Com a palavra os povos: diálogo com os sujeitos e seus lugares

Foto: Lívia Antunes / Mídia1508

No dia 03 de Setembro, aconteceu no XII Encontro Nacional de Pós-graduação em Geografia (ENAMPEGE), a Mesa “Com a palavra os povos: diálogo com os sujeitos e seus lugares”, ocasião que reuniu: liderança indígena do Território Indígena Sete de Setembro; da etnia Suruí, e do Território Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, ambos em Rondônia; representante da Liga dos Pobres do Norte de Minas e Sul da Bahia; liderança do Quilombo Ribeirão Grande/Terra Seca/ do Ribeira, São Paulo; e Professor Dr. e liderança do Território Indígena Tupinambá de Olivença, na Bahia. Os convidados falaram para uma platéia de cerca de 250 pessoas, representadas, sobretudo, por alunos dos cursos de pós-graduação e graduação em Geografia, dentre outros.

A mesa surge como proposta conjunta dos pesquisadores Fábio Alkmin (USP) e Gustavo Cepolini (UNIMONTES) e demonstra, de forma exemplar, uma deficiência histórica e, consequentemente, estrutural da Academia brasileira no relacionamento horizontal e efetivo com populações em situação de vulnerabilidade social que enfrentam, cotidianamente, de diferentes formas, as múltiplas violências representadas pelo avanço do capitalismo.

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Nesse sentido, algumas falas sinalizaram para a necessidade do corpo acadêmico brasileiro, no caso da Ciência Geográfica, se comprometer com a construção de conteúdos responsáveis, no tocante social. Isso inclui um retorno da produção para o território e, sobretudo, a veracidade das informações dissipadas, que devem traduzir os discursos das populações e não as visões individuais elitistas de uma universidade esquizofrênica que, devido o perpassar das noções de colonialismo e colonialidade, acabam por reproduzir discursos racistas, machistas e elitistas.

Nesse sentido, Casé, Tupinambá que atua como professor convidado na Universidade Federal do Sul da Bahia, afirmou que hoje, nos cursos de Geografia e História do país, não há um programa específico que garanta a oferta de disciplinas eletivas indigenistas. Ele ainda acrescenta que quando estas existem, é comum que docentes não-indígenas, que trabalham com temáticas outras, sejam os responsáveis pelo programa, algo que se reforça as desigualdades de acesso e discursos preconceituosos propagados.

Se isso já era algo consolidado nos governos anteriores, demonstra-se de maneira estarrecedora nos projetos do atual chefe do Estado oligárquico brasileiro, Jair Bolsonaro. Como temos acompanhado, o presidente e toda uma rede da elite burguesa tem recorrentemente atacado o Ensino Público Superior com cortes de verbas para as pesquisas e atividades rotineiras, recursos humanos e bolsas. Esses ataques atingem de forma generalizada o sistema, contudo é possível identificar desigualdades notáveis na intensidade destes, visto que universidades consideradas periféricas, combativas e/ou com maior presença de alunos cotistas, são as que mais tem sofrido com os cortes e reformulações políticas traduzidas, entre outras formas, pela indicação direta do reitor pelo próprio Jair Bolsonaro.

Devido a essa característica do Estado Moderno de implementar, através das arenas jurídicas, legislativas e executivas, as contradições do capital internacional, Maria Clara, da Liga dos Pobres, coloca que não podemos ter ilusões com o aparato governamental ou com discursos reformistas presentes, muitas vezes, em estudos acadêmicos. Segundo ela, apenas através de uma revolução democrática que implicaria, inclusive, em democratização de direitos como o direito à terra, será possível conquistar, de forma irreversível, nossas liberdades, em sentido amplo.

Foto: Lívia Antunes

Essa fala se reverbera também nas colocações de Nilce Pontes, do Quilombo Ribeirão Grande, que insiste na ruptura com discursos coloniais que, centenariamente, promovem, direta e indiretamente, aprisionamento e mortes do povo negro. De acordo com Nilce, a Academia deve usar seus instrumentos para aumentar a capacidade de alcance da voz dos negros, contudo não deve, de forma alguma, falar por eles. “Nós por nós”, nas palavras dela.

Para finalizar, diante de um auditório já esvaziado, sobretudo de presença de professores dos departamentos de Geografia, Casé pontua que não tem intenção de modificar os cientistas e acadêmicos de direita, mas que os Tupinambás da Terra Indígena de Olivença se encontram abertos para diálogos com aqueles que pretendem contribuir com a luta dos povos originários. Nesse sentido, reforça que estes povos sabem que sobreviverão ao avanço do do Estado, visto que eles não reconhecem tal lógica como sua verdade ideológica. Contudo, pergunta “E vocês, sobreviverão?”, deixando uma mensagem para que haja um aprendizado da comunidade urbana ocidental com os métodos de luta dos povos que não aceitam a colonização.

Texto: Lívia Antunes – Especialista em Planejamento Estratégico, Aperfeiçoamento das Ferramentas Estaduais de Gestão de Recursos Hídricos no Âmbito do PROGESTÃO-IPEA/ANA e Doutoranda em Geografia no PPGG/UFRJ.

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