souza Lopes (18 anos), Diego Leal de Souza (32 anos), Nathan Weneck Borges Lopes (21 anos).

Pessoa ferida sendo socorrida por moradores — Foto: Recebido por WhatsApp

A falácia e a falência da “Guerra às Drogas”

O termo foi cunhado pela primeira vez por autoridades norte-americanas, ganhando destaque com Richard Nixon, presidente dos Estados Unidos (EUA) entre 1969-1974. Nixon usava o combate ao tráfico de drogas como inimigo público número 1 e propaganda eleitoral, o que refletiu em políticas de repressão ao usuário e ao tráfico de drogas em todo o mundo. Contraditoriamente, os maiores consumidores de drogas são os EUA.

Diversos especialistas afirmam que a política de repressão é um desastre humanitário: “Sobre diversos aspectos, a guerra às drogas é um fracasso completo. Essa forma de lidar usando a justiça criminal como o ponto relevante e deixando a saúde pública a cargo da ação bélica é um fracasso tanto para a saúde pública, como para a segurança pública”, afirma Mauricio Fiore, antropólogo e pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), em entrevista ao UOL.

Existem registros de incursões policiais em comunidades pobres desde a década de 1930, época que o tráfico de drogas não existia. O que ratifica a crítica de quando afirmam que não existe “Guerra às Drogas”, mas sim “Guerra aos Pobres”.

Para efeito de comparação, o registrou 22.715 mais mortes violentas entre 2011 e 2015 do que a Síria, que está em guerra civil desde aquele ano, conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2016.

Em 2016, pela primeira vez na história, o número de homicídios no superou a casa dos 60 mil em um ano. De acordo com o Atlas da Violência de 2018, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o número de 62.517 assassinatos cometidos no país em 2016 coloca o Brasil em um patamar 30 vezes maior do que o da Europa. Só na década de 2008 a 2018, 553 mil brasileiros perderam a vida por morte violenta.

Ou seja, um total de 153 mortes por dia.

A nota da PRF

A Rodoviária Federal (PRF) escreveu em uma nota pública afirmando que a facção criminosa Comando Vermelho (CV) é responsável por 80% dos crimes no estado do Rio. No entanto, De acordo com pesquisas de universidades e pela Fogo Cruzado, dados de 2020, a maior parte da população vive em territórios controlados por organizações criminosas. O Rio de Janeiro tem 18% de seu território controlado pelo Comando Vermelho e 33% é controlado pela Milícia. Então, como o CV pode ser responsável por 80% dos crimes no estado?

Em outro levantamento divulgado em 19 de outubro de 2020 mostrou que as milícias controlam atualmente 57,5% do território da capital fluminense. 25,2% do território está em disputa, 15,4% está sob controle do tráfico e apenas 1,9% não sofre influência de grupos criminosos.

A e seu combate ao crime organizado parece ignorar a Milícia.

Mídia1508

A 1508 é um coletivo de jornalismo independente anticapitalista, dedicado a expor as injustiças sociais brasileiras e a noticiar as mobilizações populares no Brasil e no mundo.

1 Comentário

  1. Um dia, todos passarão pelo tribunal de Deus, e ali, toda a verdade será revelada! A polícia é para proteger e não para chacinar.

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