“A luta armada contra o capitalismo já não é crime”, Cesare Battisti

Cesare Battisti preso na Itália, em 1981 / Foto: IPA

O italiano Cesare Battisti, preso na noite de sábado, 12 de janeiro, em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, aguardava a decisão do governo Evo Morales sobre um pedido de refúgio feito por ele em 18 de dezembro, dias após sair do Brasil. Cesare Battisti foi membro do grupo revolucionário italiano Proletários Armados pelo Comunismo (PAC) e condenado por quatro assassinatos na Itália na década de 1970. Battisti, militante da esquerda revolucionária, se declarou inocente dos quatro homicídios pelos quais ele foi condenado na Itália na década de 1970, na carta em que faz a solicitação de asilo político. “Peço que vocês deem procedimento ao meu requerimento humanitário e me concedam a qualidade de refugiado, garantindo a minha segurança, minha liberdade e minha vida”, escreveu o italiano.

Isso significa que o Governo boliviano sabia da presença de Battisti em seu território e que estava fugindo, mas aguardando uma decisão das autoridades sobre a sua situação.

Cesare Battisti foi membro do grupo Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), uma das dezenas de organizações combatentes que enfrentaram o Estado fascista italiano e o patronato no país nos anos setenta, os chamados “anos de chumbo”. Conta-se que Battisti foi quem fez circular a ideia tão estendida entre a juventude proletária da época de que:

“A luta armada contra o já não é crime”

Proletários Armados pelo Comunismo (PAC) focava a sua atividade em sabotar as empresas que não cumpriam com as reivindicações dos trabalhadores em greve. Também realizaram ataques contra agentes do sistema prisional e funcionários e colaboradores da polícia. A Fotografia (foto 2) do homem encapuzado apontando uma pistola, imagem que tão bem retrata o clima desses anos, mostra justamente a um dos membros da PAC, Giuseppe Memeo, durante um confronto em Milão, em maio de 1977.

A ação dos PAC nesse período se apresenta com uma longa tradição de luta frontal contra as estruturas de dominação do Estado capitalista, que deixou não apenas uma pesada luta revolucionária com mortos, presos e fugitivos para toda a vida, mas também um exemplo de dignidade insurgente, de coragem e firmeza na luta social; exemplo que hoje não se conhece o suficiente e que deve ser atualizado, tanto em suas formas como em seus conteúdos.

O governo de Evo Morales

Poucas horas depois de sua captura, o traidor governo de Evo Morales o colocou em um avião para extraditá-lo sem muitas formalidades à extrema direita italiana, cujo estado não deixou nestes quarenta anos de reclamar o seu “direito” de exercer vingança contra o revolucionário que o combateu. O Estado italiano fará pesar sobre este ex-combatente proletário duas cadeias perpétuas mais uma condenação de treze anos de prisão por lutar contra o na Itália ou “anos de chumbo”. Em carta enviada à Comissão Nacional de Refugiados, Cesare Battisti negou assassinatos pelos quais foi condenado na Itália na década de 1970.

Battisti, um lutador exemplar que ajudou em um dos episódios mais fortes da luta proletária do último meio século, é extraditado por um governo “socialista” e bolivariano, apenas alguns dias depois que o seu “Presidente Indígena”, enviasse uma calorosa e cúmplice saudação ao recém assumido mandatário da extrema direita no Brasil, Jair Bolsonaro. Mais uma vez a política internacional dos mercadores se mostra tal como é: ordinária e contrarrevolucionária. Não importa, se você é um(a) revolucionário(a) será perseguido pela direita e pela esquerda (institucional).

Esta captura é de responsabilidade do governo de Evo Morales e a sua extradição é feita com a aprovação de Mateus Salvini, ministro do interior e da extrema direita italiana, responsável político pelo assassinato de Soumalia Sacko, um sindicalista de Mali assassinado a tiros nos campos do Sul da Itália. A captura de Battisti tornou-se um dos objetivos principais do fascista Salvini e do governo italiano. Não é a intenção aqui fazer uma apologia, tampouco uma revisão de em quê ou contra quem se concentrou a atividade militante de Battisti, isso é material mais do que público que qualquer pessoa com um computador, internet e um pouco de honestidade pode descobrir. O importante é colocá-lo em nossa história e reconhecê-lo como o que de fato é, um proletário, um combatente, um anticapitalista.

É mais um dos nossos que cai. Mais um motivo para redobrar os esforços para desmantelar, peça por peça e sem contemplações, o tecido que mantém a dominação social, essa maquinaria de miséria e de morte que nos reduz a nada, quando deveríamos ser tudo.

Um dos membros dos PAC, Giuseppe Memeo, durante confronto em Milão, maio de 1977 / Foto: Domínio Público

Os julgamentos nos anos de chumbo

Na verdade, o combatente italiano é perseguido há décadas por sua atividade militante, pela importância que isso representa contra o sistema capitalista. O Estado italiano – como ocorre normalmente nestas ocasiões em que a direita ou a extrema direita estão no poder – diminuiu as liberdades constitucionais, condicionou o estado de Direito, deu poderes extraordinários às forças policiais, inclusive o de homicídio, da mesma forma que manipulou e influiu decisivamente no resultado de inquéritos e julgamentos, comprometendo a independência do poder judiciário do país.

Cesare Battisti foi condenado à revelia, à prisão perpétua, pena máxima, por quatro homicídios praticados no final dos anos 70, em processo em que respondeu à revelia, com um único testemunho adverso, obtido através do frágil instituto da delação premiada. O clima institucional do julgamento era o já descrito.

Battisti volta a pisar na Itália algemado e traído para que o Estado e seus defensores tanto de direita quanto de “esquerda” aplaudam suas próprias misérias e responsabilidades sobre o corpo de um militante que se dedicou a lutar contra o capitalismo. Um bode expiatório inclusive para parte da “esquerda” que o chama de “um mero assassino” e assim se qualificar para as próximas eleições. A história é marcada por fracassos e derrotas, por erros e imprevistos, mas também sabemos de traições, de capitulações e punições contra aqueles que assumiram a e a ofensiva em tempos de acordos selados com sangue tanto de como de inocentes.

A violência do oprimido contra o sistema que o oprime, jamais deve significar a mesma ação do opressor, representa uma análise rasa com aqueles que assumiram uma posição e doaram um grão de areia a um horizonte, muitas vezes pagando com a cadeia ou com a morte. De Battisti e de muitos militantes pertencentes a diversas organizações, células e núcleos da Itália dos anos setenta se pode dizer várias coisas, realizar críticas e aprendizados, fazer balanços e perguntas. Duvidar e negar do compromisso, da disciplina, da orientação, do horizonte, da atitude e luta revolucionária de Battisti e outras mulheres e homens dessa época? Acho que não.

Cesare Battisti chega ao aeroporto de Ciampino, em Roma, após ser preso na Bolívia / Foto: Reprodução da internet

Rafael Daguerre

Fotógrafo, Repórter, Editor e Documentarista

Um dos fundadores da Mídia1508. "Ficar de joelhos não é racional. É renunciar a ser livre. Mesmo os escravos por vocação devem ser obrigados a ser livres, quando as algemas forem quebradas" ― Carlos Marighella.

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