Quando ser mãe é um ato de resistência: o levante das mães de Manguinhos

O evento, um dia antes do dia das mães, simboliza a ressignificação desta data "Por Memória, Justiça e Liberdade" e por todas as mães que perderam seus filhos e que transformaram o dia das mães e os demais dias de suas vidas em dias de luta.

O 5° Levante das Mães de Manguinhos / Foto: Rafael Daguerre - Mídia1508

O Fórum Social de e as Mães de Manguinhos – movimentos sociais de luta contra o terrorismo do Estado brasileiro e pela garantia de direitos aos moradores de favela – organizaram neste sábado (11), na de Manguinhos, o 5° Levante por “Memória, Justiça e Liberdade nas Favelas e Periferias”. O evento, um dia antes do dia das mães, simboliza a ressignificação desta data “Por Memória, Justiça e Liberdade” e por todas as mães que perderam seus filhos e que transformaram o dia das mães e os demais dias de suas vidas em dias de luta. Para essas mães significa 365 dias do ano de luta contra a e as mortes de jovens negros, pobres e moradores de favelas e periferias.

A atividade contou com diversos artistas e apresentações culturais como graffiti, música e poesia. O 3° Slam Manguinhos, disputa de poesia entre poetas, aconteceu durante o evento em homenagem às mulheres que lutam diariamente nas favelas e periferias: “que a poesia ocupe cada canto destas favelas com as nossas vozes, com as nossas histórias, com as nossas palavras!”, bradam os organizadores do Slam.

Este ano em sua 5ª edição, o evento homenageou a memória de Matheus Melo de Castro, que voltando para casa no dia 12 de março de 2018 foi assassinado pela na entrada do Jacarezinho. Matheus tinha 23 anos.

Também homenagearam Carlos Eduardo dos Santos Lontra que aos 27 anos foi assassinado por snipers (atiradores de elite da polícia), que efetuaram disparos das torres da Cidade da Polícia, em Manguinhos. Rômulo Oliveira da Silva, de 37 anos, foi também assassinado por tiros disparados pelos snipers. Rômulo, morador de Manguinhos, trabalhava como porteiro da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e foi baleado no peito quando levava sua moto para o conserto na região.

Além dos jovens vítimas da violência do Estado, o evento lembrou de mulheres que dedicaram suas vidas por justiça e contra a violência estatal: Janaína Santos, Vera Lúcia Gonzaga e Marielle Franco.

No evento aconteceu também a colocação dos nomes das Mães e dos jovens homenageados na placa do Memorial “Nossos Mortos Têm Voz de a Memória de Vida dos Jovens Vítimas do Genocídio na de Manguinhos” construído pelas mães de e o Fórum social de Manguinhos na em 2016.

Plantio de árvores e placas

Em 2016, com apoio do Planta na Rua e a FIOCRUZ, mudas de árvores foram plantadas pelas mães em uma praça de Manguinhos, que usam o simbolismo como “tentam nos enterrar mas somos sementes”. Hoje, as mães afirmam que a muda cresceu e a luta já deu frutos.

Durante o evento, as mães realizaram também um ato simbólico de colocação de placas nas árvores plantadas em Manguinhos. Uma da placas foi em memória de Vera Lúcia Gonzaga, homenageada pelas mães presentes. Vera foi uma das mães que perderam seus filhos nos Crimes de Maio de 2006. Ana Paula Gonzaga dos Santos, filha de Vera, estava grávida de 9 meses quando foi atingida por cinco tiros, um deles na barriga.

Vera Lúcia faleceu em 2018 após anos de luta contra o genocídio. Por quase 12 anos, denunciou a violência de Estado junto do movimento Mães de Maio, em maio de 2017 no II encontro Nacional das Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo do Estado que aconteceu em Manguinhos, Vera plantou uma árvore que tem o nome de Bianca (nome de sua neta assassinada), uma árvore que cresce na de Manguinhos.

Mães colocam placa em homenagem a Vera Lúcia e Bianca (nome de sua neta assassinada) / Foto: Rafael Daguerre – Mídia1508

Fatinha Silva, mãe de Hugo Leonardo, assassinado pela na Rocinha, também colocou a placa com o nome de seu filho ao lado da árvore que ela própria plantou. Hugo foi atingido por um tiro no abdômen quando estava a caminho da escola do sobrinho. Hugo foi carregado em um lençol que foi usado para retirar seu corpo do local, configurando fraude processual. O Boletim de Atendimento Médico que consta no inquérito policial, instaurado na 15° DP (Gávea), apresenta que Hugo já estava morto quando chegou ao Hospital Miguel Couto.

Na delegacia, os policiais apresentaram um revólver calibre 38, como se fosse de Hugo, sendo lavrado um Auto de Resistência, sob a falsa alegação de legítima defesa. Todos os policiais disseram a mesma coisa: que estariam adentrando no beco quando se depararam com supostos traficantes, com os quais teriam trocado tiros. O depoimento de cada um deles é uma cópia do outro. Mas não houve nenhum tiroteio. Os únicos dois tiros disparados foram dados pelos PMs.

Na delegacia, as armas que estavam com os policiais não foram sequer apreendidas para perícia, e o delegado assumiu a versão policial no inquérito, afirmando que os policiais teriam “repelido uma injusta agressão”, na clássica versão mentirosa de Auto de Resistência. Inconformada com o assassinato de Hugo e a incriminação póstuma de seu filho sofrida na mídia e na delegacia, Fatinha se juntou à luta de familiares e integrou-se à Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência em 2013. O inquérito policial ficou parado e a única investigação feita foi sobre a vida pregressa de Hugo, que tinha uma passagem por furto, já cumprida.

Sete anos após a morte de Hugo, Fatinha segue na luta, e aguarda o desfecho da investigação.

Fatinha Silva com a placa em homenagem ao seu filho / Foto: Rafael Daguerre – Mídia1508

No fim do encontro, mães e familiares gritam ‘Presente!’ para homenagear e representar que seus filhos e parentes assassinados pela violência policial nunca serão esquecidos. Muita dor, mas muita força para lutar. Assista:

Rafael Daguerre

Fotógrafo, Repórter, Editor e Documentarista

Um dos fundadores da Mídia1508. "Ficar de joelhos não é racional. É renunciar a ser livre. Mesmo os escravos por vocação devem ser obrigados a ser livres, quando as algemas forem quebradas" ― Carlos Marighella.

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